São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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CONTAS VIGIADAS

Banqueiro havia dito que custo era de R$ 50 mi; promotor deve pedir o leilão do bem e da coleção de arte

Casa de Edemar custou R$ 142,7 milhões

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A casa do banqueiro Edemar Cid Ferreira, um complexo de cinco andares que ocupa uma área de 4.100 m2, custou R$ 142,7 milhões. Só a mesa de mogno da sala de jantar, para 20 pessoas, consumiu US$ 390 mil (R$ 893,1 mil, pelo câmbio atual). O banqueiro desembolsou 262,5 mil (R$ 732,4 mil) por uma luminária criada pelo designer alemão Ingo Maurer para iluminar a mesa de mogno -a peça foi batizada de "Golden Ribbon" (Fita Dourada).
Os três valores constam do relatório final de uma empresa de auditoria contratada para acompanhar a obra, obtido pela Folha. Quando Edemar quebrou, seus assessores haviam divulgado a informação de que a casa do Morumbi, na zona oeste de São Paulo, custara R$ 50 milhões -quase um terço do gasto real.
O documento dos auditores é de julho do ano passado, quatro meses antes de o Banco Central intervir no Banco Santos. O banco de Edemar, descobriu-se depois, produzira um rombo de R$ 2,2 bilhões -os gastos com a casa correspondem a 6,4% desse valor.
A casa do banqueiro e sua coleção de arte devem ser o próximo alvo dos promotores que conseguiram que a Justiça decretasse a falência do banco no último dia 20. A promotoria deve pedir o leilão da casa e da coleção, avaliada entre US$ 20 milhões e US$ 30 milhões (de R$ 45,8 milhões a R$ 68,7 milhões).
Edemar já é réu num processo na Justiça Federal no qual é acusado de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e fraude.
Com os R$ 142,7 milhões que Edemar gastou na casa daria para comprar nove de um dos apartamentos mais caros já vendidos em São Paulo -a cobertura dúplex que Athina Onassis adquiriu na Vila Nova Conceição, na zona sul de São Paulo, com 990 m2 e 15 vagas na garagem.
Se o valor da casa de Edemar fosse corrigido pela cotação atual do dólar, que está em baixa, custaria US$ 62,3 milhões e figuraria em quinto lugar na lista das propriedades mais caras do mundo da revista "Forbes" deste ano.

Extravagância
Construída entre 2000 e 2004, a casa da rua Gália nem parecia o projeto de um banqueiro que estava à beira da bancarrota. O decorador da casa, o norte-americano Peter Marino, recebeu R$ 8,86 milhões, valor suficiente para comprar um apartamento de 550 m2 no mesmo edifício Chateau Margaux em que Athina vive.
O andar térreo tem duas galerias de arte, com pé-direito de nove metros, e uma biblioteca. Numa das galerias cabem 250 pessoas. Os banheiros são de vidro transparente, mas, assim que uma pessoa adentra o seu interior, uma película impede que se veja o que se passa lá dentro.
O centro de distribuição de energia elétrica seria suficiente para iluminar uma cidade de 5.000 habitantes. Os elevadores são pneumáticos porque Edemar não gosta do barulho dos motores. A garagem tem algo de James Bond -é possível isolar o carro do dono da casa, caso um veículo invasor consiga burlar todos os sistemas de segurança.
Perto dos honorários pagos a Peter Marino e a Ingo Maurer, o valor do projeto do arquiteto Ruy Ohtake foi uma pechincha: R$ 1,15 milhão, o equivalente a 0,8% do custo total da obra.
O método de construção também teve algo de delirante. Parte do mármore importado da França veio de avião para atender um cronograma que não foi cumprido -a pedra ficou no depósito.
A contratação do decorador mostra a fixação de Edemar pelas grifes. Peter Marino é um dos mais famosos arquitetos de interiores dos EUA. Tem em seu currículo a loja-conceito da Louis Vuitton de Nova York e um prédio da Chanel em Tóquio.

Empresa da mulher
Edemar criou uma empresa para cuidar da construção da casa, a Atalanta, que também é dona do prédio -os terrenos são de outra empresa. As sócias da Atalanta são a mulher do banqueiro, Márcia Cid Ferreira, a irmã dele, Edna Ferreira de Souza e Silva, e duas empresas com sede em paraísos fiscais, a Blueshell (Ilhas Virgens Britânicas) e a Principle Enterprises (Panamá). O capital da Atalanta, de R$ 155,5 milhões, é controlado pelas duas "offshores".
Ninguém sabe até agora a origem do capital da Atalanta. O advogado Jairo Saddi, que defende investidores que perderam mais de R$ 700 milhões no Banco Santos, diz não ter "a menor dúvida" de que a obra foi feita com dinheiro desviado.
Para Saddi, a construção da casa na época em que o banco definhava mostra que a fiscalização do Banco Central foi omissa: "O Banco Central sabia que essa casa era do Edemar e nunca perguntou como ele financiou a obra".
A omissão, na opinião do advogado, mostra que o Banco Central tem um erro conceitual: ele teria de vigiar os bens do banqueiro, e não só o banco. O BC argumenta que o controle de outras empresas ligadas ao banqueiro, as de caráter não-financeiro, extrapola as atribuições legais da instituição.


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