São Paulo, quinta, 9 de outubro de 1997.




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Agricultura, El Niño e "implicância radical"

ALOYSIO BIONDI
Pois é. Há mais de um mês levantou-se a lebre, nesta coluna: o governo FHC estava tendo uma oportunidade de injetar algum ânimo na economia e abrandar o problema do "rombo" da balança comercial (exportações menos importações), que ameaça o Plano Real. Como? Agindo como quaisquer governantes de bom senso fariam: dando prioridade absoluta à agricultura, nesta época de plantio no Centro-Sul. Injetando créditos, maciçamente, no campo, para ampliar a área cultivada e, assim, ter condições de aumentar a produção em determinadas regiões, para compensar as quebras de safras já previstas, em determinados pontos do país, em virtude do El Niño.
Por que a necessidade de assegurar as maiores colheitas possíveis? Tudo indica que o El Niño fará os preços dos produtos agrícolas dispararem, no mercado mundial. Se o Brasil tiver excedentes para exportar, lucrará com isso. Se tiver necessidade de importar, desembolsará mais alguns bilhões de dólares, isto é, agravará o "rombo", a falta de dólares, com todos os seus desdobramentos: crise cambial, desvalorização do real, e até volta da inflação.
Hoje, o El Niño ganha espaço no noticiário. A época ideal para o plantio no Centro-Sul vai-se escoando. E o governo FHC continua, olimpicamente, a massacrar os agricultores, como fez, em proporções trágicas, em 1995 e 1996. Não há crédito para plantar. A renegociação de dívidas permanece emperrada. E nem o seguro para cobrir prejuízos do agricultor contra desastres climáticos, mais necessário do que nunca diante dos efeitos do El Niño, é aprovado -apesar de ter sido anunciado há muitos meses pelo ministro da Agricultura. E apesar de ter sido prometido em junho, isto é, há quase cinco meses, pelo próprio presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.
Em tempo: a agricultura continua a ser a "grande órfã" da imprensa nacional, que não lhe dá o tratamento dispensado aos demais setores da economia -apesar de ele ser, na verdade, mais importante do que outras áreas, como responsável pela geração de empregos e renda. Esquecem-se, os formadores de opinião, que a agricultura é a base da economia de 4.000, entre 5.000 municípios do país. E que, até em matéria de "rombo" da balança comercial, o setor tem saldo favorável, isto é, suas exportações superam, em muitos bilhões de dólares, o valor das importações. Exatamente o contrário da festejada indústria e suas multinacionais, responsáveis por importações maciças e torra de dólares.
Nas equações e modelos econômicos montados pela equipe econômica brasileira, falta sempre levar em conta uma variável: a agricultura, como se ela não existisse. Urbanos, criados no Rio ou nos Jardins, os economistas de Brasília pensam que jaboticaba dá em cacho. E que ervilha (ou melhor, petit-pois) nasce dentro das latinhas. Importadas, de preferência. Ah, Paris... Ah, "Nuiorque"...
Sem proteção
O governo tem dito que está estudando o "seguro agrícola". Não é verdade. Brasília tem anunciado, apenas, mudanças no Proagro, que a imprensa acredita ser um seguro agrícola, mas é um seguro para os banqueiros.
Como assim? Se um agricultor toma um empréstimo para plantar e perde as colheitas por causa do clima, o Proagro paga, sim -mas apenas o empréstimo, ao próprio banco. As perdas sofridas pelo próprio agricultor não são indenizadas. Ele "quebra", vira sem-terra, sai perambulando pelo país. Reforma agrária às avessas.
Lá fora
Nos países ricos há seguro agrícola para o produtor. De verdade. E, no ano passado, o governo Clinton foi mais longe: criou um novo tipo de seguro para cobrir não apenas prejuízos com a perda de colheitas devido a problemas climáticos. Agora, até prejuízos provocados por quedas de preços no mercado são pagas pelo seguro. Aqui? A equipe FHC continua a mentir, dizendo que está modernizando a economia e forçando todos os setores econômicos a se modernizarem. Que está imitando os países ricos. Deslavada mentira. Discordar da insensibilidade olímpica do governo FHC não é questão de "implicância radical". Sua insistência em errar, destruindo a economia, está à vista de todos.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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