São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Por que reduzir os juros

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Assistimos a um intenso debate sobre a redução dos juros no Brasil nesses dias que antecedem a escolha dos candidatos para as eleições de outubro próximo. Ninguém mais discute que nossos juros são elevados demais e que esse aleijão, herdado do passado, acaba por inibir nosso crescimento econômico. Nunca isso ficou tão claro como em 2005, quando ficamos para trás mesmo em relação às economias maduras como a americana e a japonesa. Se a comparação for feita com outros países emergentes, nossa derrota é então ainda mais clara.
Recentemente, uma importante empresa mundial de consultoria fez um estudo estatístico relacionando resultado em conta corrente e os juros reais em várias economias. A curva que resultou é de uma precisão incrível. Quanto melhor o resultado nas contas externas do país, menores os juros reais verificados. O gráfico resultante tem apenas um ponto muito fora da curva: o Brasil. A empresa fez uma anotação no lugar de nossa posição: "good buy". Em outras palavras, aproveitem essa oportunidade de ganhar dinheiro.
Não é por outra razão que o real não pára de se valorizar, apesar da intervenção febril do Banco Central. O mundo financeiro está aproveitando esse conselho em cima do contribuinte brasileiro. E todos sabem o fim dessa história: mais dia, menos dia, o BC vai parar ou diminuir sua intervenção e o real vai valer menos do que R$ 2 por dólar, gerando um enorme ganho de capital.
Os juros afetam diretamente o drama cambial que estamos vivendo por duas razões. A primeira é o efeito direto, via arbitragem financeira. Mas os juros afetam nossa taxa de câmbio também via manutenção de um saldo comercial próximo a U$ 45 bilhões, em razão de um crescimento interno pífio. Portanto é fundamental que se reduzam os juros internos para diminuir o saldo comercial via aumento de nossas importações. Se isso não acontecer, a valorização de nossa moeda vai, em algum ponto, afetar nossas exportações industriais de forma dramática e corrigir esse excedente de dólares pelo pior caminho.
Mas existe uma grande resistência para trilhar esse caminho. A justificativa é que, ao reduzir os juros abaixo de 10% em termos reais, a inflação voltaria com toda a força. Para justificar essa afirmação, seus defensores mostram o que tem acontecido quando os juros são mais baixos do que esse limite. Essa armadilha ocorreria pelo nosso passado de pecadores contumazes. Irresponsabilidade fiscal, planos econômicos que destruíram a confiança dos investidores, sistema legal que sempre defende o devedor, moratória externa em 1982 e 1987, entre outros.
Tenho opinião diferente. Nosso passado nos condena não por isso, mas por uma fragilidade externa que nos obrigava, de forma recorrente, a desvalorizar nossa moeda para fazer frente às crises na balança de pagamentos. Foi a conjugação de uma balança de pagamentos frágil com a tentativa de crescer pelos gastos públicos em excesso que nos obrigou a conviver com juros reais elevadíssimos. É evidente que os planos econômicos heterodoxos assustaram os investidores. Mas faz mais de dez anos que isso não ocorre mais.
O outro argumento, o da insegurança jurídica, embora defendido por pessoas inteligentes e preparadas, também não me parece suficiente para explicar esse aleijão. Finalmente, a nova situação estrutural de nossa balança de pagamentos permite uma ousadia maior no processo de redução dos juros. O perigo de uma nova onda de desvalorização de nossa moeda não aparece no radar dos próximos anos, a não ser por uma crise internacional de proporções tsunâmicas.
As condições estão dadas para uma tentativa responsável de quebra desse tabu dos 10% de juros reais. Aliás, ela já aconteceu com os títulos de longo prazo indexados ao IPCA. O que vem segurando esse processo tem sido a taxa Selic elevada, que impõe ao investidor em títulos de longo prazo um custo de oportunidade altíssimo. Mas, para haver segurança no processo de redução dos juros, são necessários uma mudança na forma de operação da política monetária por parte do BC e um controle estrito dos gastos do governo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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