São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

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ARTIGO

Keynes não tinha a cura para momentos de recessão

Economista errou ao não fazer distinção entre queda nos preços devido a motivos monetários e retração relacionada a fatores alheios à oferta e à procura de dinheiro

EDMUND PHELPS
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Que teoria podemos usar para que saiamos de maneira rápida e confiável da recessão iminente? Empregar a teoria "neoclássica" das flutuações que surgiu em Chicago nos anos 70 seria impensável, já que foi exatamente essa teoria que o colapso dos preços dos ativos acabou por provar falsa.
Os pensamentos de alguns voltaram a John Maynard Keynes. As percepções dele quanto à incerteza e à especulação eram profundas. Mas sua teoria do emprego era problemática e as soluções "keynesianas" de política econômica são no mínimo questionáveis.
Os bancos falam da queda nos preços da habitação como efeito de alguma forma de choque. Nos modelos que eles adotam, choques aleatórios estão sempre derrubando os preços dos ativos, ante os valores projetados. Na verdade, não houve abalo, seca ou força exógena que forçasse os preços a cair.
Os especuladores e os compradores de casas, acreditando que aluguéis e custos de construção subiriam, apostaram em uma alta nos preços no futuro, e isso gerou também uma alta nos preços das casas existentes.
Mas, ao longo dos anos, nem os aluguéis nem os custos (em termos reais) se moveram. Se eles não subiam, os preços (reais) teriam de voltar a cair, mais cedo ou mais tarde.
Esse era o mundo de Keynes.
Na Universidade de Cambridge, ele demonstrou como um investidor poderia operar com margem para contingências desconhecidas, em seu "Tratado sobre a Probabilidade". Em Londres, comandou um fundo de hedge e enriqueceu, mas terminou apanhado pelo colapso nos preços das commodities no começo de 1929. Ele concluiu que as crenças dos investidores eram "frágeis". À medida que um investidor e depois outro começam a desertar, os preços de um ativo, que até ali vinham em alta, podem simplesmente cambalear um pouco no início, mas terminam por despencar mais tarde, em companhia das crenças convencionais.

Teoria Geral
Keynes atribuía aos preços dos ativos um papel central na determinação do nível de emprego, em sua Teoria Geral de 1936. Caso uma mudança de sentimento gerasse declínio acentuado na avaliação dos ativos empresariais (bem como nos preços das ações e das casas), o investimento empresarial seria cortado e o emprego se contrairia.
Infelizmente, nada mais funcionava bem, desse ponto em diante. Keynes cometeu um erro imenso ao não distinguir entre uma queda nos preços dos artigos causada por motivos monetários e uma queda relacionada a fatores que pouco ou nada têm a ver com a oferta e procura de dinheiro, como uma redução nas expectativas quanto aos futuros retornos de ativos de negócios ou imóveis.
O primeiro fenômeno pode ser solucionado por meios monetários: o banco central pode reforçar a base monetária (digamos que por meio da aquisição de títulos de dívida pública), o que geraria alta nos preços dos ativos sem provocar alta concomitante dos demais preços e dos salários, evitando causar uma espiral insensata.
O recente colapso na especulação com imóveis residenciais, porém, é um fenômeno não-monetário: é preciso haver uma queda no preço em dinheiro das casas ante o preço em dinheiro dos bens de consumo.
Keynes argumentava que reforçar a base monetária funcionaria também nesse caso: os trabalhadores não estariam cientes de que os salários em empregos concorrentes em outros lugares haviam subido tanto quanto os seus, de modo que temeriam solicitar salários reais tão altos quanto antes; dessa forma, as contratações seriam estimuladas, e o emprego voltaria a subir. Mas sustentar essa recuperação certamente requereria uma inflação salarial sem fim, em um ritmo sempre um passo à frente das expectativas, uma política nada atraente. Keynes passou cada vez mais a se concentrar em medidas não-monetárias para mudar o novo equilíbrio não-monetário depois de uma perda de confiança.
Keynes sempre acreditou que a demanda de consumo também estimula o emprego.
Uma alta na demanda encoraja as empresas a elevar a produção e a contratar mais trabalhadores inicialmente. Mas, em uma economia aberta com moeda própria, o estímulo se faria sentir principalmente no exterior. Na economia globalizada, demanda de consumo ampliada em última análise faz pouco mais que gerar aumento nas taxas de juros e, assim, produz declínio nos preços reais dos ativos, no investimento e nos salários reais.
Keynes enfatizava a demanda por investimento como alavanca para promover crescimento no emprego. Nos termos dessa teoria, seria possível estimular o investimento privado por meio de crédito tributário ao investimento ou de subsídios a novas empresas e novas contratações. Keynes favorecia o investimento pelo Estado ou empresas estatais.
Os americanos, com o pesadelo que vivem em seus aeroportos e com as pontes do país sempre a ponto de cair, receberiam bem as melhorias na infra-estrutura.
Mas é necessário perguntar se uma transição radical do investimento privado para o investimento estatal não atenuaria a concepção, o desenvolvimento e a adoção de idéias comerciais novas e criativas. A teoria do capitalismo enfatiza a diversidade em termos de fontes de novas idéias comerciais, do conjunto de empreendedores disponíveis para desenvolvê-las, das fontes de financiamento a investidores beneméritos, capital para empreendimentos e tudo o mais -e da gama de usuários finais. Também enfatiza o quanto é importante que os donos de companhias financeiras e de outros setores estejam livres para usar sua intuição, em contraste com a prestação de contas minuciosa que se deve exigir de um funcionário público.
Assim, uma presença muito reforçada do governo central no setor de investimento do país poderia restringir a inovação e reduzir a qualidade das inovações realizadas. E seríamos deixados em uma recessão, da mesma forma.

EDMUND PHELPS dirige o Centro de Capitalismo e Sociedade da Universidade Columbia e recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2006.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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