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LUÍS NASSIF
O menino passarinho
Esse riquíssimo rio, que é
a música popular brasileira, é enriquecido periodicamente por afluentes relevantes, compositores que têm sua explosão
criativa, geram um conjunto
inesquecível de obras-primas,
marcando profundamente seu
tempo. Depois, se recolhem, mas
os ecos do que compôs vão atravessando anos, gerações, incorporando-se definitivamente ao
eterno da música popular.
Um desses compositores inesquecíveis é Luiz Vieira, da brilhante geração de compositores
nordestinos que passaram a dominar a música brasileira nos
anos 50. Com a explosão do
baião e a redescoberta da música nordestina, houve uma invasão de compositores brilhantes,
no rastro de Luiz Gonzaga, o
"rei do baião". Zé do Norte, a
geração baiana de Gordurinha,
Rosil e Jackson do Pandeiro, os
sanfoneiros, em que brilhava a
enorme estrela de Sivuca.
Apesar da origem nordestina
-nasceu em Caruaru, Pernambuco, em 1928-, Vieira mudou-se criança para o Rio e acabou se tornando um compositor
eclético, como foi eclética sua vida, antes de se profissionalizar
na música. Trabalhou como engraxate, guia de cego e, depois,
motorista de caminhão. Segundo a "Enciclopédia da Música
Brasileira", em 1943 passou a se
apresentar em programas de calouro, com sua voz rouca, um
grave inesquecível, além de
"crooner" da Leiteria Boll e do
Capela.
Começou sua carreira radiofônica em 1946, no programa
"Manhãs da Roça", da rádio
Mundial, comandado por Zé do
Norte, o imenso compositor de
"Lua Bonita", falecido no anonimato, em 1978. Depois, mudou-se para o programa "Salve
o Baião", da rádio Tamoio, passando a compor a curiosa e musical monarquia do baião, com
o "rei" Luiz Gonzaga, a "rainha" Carmélia Alves, o "príncipe" Luiz Vieira e a "princesinha" Claudete Soares. Carmélia
Alves era uma mulher belíssima, cantora e tocadora de acordeão, que acabou fazendo muito sucesso nas chanchadas da
Atlântida. Claudete faria sucesso na bossa nova. Aliás, o excelente biógrafo Ruy Castro, em
seu livro sobre a bossa nova, investe pesadamente contra o
baião, sem saber que dois dos
ícones do livro -Dolores Duran
e Claudete- começaram a carreira musical de chapéu de couro na cabeça, cantando o baião.
O baião não foi apenas uma
manifestação de curiosidade
nordestina, mas uma escola
musical modernizante que representou um corte na música
brasileira da época. Por isso
mesmo, a visão de que a bossa
nova encontrou uma música estagnada e veio para acabar com
o "dó-de-peito" da música brasileira não procede. A MPB estava em plena ebulição, com a renovação de Caymmi, os baiões
de Gonzaga, a modernização
harmônica trazida pelos violonistas da rádio Nacional.
Vieira não se enquadrou em
nenhuma dessas escolas. Passou
pela rádio Tupi, em 1953 foi para a rádio Nacional, e aí começou sua enxurrada de obras-primas, de baiões e toadas nordestinas a guarânias do Sul, das
mais belas que o gênio brasileiro
já produziu.
É de 1953 sua primeira obra-prima, "Menino de Braçanã",
em parceria com Arnaldo Passos, sucesso na voz de Ivon Curi
("é tarde, eu já vou indo / preciso ir me embora / té manhã").
Depois, "Guarânia da Lua Nova", uma das minhas músicas
prediletas. Com João do Vale
produziu clássicos da música
nordestina, como "Malaquias"
(ou "Peba na Pimenta").
Mas foi no início dos anos 60
que explodiria em todo o país.
Primeiro por meio de um programa semanal que teve na TV
Record e, em seguida, na TV Excelsior. Depois, por meio de seus
prelúdios, que o consagrariam
definitivamente como um dos
gigantes da música popular brasileira. "Paz do Meu Amor"
("você é isso, uma beleza imensa
/ toda a recompensa de um
amor sem fim"), de 1963, e "Prelúdio para Ninar Gente Grande" ("quando estou nos braços
teus / sinto o mundo bocejar"),
considerado seu maior sucesso.
As composições de Luiz Vieira
eram imbatíveis nas nossas serenatas, tanto em Poços de Caldas quanto em São João da Boa
Vista. Lá para meados dos anos
60, depois da passagem da bossa
nova, a música nordestina retomou algum ímpeto, por meio de
Geraldo Vandré. Nos festivais
estudantis daquele período, era
uma das influências maiores,
embora seu ecletismo impedisse
que criasse uma escola.
Hoje em dia, mantém um programa em rádios do Rio de Janeiro. Vez por outra o encontro
em viagens pelo país. A voz continua impecável, o repertório,
absoluto. Nos shows, há uma
certa amargura, uma certa
queixa pela falta de reconhecimento atual.
Bobagem! Seu lugar na música brasileira ninguém tira. Sua
música, que me veio por meio de
meu pai, chegou às minhas filhas e chegará a suas filhas e netas, ainda que nenhuma rádio
mais a tocasse. Apenas transitando por esse rio dos tempos da
tradição, que independe de veículos para se eternizar.
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br
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