São Paulo, terça-feira, 10 de julho de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Protagonistas do caos


Após dez meses de crise aérea, fica claro que ela só acabará se os protagonistas assumirem responsabilidades

SERGIO GUERRA , um amigo, viajou de Recife para São Paulo no início de julho. Precavido, chegou ao bonito e reformado Aeroporto de Guararapes três horas antes do horário do vôo. Enfrentou fila de quase duas horas no check-in. Então, ficou sabendo que seu vôo atrasaria três horas. Às 20h, conseguiu embarcar e desceu em Cumbica, São Paulo, às 22h50. Pousado, o avião esperou meia hora ao lado dos fingers para conseguir posição para desembarcar os passageiros. Na sala de bagagem, Sergio aguardou mais duas horas até a saída de sua mala. Resultado: uma maratona de 12 horas desde a saída do hotel em Recife até a chegada em casa, em São Paulo.
A história desse amigo está longe de ser a mais dramática do denominado caos aéreo. As pessoas estão sofrendo como nunca para viajar, o que é lamentável. Porém, mais lamentável ainda é o empurra-empurra de culpas e a troca de acusações entre os protagonistas da crise. O governo culpa as empresas aéreas por desorganização e acúmulo de vôos em horário de pico, as empresas culpam o governo pela falta de estrutura aeroportuária, ambos acusam controladores do tráfego aéreo e todos olham torto para são Pedro, pela neblina.
Dez meses depois do início dessa crise, está claro que ela só será superada se cada um dos protagonistas assumir suas responsabilidades.
O governo foi, no mínimo, inábil para lidar com o movimento dos controladores após o acidente da Gol. Também falhou ao permitir que a insuficiente infra-estrutura aeroportuária de São Paulo se tornasse foco irradiador de problemas para todo o país. Em artigo na Folha, o vice-governador paulista, Alberto Goldman, mostrou que os aeroportos de São Paulo receberam 34,3 milhões de passageiros no ano passado, 9 milhões além de sua capacidade nominal. Há, portanto, enorme excedente de passageiros, absorvidos a trancos e barrancos pelos terminais paulistas. O terceiro terminal de Cumbica, para mais 12 milhões de passageiros/ano, que já deveria estar pronto, ficou para 2012.
As companhias aéreas, por sua vez, não estavam preparadas para herdar toda a carga suportada durante longos anos pelas tradicionais Varig, Vasp e Transbrasil. Parte do caos advém da gestão das herdeiras. O amigo Sergio Guerra, por exemplo, observou em Recife que a razão da confusão no check-in era o sistema centralizado de atendimento. Ao chegar ao aeroporto, ele viu que uma quilométrica fila única serpenteava pelo saguão. Teve a paciência de contar o número de passageiros na fila. Havia cerca de 130 pessoas, que caberiam em um só avião -não se justificava, portanto, a confusão. Quando as condições não são normais, o sistema de fila única faz com que passageiros cujos vôos estão para decolar tenham de esperar atrás de outros que só embarcarão duas ou três horas mais tarde. Para encontrar esses passageiros, funcionários das companhias andam aos berros pelo saguão. Não seria mais prático descentralizar o check-in?
O reconhecimento de responsabilidades, pelo governo e pelas companhias, poderá atenuar a crise. Sua solução definitiva, porém, só virá no longo prazo, com investimentos das empresas, inclusive em melhoria de gestão e, principalmente, com investimentos públicos e privados na infra-estrutura aeroportuária. Nada diferente do que se espera para os demais setores de transportes, praticamente abandonados pela administração pública nos últimos governos e que hoje fazem do apagão logístico uma séria ameaça ao país.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br


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