São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 2000


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BATALHA JURÍDICA
Luis Roberto Demarco diz que Opportunity falsificou documentos para prejudicá-lo; banqueiro nega
Ex-sócio acusa Daniel Dantas de falsificação

Publius Virgillius - 30.nov.98/Folha Imagem
Daniel Dantas (esq.), do Opportunity, que é acusado por Luís Roberto Demarco Almeida de falsificar documentos para prejudicá-lo


MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em outubro, haverá uma sessão da Grande Corte das Ilhas Cayman na qual um juiz britânico ouvirá os pareceres de peritos em análise de tintas para decidir acerca de uma acusação de falsificação bancária ocorrida no Brasil. De um lado, estará o banco Opportunity, do baiano Daniel Dantas, 45. Do outro, o paulista Luis Roberto Demarco Almeida, 37, um ex-executivo da IBM do Brasil e do Garantia Participações.
A causa não diz respeito à participação do Opportunity na compra e gestão de companhias telefônicas privatizadas. Mas pode ser mais danosa para o banco do que todos os atritos que ele vem tendo com sócios estrangeiros e fundos de pensão brasileiros.
A Corte de Cayman decidirá se o Opportunity falsificou documentos bancários para prejudicar um ex-sócio, Luis Roberto Demarco Almeida. A falsificação, se comprovada, colocará Dantas sob o risco de ser incriminado policialmente no Caribe e no Brasil, onde os documentos teriam sido fraudados. E poderá arrasar a sua credibilidade no mercado.
"Para receber o que me é devido, não me restou outra alternativa senão destruir Daniel Dantas, um banqueiro frio e dissimulado que sempre trabalhou na fronteira entre a lei e a delinquência", diz Demarco.
"Vamos vencer esse processo de maneira cristalina, e mostraremos que o Opportunity não se submete a nenhum tipo de chantagem", diz Dantas.
No final de 1997, Demarco estava no Garantia, quando foi convidado a trabalhar no Opportunity. Em dezembro daquele ano, Demarco foi nomeado diretor do Citibank Venture Capital-Opportunity Equity Partners, o CVC.
Contando com um capital de US$ 600 milhões, oriundos do Citibank, o objetivo do CVC era comprar, sanear e administrar empresas brasileiras, para depois vendê-las. Desde então, a empresa participou da compra da Vale, do metrô do Rio, do porto de Santos, de companhias telefônicas e do lançamento de empresas na Internet, como a revista digital "No.com" e o portal iG.
Demarco recebeu US$ 1 milhão de gratificação do Opportunity, e passou a ganhar um salário mensal de US$ 25 mil. Para diminuir o pagamento de obrigações trabalhistas, US$ 21 mil de cada salário eram depositados numa conta de Demarco num banco americano. O restante do salário, convertido em reais, era pago no Brasil.
Em troca de um investimento simbólico de US$ 1, Demarco ganhou o direito a uma participação de 3,5% no CVC. Os operadores principais da empresa eram Dantas e Pérsio Arida, ex-diretor do Banco Central e criador do Plano Real (que saiu do Opportunity no início do ano passado), e os outros sócios eram Robert Wilson 3º, vindo do Citibank, Rodrigo Andrade, ex-GP, e Arthur Carvalho, cunhado de Dantas.
A remuneração dos diretores, bem como suas obrigações para com o CVC, não foram estabelecidas por escrito. O contrato de formação da empresa estipulava que essas questões seriam definidas num anexo. Tal apêndice ao contrato jamais chegou a ser escrito, e deu margem às interpretações divergentes que são o cerne da causa em Cayman. A corte do paraíso fiscal caribenho terá de dar a sua sentença com base em e-mails entre as partes, em atas de reuniões, em rascunhos de contratos e na lembrança de acordos verbais.
"Daniel Dantas não fez o anexo ao contrato de caso pensado, para poder jogar toda a estrutura jurídica do Opportunity contra sócios minoritários", diz Demarco.
"Jamais tivemos problemas com sócios minoritários, mesmo não existindo documentos escritos", afirma Dantas. "Só não houve acordo com Demarco porque ele pleiteou somas absurdas e ameaçou difamar o banco."
