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ANÁLISE
Uma recuperação sem empregos?
A lição da recessão é
clara. O ponto fraco do
capitalismo não é o
mercado de trabalho,
mas o mercado
financeiro. Na pior das
hipóteses, as falhas do
mercado de trabalho
impõem modestos
custos sociais por
ineficiência, enquanto
as falhas dos mercados
de capitais prejudicam
severamente a socieda-de, e os mais graves
problemas são infligidos
aos trabalhadores, e não
aos responsáveis pelos
desastres financeiros
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RICHARD FREEMAN
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE
Quem sofrerá mais e por
mais tempo com a implosão
que abalou Wall Street entre
2008 e 2009 e a recessão mundial subsequente? Não os banqueiros e os financistas que
criaram o desastre.
Alguns financistas, como
Bernard Madoff, terminarão na
prisão por fraude. Mas, ainda
que Madoff representasse só a
ponta do iceberg de delitos financeiros, a maior parte dos financistas suspeitos não precisará temer a prisão, ou porque
manipulava as leis sem exatamente violá-las ou porque impropriedades financeiras mais
sutis do que fraudes escancaradas são difíceis de provar.
Alguns presidentes de bancos se aposentarão, envergonhados, mas com imensas indenizações para aliviar suas
mágoas, como os US$ 55 milhões conferidos a Ken Lewis,
do Bank of America, a título de
presente de despedida, ou os 25
milhões de libras que formarão
a pensão de Fred Goodwin, do
Royal Bank of Scotland.
Mas, estimulados pelo dinheiro de resgate dos governos,
pelas garantias públicas e pelas
baixas taxas de juros, muitos
bancos já voltaram a pagar aos
seus principais executivos
imensas bonificações, enquanto combatem vigorosamente as
reformas concebidas para restringir suas práticas de risco e
os salários excessivos.
Os grandes perdedores, neste
desastre econômico, são os
trabalhadores dos países avançados, que acreditaram na
flexibilidade do capitalismo
"laissez-faire" dos EUA.
De 2007 a outubro de 2009,
quase oito milhões de empregos foram perdidos nos Estados Unidos, o que reduziu a
proporção de pessoas empregadas na população de 63% a
58,5%. O índice de desemprego
no final de 2009 estava acima
dos 10%. A duração do desemprego é a mais longa desde a
Grande Depressão, milhões de
pessoas tiveram suas jornadas
de trabalho reduzidas e outras
milhões foram desencorajadas
a procurar trabalho dada a falta
de empregos.
Países avançados como Canadá, Japão e as nações da
União Europeia também sofreram severas perdas de emprego, que perdurarão por muito
tempo. A Espanha, que permite
uso generalizado de contratos
temporários de trabalho, teve
a maior alta de desemprego
porque os trabalhadores podem ser demitidos com a mesma facilidade que os norte-americanos.
Alguns países, entre os quais
Alemanha, Coreia do Sul e Suécia, "ocultaram" seu desemprego ao forçar empresas a manter
trabalhadores em suas folhas
de pagamento. Isso pode funcionar no curto prazo, mas não
haverá como sustentar a prática ao longo do tempo.
Emprego atrás do PIB
Dos anos 80 à metade dos
2000, o emprego tem mostrado
atraso cada vez maior com relação ao PIB (Produto Interno
Bruto) nas recuperações econômicas. Nos Estados Unidos,
houve uma recuperação sem
empregos na era do presidente
Bill Clinton, até que surgisse o
boom da internet no final dos
anos 90, e nova recuperação
sem empregos sob a gestão de
George W. Bush, depois da crise de 2001.
No começo dos anos 90, a
Suécia sofreu uma imensa recessão precipitada por uma bolha na habitação e uma crise
bancária. O índice de desemprego no país subiu de 1,8% em
1990 para 9,6% em 1994, antes
de recuar para 5% em 2001.
Passados 16 anos da crise, o índice sueco de desemprego é de
6,2%, mais que o triplo do vigente em 1990.
