São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

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DESPERDÍCIO

Estatal paga por serviço que não recebe e por royalties de produto inutilizado e queima gás comercializável

Petrobras joga fora US$ 1 milhão por dia

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Petrobras desperdiça todo dia quase US$ 1 milhão. São mais de US$ 250 mil pagos por um serviço que não recebe, cerca de US$ 600 mil em gás que queima (e se perde) por falta de infra-estrutura e condições técnicas para usá-lo e outros US$ 60 mil em royalties pelo gás inutilizado.
O recurso perdido diariamente seria suficiente para comprar mais de 100 mil cestas básicas para atender flagelados da seca. Em maio, o governo liberou R$ 1,5 milhão (cerca de US$ 650 mil) para comprar essa quantidade de cestas. Em 2000, o Orçamento da União destinava R$ 100,5 milhões para compra de cestas básicas -o programa de distribuição mensal previa atender cerca de 8,6 milhões de pessoas.
Só no primeiro trimestre do ano, a Petrobras pagou para os donos do trecho brasileiro do gasoduto Brasil-Bolívia cerca de US$ 30 milhões sem ter nenhum benefício em troca. No ano passado, foram outros US$ 20 milhões. O cálculo foi feito com base no custo de transporte atual.
Quando o Brasil assinou o contrato de construção do gasoduto, ele garantiu aos investidores que transportaria uma quantidade mínima de gás natural. Com o fracasso dos investimentos em termelétricas, que usariam parte do gás para fazer energia, a Petrobras acabou trazendo menos produto do que era obrigada por contrato.
A falta de investimentos em termelétrica, além de ajudar a provocar a crise energética, faz a Petrobras gastar dinheiro à toa. A estatal não tem para quem vender o gás que prometeu transportar pelo gasoduto. O resultado: a empresa paga por um transporte que não usa.
Este ano, a maior estatal brasileira é obrigada por contrato a trazer da Bolívia, usando o duto construído pela TBG (Transportadora Brasileira Gasoduto Brasil-Bolívia S.A.), 16,3 milhões de metros cúbicos de gás por dia, segundo a gerência da Petrobras.
Dadas a demanda atual e a produção nacional, a Petrobras traz da Bolívia 10,5 milhões de metros cúbicos de gás por dia. Paga, no entanto, pelo transporte de 16,3 milhões de metros cúbicos -paga por tudo, mas usa só 64,41%. São mais de US$ 250 mil desperdiçados por dia.
"Esse contrato é necessário para viabilizar a construção do gasoduto", afirma José Zonis, gerente-geral de Marketing e Comercialização da Petrobras. Segundo ele, são necessários investimentos iniciais para assegurar o retorno do negócio no futuro. "Ao longo de toda sua vida útil, o gasoduto vai garantir uma remuneração adequada para a Petrobras", diz.
A construção do gasoduto e o contrato que agora dá prejuízo não foram uma decisão única da Petrobras. O empreendimento foi uma prioridade estratégica do presidente Fernando Henrique Cardoso, que usou a Petrobras para viabilizá-lo.
A estratégia de governo era usar o gasoduto para fomentar a integração entre o Brasil e os países sul-americanos e possibilitar a construção de termelétricas no país.
O gerente da estatal afirma que até o final deste ano, com a entrada em operação de termelétricas, a Petrobras começará a utilizar a capacidade total de transporte do gasoduto. As termelétricas são importantes para reduzir o risco de falta de energia no futuro.
Para Zonis, com o programa emergencial para a geração de energia, o gasoduto, que hoje trabalha com pouco mais de 60% de sua capacidade, será pequeno para as necessidades do país. "Será preciso ampliá-lo", diz Zonis.
Além de pagar por um serviço que não usa, a Petrobras está queimando 8,05 milhões de metros cúbicos de gás por dia. A maioria na bacia de Campos (RJ), segundo a assessoria de imprensa da empresa.
Se pudesse ser colocado no mercado, esse gás valeria cerca de US$ 600 mil diariamente. Será um desperdício de US$ 219 milhões neste ano, se a Petrobras não diminuir a queima. Segundo Zonis, a empresa está empenhada em buscar soluções para o uso desse gás, que hoje é desperdiçado.
"O gás é queimado porque faltam logística e infra-estrutura para usá-lo", diz Zonis. A empresa precisou aumentar a produção nacional de petróleo para diminuir a importação, após a alta do preço do barril. A orientação partiu do governo federal. Com a urgência, não se pode aproveitar o gás que vem com o petróleo.
A ANP (Agência Nacional do Petróleo) auditou a Petrobras para verificar a razão da queima do gás. Quer saber se se trata de questão técnica ou de má gestão. O resultado ainda não foi divulgado.
Mesmo sem usar o gás, a estatal paga cerca de US$ 60 mil por dia em royalties (importância cobrada pelo proprietário de uma patente de produto, processo de produção ou pelo autor de uma obra, para permitir seu uso de comercialização) para os Estados. Segundo a ANP, a estatal é obrigada a pagar para os Estados 10% do valor do gás explorado.
Se conseguisse usar o gás que hoje é inutilizado, arranjaria outro problema. A empresa é obrigada a comprar da Bolívia cerca de 8,6 milhões de metros cúbicos de gás por dia, mesmo que não o traga para o Brasil. Se o gás da bacia de Campos pudesse ser aproveitado, ele não teria para quem ser vendido. A empresa continuaria obrigada a comprar o gás contratado do país vizinho.



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