|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DESPERDÍCIO
Estatal paga por serviço que não recebe e por royalties de produto inutilizado e queima gás comercializável
Petrobras joga fora US$ 1 milhão por dia
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Petrobras desperdiça todo dia
quase US$ 1 milhão. São mais de
US$ 250 mil pagos por um serviço
que não recebe, cerca de US$ 600
mil em gás que queima (e se perde) por falta de infra-estrutura e
condições técnicas para usá-lo e
outros US$ 60 mil em royalties
pelo gás inutilizado.
O recurso perdido diariamente
seria suficiente para comprar
mais de 100 mil cestas básicas para atender flagelados da seca. Em
maio, o governo liberou R$ 1,5
milhão (cerca de US$ 650 mil) para comprar essa quantidade de
cestas. Em 2000, o Orçamento da
União destinava R$ 100,5 milhões
para compra de cestas básicas
-o programa de distribuição
mensal previa atender cerca de 8,6
milhões de pessoas.
Só no primeiro trimestre do
ano, a Petrobras pagou para os
donos do trecho brasileiro do gasoduto Brasil-Bolívia cerca de
US$ 30 milhões sem ter nenhum
benefício em troca. No ano passado, foram outros US$ 20 milhões.
O cálculo foi feito com base no
custo de transporte atual.
Quando o Brasil assinou o contrato de construção do gasoduto,
ele garantiu aos investidores que
transportaria uma quantidade
mínima de gás natural. Com o fracasso dos investimentos em termelétricas, que usariam parte do
gás para fazer energia, a Petrobras
acabou trazendo menos produto
do que era obrigada por contrato.
A falta de investimentos em termelétrica, além de ajudar a provocar a crise energética, faz a Petrobras gastar dinheiro à toa. A estatal não tem para quem vender o
gás que prometeu transportar pelo gasoduto. O resultado: a empresa paga por um transporte que
não usa.
Este ano, a maior estatal brasileira é obrigada por contrato a trazer da Bolívia, usando o duto
construído pela TBG (Transportadora Brasileira Gasoduto Brasil-Bolívia S.A.), 16,3 milhões de metros cúbicos de gás por dia, segundo a gerência da Petrobras.
Dadas a demanda atual e a produção nacional, a Petrobras traz
da Bolívia 10,5 milhões de metros
cúbicos de gás por dia. Paga, no
entanto, pelo transporte de 16,3
milhões de metros cúbicos -paga por tudo, mas usa só 64,41%.
São mais de US$ 250 mil desperdiçados por dia.
"Esse contrato é necessário para
viabilizar a construção do gasoduto", afirma José Zonis, gerente-geral de Marketing e Comercialização da Petrobras. Segundo ele,
são necessários investimentos iniciais para assegurar o retorno do
negócio no futuro. "Ao longo de
toda sua vida útil, o gasoduto vai
garantir uma remuneração adequada para a Petrobras", diz.
A construção do gasoduto e o
contrato que agora dá prejuízo
não foram uma decisão única da
Petrobras. O empreendimento foi
uma prioridade estratégica do
presidente Fernando Henrique
Cardoso, que usou a Petrobras
para viabilizá-lo.
A estratégia de governo era usar
o gasoduto para fomentar a integração entre o Brasil e os países
sul-americanos e possibilitar a
construção de termelétricas no
país.
O gerente da estatal afirma que
até o final deste ano, com a entrada em operação de termelétricas,
a Petrobras começará a utilizar a
capacidade total de transporte do
gasoduto. As termelétricas são
importantes para reduzir o risco
de falta de energia no futuro.
Para Zonis, com o programa
emergencial para a geração de
energia, o gasoduto, que hoje trabalha com pouco mais de 60% de
sua capacidade, será pequeno para as necessidades do país. "Será
preciso ampliá-lo", diz Zonis.
Além de pagar por um serviço
que não usa, a Petrobras está
queimando 8,05 milhões de metros cúbicos de gás por dia. A
maioria na bacia de Campos (RJ),
segundo a assessoria de imprensa
da empresa.
Se pudesse ser colocado no
mercado, esse gás valeria cerca de
US$ 600 mil diariamente. Será um
desperdício de US$ 219 milhões
neste ano, se a Petrobras não diminuir a queima. Segundo Zonis,
a empresa está empenhada em
buscar soluções para o uso desse
gás, que hoje é desperdiçado.
"O gás é queimado porque faltam logística e infra-estrutura para usá-lo", diz Zonis. A empresa
precisou aumentar a produção
nacional de petróleo para diminuir a importação, após a alta do
preço do barril. A orientação partiu do governo federal. Com a urgência, não se pode aproveitar o
gás que vem com o petróleo.
A ANP (Agência Nacional do
Petróleo) auditou a Petrobras para verificar a razão da queima do
gás. Quer saber se se trata de questão técnica ou de má gestão. O resultado ainda não foi divulgado.
Mesmo sem usar o gás, a estatal
paga cerca de US$ 60 mil por dia
em royalties (importância cobrada pelo proprietário de uma patente de produto, processo de
produção ou pelo autor de uma
obra, para permitir seu uso de comercialização) para os Estados.
Segundo a ANP, a estatal é obrigada a pagar para os Estados 10% do
valor do gás explorado.
Se conseguisse usar o gás que
hoje é inutilizado, arranjaria outro problema. A empresa é obrigada a comprar da Bolívia cerca
de 8,6 milhões de metros cúbicos
de gás por dia, mesmo que não o
traga para o Brasil. Se o gás da bacia de Campos pudesse ser aproveitado, ele não teria para quem
ser vendido. A empresa continuaria obrigada a comprar o gás contratado do país vizinho.
Texto Anterior: Salto no escuro: Reservatórios caem em ritmo mais moroso Próximo Texto: Estatal se queixa para a ANP sobre a entrada de rivais em gasoduto Índice
|