Em 1997, a Coreia do Sul sofreu não apenas com a crise financeira asiática mas também
com a insistência dos EUA e do
FMI (Fundo Monetário Internacional) para que elevasse
suas taxas de juros e empreendesse reformas ao estilo Consenso de Washington.
O nível de emprego foi recuperado, mas primordialmente
por conta de vagas "irregulares", com baixos benefícios, salários modestos e baixo nível de
segurança. A desigualdade na
Coreia do Sul, por exemplo, que
tinha níveis moderados, tornou-se a segunda mais elevada
entre os países avançados da
OCDE (Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), atrás só
dos Estados Unidos.
A debilidade do mercado de
trabalho representa um imenso fardo para o bem-estar pessoal e o bem-estar da economia. Os jovens em busca de um
primeiro emprego e trabalhadores experientes que percam
empregos devido a um mercado de trabalho fraco sofrem
perdas econômicas que durarão pelo restante de suas vidas.
Os estudos de satisfação pessoal demonstram que o desemprego reduz a felicidade de forma tão intensa quanto a perda
de um familiar.
É difícil imaginar que os
Estados Unidos voltem a encontrar o pleno emprego, ao
menos em um prazo previsível.
De 1993 a 1998, os EUA criaram
milhões de postos de trabalho,
e isso elevou em 5,4 pontos
percentuais o índice de emprego no país.
Caso o emprego começasse a
crescer com essa intensidade
em 2010, apenas em 2015 o país
teria retornado ao patamar que
detinha antes da recessão. E a
recuperação lenta nos EUA vai
retardar a recuperação nos demais países avançados, reduzindo o nível de emprego também em seus mercados.
Flexibilização
No começo dos anos 90, muitos analistas consideravam que
a baixa sindicalização, as práticas de emprego sumárias, a
proteção judicial limitada e o
alto giro de mão de obra dos Estados Unidos representavam
fatores importantes para que o
país registrasse desemprego inferior ao da maioria das nações
da União Europeia. Muitos países da OCDE deram início a diversas modalidades de reforma
trabalhista para promover a
flexibilidade, na esperança de
conseguir que suas economias
melhorassem em linha com as
práticas dos EUA.
A ideia de que a flexibilidade
é um fator essencial para o emprego deixou de ser sustentável. Em sua perspectiva de emprego para 2009, a OCDE observou de forma rigorosa as políticas de reforma que sempre
defendeu e descobriu que elas
deixavam a desejar no que tange a ajudar países a enfrentar
uma recessão causada por motivos financeiros.
De acordo com o órgão, "não
parece haver qualquer razão
forte para esperar que as recentes reformas estruturais signifiquem que os mercados de
trabalho da OCDE sejam hoje
significativamente menos sensíveis a retrações econômicas
severas".
Assim, a lição da recessão é
clara. O ponto fraco do capitalismo não é o mercado de trabalho, mas o mercado financeiro.
Na pior das hipóteses, as falhas
do mercado de trabalho impõem modestos custos sociais
por ineficiência, enquanto as
falhas dos mercados de capitais
prejudicam severamente a sociedade, e os mais graves problemas são infligidos aos trabalhadores, e não aos responsáveis pelos desastres financeiros. Além disso, a globalização
significa que uma falha nos
mercados de capitais norte-americanos espalha miséria
pelo mundo todo.
Devemos aos trabalhadores
que caíram vítimas da recessão
uma reinvenção das finanças
de maneira que funcionem como forma de enriquecer a economia real, em lugar de enriquecer apenas os financistas.
Isso significa mudar os incentivos e as regras que governam os
setores financeiros. Já que as
economias e os empregos de
outros países também estão em
jogo, é obrigação dos EUA realizar reformas financeiras significativas.
RICHARD FREEMAN é professor de Economia
na Universidade Harvard e codiretor do programa de mão de obra e vida profissional na Escola
de Direito de Harvard. Ele também é pesquisador sênior de mercados de trabalho no Centro de
Desempenho Econômico da London School of
Economics e dirige o Science and Engineering
Workforce Project (SEWP) no Serviço Nacional
de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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