São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 2010

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ANÁLISE

Uma recuperação sem empregos?


A lição da recessão é clara. O ponto fraco do capitalismo não é o mercado de trabalho, mas o mercado financeiro. Na pior das hipóteses, as falhas do mercado de trabalho impõem modestos custos sociais por ineficiência, enquanto as falhas dos mercados de capitais prejudicam severamente a socieda-de, e os mais graves problemas são infligidos aos trabalhadores, e não aos responsáveis pelos desastres financeiros


RICHARD FREEMAN
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE

Quem sofrerá mais e por mais tempo com a implosão que abalou Wall Street entre 2008 e 2009 e a recessão mundial subsequente? Não os banqueiros e os financistas que criaram o desastre.
Alguns financistas, como Bernard Madoff, terminarão na prisão por fraude. Mas, ainda que Madoff representasse só a ponta do iceberg de delitos financeiros, a maior parte dos financistas suspeitos não precisará temer a prisão, ou porque manipulava as leis sem exatamente violá-las ou porque impropriedades financeiras mais sutis do que fraudes escancaradas são difíceis de provar.
Alguns presidentes de bancos se aposentarão, envergonhados, mas com imensas indenizações para aliviar suas mágoas, como os US$ 55 milhões conferidos a Ken Lewis, do Bank of America, a título de presente de despedida, ou os 25 milhões de libras que formarão a pensão de Fred Goodwin, do Royal Bank of Scotland.
Mas, estimulados pelo dinheiro de resgate dos governos, pelas garantias públicas e pelas baixas taxas de juros, muitos bancos já voltaram a pagar aos seus principais executivos imensas bonificações, enquanto combatem vigorosamente as reformas concebidas para restringir suas práticas de risco e os salários excessivos.
Os grandes perdedores, neste desastre econômico, são os trabalhadores dos países avançados, que acreditaram na flexibilidade do capitalismo "laissez-faire" dos EUA. De 2007 a outubro de 2009, quase oito milhões de empregos foram perdidos nos Estados Unidos, o que reduziu a proporção de pessoas empregadas na população de 63% a 58,5%. O índice de desemprego no final de 2009 estava acima dos 10%. A duração do desemprego é a mais longa desde a Grande Depressão, milhões de pessoas tiveram suas jornadas de trabalho reduzidas e outras milhões foram desencorajadas a procurar trabalho dada a falta de empregos.
Países avançados como Canadá, Japão e as nações da União Europeia também sofreram severas perdas de emprego, que perdurarão por muito tempo. A Espanha, que permite uso generalizado de contratos temporários de trabalho, teve a maior alta de desemprego porque os trabalhadores podem ser demitidos com a mesma facilidade que os norte-americanos.
Alguns países, entre os quais Alemanha, Coreia do Sul e Suécia, "ocultaram" seu desemprego ao forçar empresas a manter trabalhadores em suas folhas de pagamento. Isso pode funcionar no curto prazo, mas não haverá como sustentar a prática ao longo do tempo.

Emprego atrás do PIB
Dos anos 80 à metade dos 2000, o emprego tem mostrado atraso cada vez maior com relação ao PIB (Produto Interno Bruto) nas recuperações econômicas. Nos Estados Unidos, houve uma recuperação sem empregos na era do presidente Bill Clinton, até que surgisse o boom da internet no final dos anos 90, e nova recuperação sem empregos sob a gestão de George W. Bush, depois da crise de 2001.
No começo dos anos 90, a Suécia sofreu uma imensa recessão precipitada por uma bolha na habitação e uma crise bancária. O índice de desemprego no país subiu de 1,8% em 1990 para 9,6% em 1994, antes de recuar para 5% em 2001.
Passados 16 anos da crise, o índice sueco de desemprego é de 6,2%, mais que o triplo do vigente em 1990. Em 1997, a Coreia do Sul sofreu não apenas com a crise financeira asiática mas também com a insistência dos EUA e do FMI (Fundo Monetário Internacional) para que elevasse suas taxas de juros e empreendesse reformas ao estilo Consenso de Washington.
O nível de emprego foi recuperado, mas primordialmente por conta de vagas "irregulares", com baixos benefícios, salários modestos e baixo nível de segurança. A desigualdade na Coreia do Sul, por exemplo, que tinha níveis moderados, tornou-se a segunda mais elevada entre os países avançados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), atrás só dos Estados Unidos.
A debilidade do mercado de trabalho representa um imenso fardo para o bem-estar pessoal e o bem-estar da economia. Os jovens em busca de um primeiro emprego e trabalhadores experientes que percam empregos devido a um mercado de trabalho fraco sofrem perdas econômicas que durarão pelo restante de suas vidas. Os estudos de satisfação pessoal demonstram que o desemprego reduz a felicidade de forma tão intensa quanto a perda de um familiar.
É difícil imaginar que os Estados Unidos voltem a encontrar o pleno emprego, ao menos em um prazo previsível. De 1993 a 1998, os EUA criaram milhões de postos de trabalho, e isso elevou em 5,4 pontos percentuais o índice de emprego no país.
Caso o emprego começasse a crescer com essa intensidade em 2010, apenas em 2015 o país teria retornado ao patamar que detinha antes da recessão. E a recuperação lenta nos EUA vai retardar a recuperação nos demais países avançados, reduzindo o nível de emprego também em seus mercados.

Flexibilização
No começo dos anos 90, muitos analistas consideravam que a baixa sindicalização, as práticas de emprego sumárias, a proteção judicial limitada e o alto giro de mão de obra dos Estados Unidos representavam fatores importantes para que o país registrasse desemprego inferior ao da maioria das nações da União Europeia. Muitos países da OCDE deram início a diversas modalidades de reforma trabalhista para promover a flexibilidade, na esperança de conseguir que suas economias melhorassem em linha com as práticas dos EUA.
A ideia de que a flexibilidade é um fator essencial para o emprego deixou de ser sustentável. Em sua perspectiva de emprego para 2009, a OCDE observou de forma rigorosa as políticas de reforma que sempre defendeu e descobriu que elas deixavam a desejar no que tange a ajudar países a enfrentar uma recessão causada por motivos financeiros.
De acordo com o órgão, "não parece haver qualquer razão forte para esperar que as recentes reformas estruturais signifiquem que os mercados de trabalho da OCDE sejam hoje significativamente menos sensíveis a retrações econômicas severas".
Assim, a lição da recessão é clara. O ponto fraco do capitalismo não é o mercado de trabalho, mas o mercado financeiro. Na pior das hipóteses, as falhas do mercado de trabalho impõem modestos custos sociais por ineficiência, enquanto as falhas dos mercados de capitais prejudicam severamente a sociedade, e os mais graves problemas são infligidos aos trabalhadores, e não aos responsáveis pelos desastres financeiros. Além disso, a globalização significa que uma falha nos mercados de capitais norte-americanos espalha miséria pelo mundo todo.
Devemos aos trabalhadores que caíram vítimas da recessão uma reinvenção das finanças de maneira que funcionem como forma de enriquecer a economia real, em lugar de enriquecer apenas os financistas.
Isso significa mudar os incentivos e as regras que governam os setores financeiros. Já que as economias e os empregos de outros países também estão em jogo, é obrigação dos EUA realizar reformas financeiras significativas.


RICHARD FREEMAN é professor de Economia na Universidade Harvard e codiretor do programa de mão de obra e vida profissional na Escola de Direito de Harvard. Ele também é pesquisador sênior de mercados de trabalho no Centro de Desempenho Econômico da London School of Economics e dirige o Science and Engineering Workforce Project (SEWP) no Serviço Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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