A primeira missão de Demarco no CVC foi organizar a compra do Esporte Clube Bahia. A missão não foi levada a termo de maneira satisfatória. Dantas sustenta que o ex-diretor não soube conduzi-la, e Demarco o acusa de ter sabotado o seu trabalho. E ambos concordam que durante sua permanência na empresa Demarco atritou-se com Carlos Rodemburg, ex-cunhado de Dantas e diretor do Opportunity, com Elena Landau, consultora do banco, e com Pérsio Arida, executivo da instituição.
Comenta-se nos meios financeiros que dirigentes do Esporte Clube Bahia teriam gravado conversas telefônicas comprometedoras tanto de Demarco como de Dantas. Tais fitas, se é que existem, não fazem parte dos autos do processo em Cayman.
No início de 1999, Demarco foi demitido do CVC. O Opportunity tentou e não conseguiu chegar a um acordo com o ex-diretor quanto aos seus direitos na saída do negócio. O banco iniciou uma causa trabalhista contra ele, mas dela veio a desistir. O Opportunity interpelou Demarco judicialmente, acusando-o de tentar difamá-lo na imprensa. O ex-diretor retrucou com uma queixa-crime contra o banco, também por tentativa de difamação.

Falsificação
A causa em Cayman diz respeito a duas questões: o valor dos 3,5% da participação de Demarco no CVC, e se ele tem direito ao US$ 1 milhão que lhe foi entregue ao entrar no Opportunity.
A princípio, o banco ofereceu US$ 1 pela parte de Demarco no CVC, alegando que foi esse o capital simbólico que o diretor colocou na empresa quando da sua criação.
Em seguida, o Opportunity ofereceu US$ 200 mil pelos 3,5% de Demarco. Esse valor foi calculado por duas empresas de auditoria, a KPMG e a Acel. Elas usaram como critério o capital inicial do fundo gerido pelo CVC, da ordem de US$ 600 milhões.
Demarco não aceitou a proposta. Ele considera que tem direito a uma parcela de 3,5% nos ganhos do CVC enquanto ele existir. O prazo estipulado de existência da empresa é de sete anos, prorrogáveis por mais dois. Considerando ganhos mínimos e máximos do CVC nesse período, a empresa de auditoria Deloitte Touche Tohmatsu avaliou que Demarco dever receber entre US$ 1,5 milhão e US$ 3,5 milhões.
Foi a vez do Opportunity não aceitar a avaliação, e Demarco entrou com um pedido na Corte de Cayman de dissolução do CVC. Com a dissolução da empresa seria possível aquilatar, na prática, quanto ela vale -e quanto valem os 3,5% do ex-diretor.
O Opportunity conseguiu uma liminar evitando que Demarco entrasse com o pedido de dissolução do CVC. Na sexta-feira da próxima semana, dia 18 deste mês, a Corte de Cayman decidirá em definitivo sobre a liminar. Ela julgará se Demarco pode entrar com o pedido de dissolução.

Prejuízos para todos
A eventual dissolução do CVC poderá trazer prejuízos para o Opportunity e para Demarco. Para o banco, porque deixará de existir a empresa, dirigida por Dantas, que gere o fundo do Citibank que tem participação em várias empresas brasileiras. E para Demarco porque, com o fim da empresa, ela dificilmente será avaliada tendo como critério de avaliação os seus possíveis ganhos futuros.
Dantas diz não estar preocupado com a possibilidade de dissolução do CVC. "Temos ótimas relações com o Citibank", afirma o banqueiro. "Se o CVC for dissolvido, já temos a documentação pronta para criarmos imediatamente uma empresa gestora do fundo nos mesmos moldes, de maneira a que não haja descontinuidade nos negócios."
"Já estudei o assunto e sei que é ilegal criar uma empresa gestora do fundo imediatamente após a sua dissolução", rebate Demarco.
Como é praxe nos cargos de direção do mercado financeiro, Demarco investiu metade do US$ 1 milhão que recebeu para trabalhar no Opportunity num fundo do próprio banco. "Esse dinheiro é meu, foram luvas de transferência", diz.
