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Agricultura, El Niño e "implicância radical"
ALOYSIO BIONDI
Pois é. Há mais de um mês
levantou-se a lebre, nesta coluna: o governo FHC estava tendo
uma oportunidade de injetar
algum ânimo na economia e
abrandar o problema do "rombo" da balança comercial (exportações menos importações),
que ameaça o Plano Real. Como? Agindo como quaisquer
governantes de bom senso fariam: dando prioridade absoluta à agricultura, nesta época de
plantio no Centro-Sul. Injetando créditos, maciçamente, no
campo, para ampliar a área
cultivada e, assim, ter condições
de aumentar a produção em determinadas regiões, para compensar as quebras de safras já
previstas, em determinados
pontos do país, em virtude do El
Niño.
Por que a necessidade de assegurar as maiores colheitas possíveis? Tudo indica que o El Niño fará os preços dos produtos
agrícolas dispararem, no mercado mundial. Se o Brasil tiver
excedentes para exportar, lucrará com isso. Se tiver necessidade de importar, desembolsará mais alguns bilhões de dólares, isto é, agravará o "rombo",
a falta de dólares, com todos os
seus desdobramentos: crise
cambial, desvalorização do
real, e até volta da inflação.
Hoje, o El Niño ganha espaço
no noticiário. A época ideal para o plantio no Centro-Sul
vai-se escoando. E o governo
FHC continua, olimpicamente,
a massacrar os agricultores, como fez, em proporções trágicas,
em 1995 e 1996. Não há crédito
para plantar. A renegociação de
dívidas permanece emperrada.
E nem o seguro para cobrir prejuízos do agricultor contra desastres climáticos, mais necessário do que nunca diante dos
efeitos do El Niño, é aprovado
-apesar de ter sido anunciado
há muitos meses pelo ministro
da Agricultura. E apesar de ter
sido prometido em junho, isto é,
há quase cinco meses, pelo próprio presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso.
Em tempo: a agricultura continua a ser a "grande órfã" da
imprensa nacional, que não lhe
dá o tratamento dispensado aos
demais setores da economia
-apesar de ele ser, na verdade,
mais importante do que outras
áreas, como responsável pela
geração de empregos e renda.
Esquecem-se, os formadores de
opinião, que a agricultura é a
base da economia de 4.000, entre 5.000 municípios do país. E
que, até em matéria de "rombo" da balança comercial, o setor tem saldo favorável, isto é,
suas exportações superam, em
muitos bilhões de dólares, o valor das importações. Exatamente o contrário da festejada indústria e suas multinacionais,
responsáveis por importações
maciças e torra de dólares.
Nas equações e modelos econômicos montados pela equipe
econômica brasileira, falta
sempre levar em conta uma variável: a agricultura, como se
ela não existisse. Urbanos, criados no Rio ou nos Jardins, os
economistas de Brasília pensam
que jaboticaba dá em cacho. E
que ervilha (ou melhor, petit-pois) nasce dentro das latinhas. Importadas, de preferência. Ah, Paris... Ah, "Nuiorque"...
Sem proteção
O governo tem dito que está
estudando o "seguro agrícola".
Não é verdade. Brasília tem
anunciado, apenas, mudanças
no Proagro, que a imprensa
acredita ser um seguro agrícola,
mas é um seguro para os banqueiros.
Como assim? Se um agricultor
toma um empréstimo para
plantar e perde as colheitas por
causa do clima, o Proagro paga, sim -mas apenas o empréstimo, ao próprio banco. As
perdas sofridas pelo próprio
agricultor não são indenizadas.
Ele "quebra", vira sem-terra,
sai perambulando pelo país.
Reforma agrária às avessas.
Lá fora
Nos países ricos há seguro
agrícola para o produtor. De
verdade. E, no ano passado, o
governo Clinton foi mais longe:
criou um novo tipo de seguro
para cobrir não apenas prejuízos com a perda de colheitas
devido a problemas climáticos.
Agora, até prejuízos provocados por quedas de preços no
mercado são pagas pelo seguro.
Aqui? A equipe FHC continua a
mentir, dizendo que está modernizando a economia e forçando todos os setores econômicos a se modernizarem. Que
está imitando os países ricos.
Deslavada mentira. Discordar
da insensibilidade olímpica do
governo FHC não é questão de
"implicância radical". Sua insistência em errar, destruindo a
economia, está à vista de todos.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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