São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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Economistas torcem pela Itália na Copa

Vitória do país europeu é a que traria mais benefícios para a economia mundial, de acordo com estudo do ABN Amro

Título dos EUA acentuaria desequilíbrio, e triunfo asiático levaria a superaquecimento das economias da região


SCHEHERAZADE DANESHKHU
DO "FINANCIAL TIMES"

A febre da Copa do Mundo já acometeu as regiões do planeta para as quais chutar uma bola redonda para dentro de um gol quadrado virou religião. Mas existe um grupo que vai assistir ao Mundial desde uma perspectiva própria, muito particular. Para os economistas, o que está em jogo é muito mais do que partidas espetaculares ou orgulhos nacionais. A pergunta que eles se fazem -embora, reconhecem, com um certo ceticismo- é: como a Copa vai afetar a economia mundial? O futebol oferece uma oportunidade perfeita para os praticantes da "ciência pessimista" deixarem sua reputação ranzinza de lado e fazer algumas pesquisas mais divertidas. "Existe algum vínculo entre futebol e economia ou estamos apenas buscando desculpas para nos divertir?", indaga Jim O'Neill, diretor de pesquisas econômicas globais na Goldman Sachs, na introdução ao relatório feito pelo banco de investimentos sobre o lado econômico da Copa do Mundo. "Estamos convencidos de que o futebol exerce um impacto sobre a economia e, por essa razão, justifica algum esforço de pesquisa", insistem Ruben van Leeuwen e Charles Kalshoven, autores de "Soccereconomics" (Economia do Futebol), publicado pela equipe de economia do banco ABN Amro. A pesquisa concluiu que um país que vence a Copa do Mundo tem um crescimento econômico adicional de 0,7% em comparação ao ano anterior, além de desfrutar de impulso do mercado acionário. Esse fato levou o ABN Amro a apontar a Itália como seu vencedor "favorito" -ou seja, o país cuja vitória mais beneficiaria a economia mundial. O banco tomou como ponto de partida a ameaça apresentada pelos desequilíbrios no comércio global. "Desde a perspectiva da necessidade de um crescimento econômico mundial equilibrado, um país europeu deveria ganhar a Copa", diz o ABN Amro. "Uma vitória dos EUA acentuaria mais o desequilíbrio, e uma vitória asiática levaria ao superaquecimento das economias da região, que já estão em alta." Uma vitória sul-americana não seria negativa, tampouco a ajudaria muito. Dos cinco grandes países europeus que participam da Copa, os dois que tiveram performance econômica mais fraca nos últimos anos são a Alemanha e a Itália. Assim, a final dos sonhos, para o ABN Amro, seria disputada entre os dois países e a vencida pela Itália, em razão de seu histórico econômico mais fraco. O banco argumenta que a Alemanha já goza de vantagem de qualquer maneira, por ser o país que abriga a Copa. Esse cenário dos sonhos do banco aconteceu, na realidade, em 1982. Infelizmente para os teóricos do banco, a Itália, aparentemente, não auferiu benefícios econômicos diretos naquele ano, tanto que continuou atolada numa recessão. Mas em 1983 seu crescimento se acelerou, então talvez não seja o caso de desprezar os efeitos de uma vitória futebolística nacional.

Positivo e negativo
A Copa exerce impacto sobre a economia de duas maneiras principais, uma negativa e a outra positiva. O revés que provoca atinge a produtividade, na medida em que funcionários de empresas faltam ao trabalho ou saem mais cedo para assistir às partidas. Mas o consumo adicional motivado pela Copa fornece uma injeção de ânimo na economia. O "fator sensação de bem-estar" alegra os consumidores, e consumidores contentes tendem a gastar mais. O Centro de Pesquisas em Economia e Negócios, de Londres, estima que a Copa proporcione às economias dos países participantes um aumento líquido de 13 bilhões de libras esterlinas (US$ 25 bilhões). Mas o Centro acredita que o crescimento da economia na América do Sul, região louca por futebol, será negativamente afetado, porque os prejuízos à produtividade vão pesar mais do que os benefícios gerados pelo consumo adicional. A região é prejudicada pelo fuso horário, já que a maioria das partidas será em horário comercial. Na Europa, a maioria das partidas começará no final da tarde. Entre os economistas em geral, a favorita para vencer a Copa é a Alemanha. Na condição de anfitriã, a Alemanha terá vários benefícios, incluindo o aumento dos gastos de capital em seus estádios e sua infra-estrutura de transportes, o aumento do turismo e dos empregos. Mesmo os economistas, porém, emocionam-se mais com o futebol do que com os números, que eles admitem ser comparativamente pequenos. O presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, observou recentemente que o principal efeito da Copa será sobre o timing e o padrão dos gastos dos consumidores, e não sobre seu nível no longo prazo. Em outras palavras, qualquer incentivo ao consumo tende a ser de curto prazo, na medida em que as pessoas gastam antes o que gastariam mais tarde no ano ou gastam menos com outras coisas, para compensar com seus gastos com a Copa. Por exemplo, na Copa de 1998, que a França sediou e venceu, o consumo doméstico teve uma alta acentuada antes do torneio, mas caiu 0,8% durante as partidas, antes de acabar voltando ao nível anterior. Como os padrões de gastos estarão distorcidos, as tendências econômicas podem ser mais difíceis de interpretar neste ano. Lucy Hartiss, da consultoria Capital Economics, de Londres, acha que os efeitos indiretos da Copa terão uma influência muito maior e mais duradoura sobre a economia alemã do que os efeitos diretos do turismo e dos gastos de capital e dos consumidores. "O fato de sediar um grande evento esportivo eleva o perfil, o status e a reputação do país anfitrião, criando um incentivo duradouro ao turismo e aos investimentos comerciais", disse. "Mais imediatamente, é possível que a Copa gere um incentivo pontual à confiança dos consumidores alemães." Em todo caso, os economistas têm um bom pretexto para o caso de suas previsões não se realizarem. O futebol, como seus comentaristas gostam de dizer, é um "esporte em dois tempos", sempre imprevisível. É um argumento ideal ao qual os economistas poderão recorrer, no caso de suas planilhas acabarem guardando pouca relação com os resultados finais.


Tradução de CLARA ALLAIN


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