O Opportunity contestou em Cayman essa interpretação. Num depoimento prestado no consulado britânico no Rio de Janeiro, Verônica Dantas, diretora do banco, disse que o US$ 1 milhão não era referente a luvas, mas uma antecipação de bônus, aos quais Demarco teria direito se realizasse negócios lucrativos para o CVC.
Como durante os 15 meses de permanência do ex-diretor na empresa tais lucros não foram realizados, a irmã de Dantas argumentou que ele não tem direito a nenhum bônus. Isto é, Demarco deve devolver ao banco tanto os US$ 500 mil que lhe foram entregues em espécie ("the cash advance of bonus", como consta no depoimento) como os outros US$ 500 mil depositados num fundo de investimentos do Opportunity em Cayman.
A acusação de falsificação refere-se às transferências e resgates desses US$ 500 mil do fundo do Opportunity. Demarco apresentou à corte a subscrição e extratos em que o fundo aparece em seu nome. Também anexou ao processo comprovantes, assinados por ele, de resgate e transferência de aplicações do fundo.
Três funcionárias do Opportunity em São Paulo testemunharam que preencheram formulários de subscrição e alteração de investimentos do fundo do banco no qual Demarco tinha seus investimentos.
As três funcionárias -Rosângela Browne, Terezinha Esteves e Daniela Góes- garantiram em juízo que Demarco assinou os formulários na frente delas. E atestaram que tais formulários foram encaminhados em seguida à sede do Opportunity, no Rio.
Ao ser demitido do Opportunity, Demarco tentou sacar todas as aplicações que tinha no fundo do banco. Àquela altura, somando os rendimentos, os US$ 500 mil haviam se transformado em US$ 620 mil.
O ex-diretor não conseguiu sacar nada. Foi-lhe explicado que sua assinatura não era a mesma dos titulares do fundo, apesar de ele estar em seu nome. Foi então que Demarco moveu a ação. Os investimentos no fundo do Opportunity em seu nome foram congelados numa conta da corte em Cayman. E de lá só sairão quando o juiz decidir a quem pertencem.
Em seu depoimento, Verônica admitiu que o fundo está em nome de Demarco. "Erradamente colocamos o nome de Luis Demarco como subscritor no acordo de subscrição", testemunhou ela.
"Como é possível que um banco do porte do Opportunity, que conta com os serviços dos melhores advogados do Rio, tenha cometido um erro tão primário, colocando US$ 500 mil em nome de um recém-contratado?", pergunta Demarco. E ele mesmo responde: "Esse erro não existiu, ele foi fabricado para justificar uma falsificação que foi feita no decorrer do processo".
Dantas diz que o erro nasceu quando o Opportunity tentou copiar um procedimento adotado pelo banco Safra em relação aos seus diretores com participação societária.
No Safra, segundo Dantas, os bônus dos diretores lhes são adiantados, a título de incentivo, assim que eles entram na empresa. Os bônus futuros são depositados numa conta conjunta de investimento, de maneira a caracterizar que o novo diretor não é o seu proprietário pleno.
"Em vez de fazermos uma conta conjunta, abrimos o fundo em nome do Demarco", diz Dantas. "Mas colocamos a assinatura de diretores do Opportunity como válidas para efeitos de resgate e alterações nos investimentos." Os diretores do banco autorizados a assinar as movimentações de Demarco eram o próprio Dantas e sua irmã Verônica.
Demarco desconfiou que a assinatura dos irmãos Dantas foi colocada nos formulários depois de terem sido preenchidos. Mais precisamente, suspeitava que as assinaturas foram feitas quando as tentativas de chegar a um acordo com o Opportunity chegaram a um impasse. Para comprovar a sua hipótese, procurou peritos forenses.
Demarco contatou a empresa Rilley & Welch, com sede em East Lansing, no Estado de Michigan, nos EUA, que utiliza os serviços do doutor Valery Aginsky. Com doutorado e mestrado em análise química pela Academia Militar de Defesa Química de Moscou, Aginsky, 46, trabalhou durante 20 anos no Ministério do Interior da União Soviética.
