São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2008

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Inflação já ameaça finanças estaduais

Disparada de IGP-DI, indexador dos contratos das dívidas renegociadas pelo governo FHC, eleva gasto com juros

Recordes na arrecadação de impostos reduzem impacto nas contas, mas secretário da Fazenda gaúcho prevê nova renegociação


GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A disparada da inflação no atacado e na construção civil já provocou novo choque nas despesas financeiras dos Estados, cujas dívidas só se mantêm sob controle graças aos recordes na arrecadação de impostos.
Dados do Banco Central mostram que a conta de juros dos governos estaduais dobrou em relação ao patamar de dois anos atrás, quando a inflação em baixa aplacou a pressão dos governadores por uma renegociação das dívidas com socorro do Tesouro Nacional.
No período de 12 meses encerrado em maio, os encargos financeiros dos 26 Estados e do Distrito Federal com juros chegaram a R$ 47,8 bilhões -equivalentes a 1,78% do PIB ou, por exemplo, todo o orçamento de 2007 do Fundeb, o fundo de financiamento do ensino básico mantido por todos os entes da Federação. Há dois anos, a despesa com juros ficava em 0,88% do PIB, pouco menos da metade da atual.
O motivo é a recente escalada da inflação e, mais particularmente, do IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna), indexador dos contratos das dívidas estaduais renegociadas na década passada pelo governo FHC.
Por apurar também a variação de preços de alimentos e matérias-primas no atacado, além do aquecido mercado de construção civil, o IGP tem apresentado percentuais muito superiores aos dos índices que se limitam a apurar a inflação para os consumidores. Nos últimos 12 meses, acumulou 12,14%, contra 5,58% do IPCA, que baliza a política de juros do Banco Central.
Com isso, o índice superou, no período, a própria taxa básica de juros fixada pelo BC. Ou seja, os contratos das dívidas estaduais, assinados de início em condições altamente vantajosas na época, passaram a ser mais onerosos que a dívida em títulos do governo federal, uma das mais caras do planeta.
É a segunda vez, no governo Lula, que o IGP chega aos dois dígitos. A primeira, que coincidiu com a recuperação econômica de 2004, suscitou movimento de governadores e prefeitos das principais capitais por nova rodada de renegociação das dívidas -que havia sido, aliás, promessa de campanha de Lula. Então prefeito da capital paulista, o hoje governador José Serra (PSDB) foi o principal defensor da troca do IGP por outro indexador.
A mesma reivindicação é feita hoje pelo também tucano governo de Minas Gerais. "É uma preocupação constante dos Estados. Temos feito gestões no Tesouro Nacional para adotar o IPCA", diz o secretário-adjunto da Fazenda mineira, Leonardo Colombini. "Com o IGP do jeito que está, pode acabar valendo a pena refinanciar a dívida diretamente no mercado."
Como acontece desde os anos FHC, o governo federal rechaça a possibilidade de promover mudanças amplas nos contratos -não só pelo temor de trazer de volta os anos de déficit crônico nos Estados mas também porque a alta do IGP, nesse caso, significa mais receita para os cofres do Tesouro.
No final do primeiro governo Lula, o lobby dos governadores acabou esvaziado pela maxivalorização do real, que derrubou o IGP -nos 12 meses até maio de 2006, por exemplo, o índice tinha variação negativa (deflação) de 0,14%.
Agora, o que garante a estabilidade financeira dos Estados e o sossego político da União são os surpreendentes resultados da arrecadação de impostos no país, que batem recordes mesmo após a derrubada da CPMF pelo Congresso. O crescimento do consumo impulsiona a receita do ICMS, principal tributo estadual; na União, quem puxa é o Imposto de Renda, cujos recursos são compartilhados entre Estados e municípios.
"Nossa receita está crescendo mais que o IGP", diz o secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, secretário do Tesouro na equipe do ex-ministro Antonio Palocci. Segundo o boletim fiscal do Estado, o crescimento, no primeiro quadrimestre, foi de 19,2%.
Pelos contratos de 30 anos firmados com a União, o pagamento efetivo das dívidas consome um percentual fixo das receitas, em geral de 13%. Quando os encargos com juros superam esse valor, os valores não quitados são incorporados à dívida e terão de ser pagos em outros dez anos. Para Levy, uma expansão da economia na casa dos 4% ao ano pode tornar as dívidas estaduais sustentáveis a longo prazo.
Pelos dados do BC, as dívidas estaduais até caíram neste ano como proporção do PIB, a despeito da alta dos encargos com juros -passaram de 11,9% para 11,6% do PIB, ou R$ 331,3 bilhões. Até o Rio Grande do Sul, que tem vivido em crise financeira nos últimos anos, aponta melhoras. A dívida do Estado caiu de 253,83% para 238,26% da receita, embora ainda continue acima do limite fixado pela legislação de 200%. "O que está garantindo isso é um brutal crescimento da receita", diz o secretário da Fazenda, Aod Cunha -que, no entanto, avalia ser inevitável nova renegociação geral das dívidas estaduais.


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