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OPINIÃO ECONÔMICA
É tempo de ousar
BENJAMIN STEINBRUCH
Um leitor economista de
Campinas nos escreveu para
elogiar o artigo da semana passada sobre o desemprego entre os jovens e fez uma pergunta: você não
acha que renovar o acordo com o
FMI em condições bem mais flexíveis ou até não renovar esse acordo constitui um dos aspectos fundamentais para o crescimento
econômico?
Concordo com a primeira parte
da pergunta do leitor. O Brasil deve, sim, renovar o acordo com o
Fundo, mas em nenhuma hipótese poderá aceitar as condições dos
últimos anos, que impuseram
drásticas receitas recessivas ao
país.
Essa posição pode parecer pretensiosa e arrogante, mas não é. O
Brasil cumpriu rigorosamente os
últimos acordos feitos com o Fundo. Pagou caro por isso -com estagnação e desemprego-, mas,
por ironia, acabou adquirindo a
condição de menino prodígio do
Fundo.
Para o FMI, é importante que o
Brasil dê certo. A instituição tem
sido massacrada pela crítica internacional por suas desastrosas
intervenções em países como Argentina, Rússia, Malásia e Indonésia. Na década passada, a Argentina também foi considerada
a garota prodígio do Fundo, porque dominou a hiperinflação e estabilizou a taxa de câmbio. Mas a
terapia imposta a impediu de
crescer, e o câmbio fixo, tolerado
pelo Fundo, a levou à sua mais
grave crise de balanço de pagamentos. Quando veio o desastre
argentino, o Fundo se omitiu, o
país foi obrigado entrar em moratória e, em consequência, enfrentou uma recessão brutal.
Não há por que imaginar que
algo tão grave possa ocorrer no
Brasil. As condições são muito diferentes e há muito nos livramos
do câmbio fixo, uma das causas
do colapso argentino. Até o economista-chefe do Banco Mundial
para a América Latina, Guillermo Perry, disse, na semana passada, que o Brasil não precisa de um
novo acordo com o Fundo, mas
considerou que isso seria "conveniente".
Lúcida observação. Qualquer
pessoa que já tenha negociado
com credores sabe que, quanto
mais se necessita de um crédito,
mais difícil e mais caro ele se torna. Credores adoram oferecer
empréstimos a quem não precisa
deles. Então, se o próprio economista do Bird acha que o Brasil
não precisa dos recursos do Fundo, é hora de procurá-los.
A prudência levou o governo a
decidir sacar a parcela de US$ 4
bilhões, a penúltima do acordo
anterior. A prudência também
indica que se deve renovar o acordo com o Fundo, que termina em
dezembro. Primeiro, porque a
parte mais difícil do ajuste já foi
feita pelo Brasil. Segundo, porque
o país não conta ainda com um
nível de reservas internacionais
suficiente para dar tranquilidade
no manejo das contas externas.
Uma crise financeira que atinja o
mercado internacional pode interromper o fluxo de capitais e colocar em risco a solvência externa
do país, quem tem um pesado serviço anual da dívida externa.
Ainda estão frescos na memória
os eventos de 1997 e 1998. O Brasil
saboreava o sucesso do Plano
Real e se preparava para iniciar
programas de crescimento quando sobrevieram as crises da Ásia e
da Rússia. Imediatamente, capitais que aqui estavam debandaram e o país foi obrigado a recorrer ao Fundo e apertar mais ainda o cinto.
Tudo indica que o Fundo, escaldado pelos insucessos recentes, esteja hoje mais maleável para
acordos que preservem o crescimento econômico. E não há muito mistério nas coisas a negociar.
Em primeiro lugar, não se deve
aceitar a imposição de superávits
fiscais exageradamente elevados.
Neste ano, o governo obteve uma
receita que superou as despesas
(sem incluir juros) em R$ 44,3 bilhões de janeiro a julho, saldo que
ficou R$ 5 bilhões acima do próprio nível acertado com o Fundo.
Um superávit menor (o nível deste ano é 4,25% do PIB) abriria espaço para investimentos do governo, que promoveriam crescimento e criariam empregos. Em
segundo lugar, pode-se negociar a
exclusão de investimentos sociais
e de algumas estatais autônomas
(que não dependam de recursos
do orçamento) do cálculo do déficit público.
Até porque não precisa desesperadamente dos recursos, o governo atual pode se dar ao luxo de
ousar nas suas negociações com o
FMI. Nos acordos passados, jogou-se sempre na defesa, com metas rigorosas contra o déficit público, sem qualquer preocupação
com seus efeitos negativos para a
atividade econômica. Agora, pode-se pensar também no estabelecimento de metas para o crescimento da economia. Uma espécie
de "acordo em tempos de paz".
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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