Em 1993, Aginsky desenvolveu um método de análise de tintas de canetas que lhe permite atestar judicialmente quando um determinado escrito foi feito. O método consiste na análise dos componentes químicos da tinta, e recebeu o nome internacional de "ink dating" (datação de tinta). Desde então, Aginsky analisou cerca de 300 casos de datação na Rússia, onde depõe com frequência em tribunais. A Polícia de Israel reconheceu como cientificamente válido o método do russo, que também já realizou análises de datação de tintas na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Aginsky investigou as assinaturas de Verônica e Dantas num formulário de movimentação de US$ 200 mil do fundo de Demarco no Opportunity. Ele concluiu que elas foram feitas dentro de um período de oito meses, começando em fevereiro e terminando em novembro de 1999.
Ou seja, Verônica e Dantas não teriam assinado o documento nos dias imediatamente subsequentes a 31 de agosto de 98, data em que Terezinha Esteves testemunhou ter encaminhado o formulário com a assinatura de Demarco para Verônica. Nessa época, Demarco estava trabalhando normalmente no CVC. Pelo parecer do russo, os irmãos Dantas teriam assinado o formulário a partir de fevereiro de 99, quando Demarco já havia sido demitido e iniciara a sua guerra contra o Opportunity.
Outros formulários foram analisados pelo doutor Aginsky, que chegou a conclusões semelhantes: a data dos formulários não é a mesma das assinaturas de Verônica e Dantas. "Não tenho quaisquer dúvidas acerca da data das assinaturas", disse Aginsky à Folha.
Numa audiência em Cayman em 28 de julho passado, os advogados do Opportunity pediram que a imputação de falsificação não fosse levada em conta pelo juiz. "Queríamos discutir direto o cerne da questão, e não uma acusação infundada e bizantina que só tumultua o processo", diz Dantas. Seus advogados argumentaram perante o juiz que o procedimento de datação não é científico, e acusaram os de Demarco de terem perdido um documento relevante ao processo.
O juiz pediu explicações aos advogados de Demarco sobre o sumiço do documento. Mas também se posicionou quanto à suspeita de falsificação: deu 28 dias de prazo, a partir do momento que os advogados do Opportunity tomarem conhecimento oficial dos laudos de Aginsky, para que apresentem pareceres técnicos sobre a questão. Haverá então um período de dois meses para se discutir o assunto na corte, com tomada de depoimentos e confrontação de pareceres das partes. Só então o juiz se posicionará sobre a falsificação.
Na semana passada, Demarco informou oficialmente o Banco Central o que está sendo discutido no processo em Cayman. Ele procurou três técnicos do BC -Vilson Luis de Castro, José Luis Gonçalo e José Arnaldo Dotta- para expor seu caso.
Segundo Demarco, hoje dono de uma firma chamada InternetCo Investments, a pendência no Caribe demonstra uma irregularidade que o Opportunity estaria cometendo no Brasil.
"O estatuto do fundo de investimentos do Opportunity no exterior proíbe expressamente que o banco o ofereça a brasileiros", diz Demarco. "Mas o Opportunity recomendou que eu fizesse minhas aplicações nele; e sei também que fez o mesmo oferecimento a outros brasileiros."
Ecos da disputa entre Demarco e Dantas vêm causando perplexidade no mercado financeiro. Num meio em que as divergências societárias costumam ser dirimidas por meio de acordos, a disputa entre eles é uma raridade. Não é comum que bancos discutam judicialmente o pagamento de salários e bonificações, em dólar, no exterior.
Um diretor de banco que conheceu tanto Demarco quanto Dantas não tem dúvidas de que é possível chegar a um acordo entre as partes. O que ele não entende é como tenha sido possível que o Opportunity se veja obrigado a responder a uma acusação de falsificação. Mesmo que o banco venha a ganhar a causa, avalia esse diretor, terá sido à custa de um imenso desgaste.
"O processo pode levar meses e meses, até anos", diz esse executivo. "Enquanto isso, o Opportunity, que não tem poucos inimigos, ficará sob a suspeita de ter cometido o pior dos crimes: a falsificação."


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