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análise
O mercado não sabe mais o que o mercado quer
DO ENVIADO A MADRI
O que está acontecendo
nos mercados financeiros,
que não sossegam nem mesmo depois de uma sucessão
de pacotes de ajuda, todos
eles reclamados pelos próprios mercados? A Folha fez
essa pergunta ontem a um
punhado de economistas e
executivos de bancos. A resposta mais cândida veio de
Roger Kubarych: "Quem é
que sabe o que os mercados
querem a esta altura?".
Kubarych pode ser tido
como o rosto dessa entidade
tão poderosa quanto invisível chamada mercado. Foi o
economista-chefe da Bolsa
de Valores de Nova York e,
hoje, é o economista-chefe,
nos Estados Unidos, do banco alemão Bayerische Hypo-und Vereinsbank.
Se um homem tão fincado
no mercado não tem idéia do
que seus pares querem,
quem poderia saber? Os governos, certamente, não,
tanto que estão sendo continuamente atropelados.
Basta acompanhar a seqüência apresentada por outro homem de mercado,
Juan José Ruiz, economista-chefe do grupo Santander:
"Tivemos zilhões de dólares
de injeções de liquidez pelos
bancos centrais; tivemos
corte de taxa de juros de bom
tamanho; tivemos bancos
nacionalizados [na verdade
estatizados]; tivemos cobertura governamental para os
depósitos -tudo para pouco
ou nenhum resultado", diz.
O que fazer, então? "Não
perca o ânimo ainda; tudo
eventualmente terá um impacto", aconselha, muito
mais para psicólogo do que
para economista. Deixa um
lembrete: "Lembre-se de
que os governos são os únicos jogadores na praça".
Ponto de ignição
Brad Setser, pesquisador
do Council on Foreign Relations, e Kubarych, a cara do
mercado, coincidem em
apontar a quebra, no mês
passado, do Lehman Brothers como o ponto de ignição para a tormenta.
Setser diz que a quebra do
Lehman levou "a uma perda
de confiança nas instituições
financeiras, de forma tal que
fundos financeiros não emprestam para bancos, e entre
as instituições financeiras,
que não emprestam umas
para as outras".
Para o pesquisador, as medidas até agora tomadas "são
fracas demais para pôr fim a
esse ciclo".
Nas palavras de Setser, o
ciclo funciona assim: "A força do desalavancamento
[instituições que investiram
com dinheiro emprestado
estão agora vendendo seus
investimentos para fazer caixa para pagar o empréstimo]
é agora muito poderosa e alimenta-se dela própria, na
medida em que cada venda
puxa os preços para baixo e
provoca novas vendas".
Já Kubarych descreve assim o ciclo: "Ao empurrar o
Lehman à bancarrota, o governo dos EUA injetou medo
e incerteza no jogo para todos os demais grandes bancos. Qualquer um deles poderia ser o próximo, como
reclamaram os investidores
globais. Então, eles boicotam
os bancos e outras instituições financeiras, recusando-se a fornecer a liquidez costumeira. Preferem, em vez
disso, comprar títulos do Tesouro dos EUA, com o que as
taxas dos títulos de curto
prazo afundam para níveis
próximos de zero, no estilo
do Japão [nos anos 80/90]".
O ciclo, sempre segundo
Kubarych, pulou para a Europa. Dá-se, então, o seguinte: "Quando a crise financeira cruzou o oceano e as instituições européias precisaram de resgate governamental, os investidores começaram a dar-se conta de que um
sistema financeiro ferido significa uma recessão global".
Brasil
No Brasil, Armínio Fraga,
com a experiência de quem
viveu a crise do real em 1999
na posição de presidente do
Banco Central e de quem é
homem de mercado (antes e
depois de presidir o BC),
concorda com ambos:
"Estamos vivendo um pânico generalizado lá fora, alimentado por um desmonte
de posições alavancadas e total aversão ao risco. Os governos estão aos poucos absorvendo o risco em seus balanços, garantindo os bancos
e tentando assim acalmar os
mercados. Mas ainda não foram capazes de dar uma resposta de impacto".
E o Brasil, como fica?
"Aqui temos uma versão local do que se vê lá fora, em
boa parte porque o Brasil era
um dos favoritos, e agora estão vendendo tudo. Não temos o "subprime" e a bolha
imobiliária, mas os bancos
vão jogar na defesa por um
bom tempo."
Acionistas
A Folha ouviu também, de
um executivo que prefere
não ser identificado, a explicação de que parte do contínuo tumulto vem do fato de
que os pacotes já lançados
protegeram os depositantes,
mas não os acionistas.
O caso concreto do banco
belga Fortis lhe dá razão:
meio milhão de pequenos
acionistas perderam cerca
de 8 bilhões com o colapso
da instituição, de acordo
com reportagem de ontem
do jornal "De Standaart".
(CR)
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