São Paulo, sábado, 10 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Só os incendiários podem ser contra o acordo

GESNER OLIVEIRA

O catastrofismo sofreu uma derrota nesta semana em que o dólar e o risco Brasil caíram e a Bolsa de Valores subiu, na quinta-feira, depois do anúncio do novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional). A boataria e as oscilações de ontem não desmentem o fato mais importante: o acerto com o FMI dará melhores condições para o país enfrentar a turbulência. A oportunidade do acordo é evidente. O Brasil tem sido vítima de uma combinação perversa de incertezas nos planos externo e interno.
Ao contrário da sucessão de crises dos anos 90 -México, Ásia, Rússia-, a origem do problema não reside, desta vez, apenas na periferia do sistema. A revelação das fraudes contábeis de grandes empresas como a Enron e a WorldCom abalaram a confiança dos investidores em meio a dúvidas preexistentes quanto à falta de liderança política e ao fôlego da principal economia do mundo, os Estados Unidos. No plano doméstico, o ciclo eleitoral suscita dúvidas quanto aos rumos futuros da política econômica.
Para completar o quadro, vários vizinhos da América Latina se encontram em dificuldades, como o Uruguai, a Venezuela, a Colômbia, o Paraguai e, é claro, a Argentina. Isso torna a região menos atraente relativamente aos outros emergentes, contaminando países como o Brasil, que, embora apresente números favoráveis, correria o risco de ser engolido pela crise.
Em tais circunstâncias verificou-se uma retração de crédito externo, refletindo dois fenômenos simultâneos: a maior aversão ao risco em geral dos credores e a maior percepção de risco dos países da região.
Convencer os credores de que Buenos Aires não é a capital do Brasil se torna cada vez mais difícil nessas circunstâncias. Isso, a despeito de os números das contas públicas e externas serem significativamente melhores no Brasil em relação à Argentina do presente e ao próprio Brasil de 1994/ 95 e de 1998/99.
O nervosismo do mercado expresso no elevado prêmio de risco e na alta do dólar acabam contaminando as expectativas também no setor real. A escassez das linhas de crédito e seus possíveis efeitos sobre o comércio exterior causaram preocupação nas últimas semanas, conforme comentado nesta coluna no último sábado.
A turbulência financeira atingiu as expectativas do setor real. Para citar dois exemplos, tanto o índice de intenção do consumidor, medido pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, como o Índice de Confiança do Empresário Industrial, compilado pela Confederação Nacional da Indústria, acusaram queda nos dois primeiros trimestres deste ano.
Assim, o apoio do FMI veio em boa hora. Sua função é sinalizar que não faltarão dólares diante de uma situação de insegurança que transcende os problemas internos do Brasil. Isso acalma os mercados e evita um enorme custo para o Brasil e para a própria economia global, como "o efeito samba" deixou claro a partir da quinta-feira nas várias praças mundiais.
O programa multilateral permitirá o restabelecimento das linhas comerciais, evitando uma contaminação da economia real pelos fenômenos financeiros. Facilitará o acesso do país aos mercados internacionais de capitais, permitindo a rolagem de dívidas corporativas em melhores condições. E poderá, eventualmente, viabilizar novos investimentos produtivos, tanto de empresas nacionais como estrangeiras, pela redução da incerteza e pela possibilidade de financiamento. Isso se traduz em mais produção e mais emprego.
Não é preciso rezar pela cartilha do FMI para apoiar um acordo dessa natureza. Afinal, o acerto não contém grande novidade em relação à política econômica interna de regime flutuante de câmbio, de metas inflacionárias e de austeridade fiscal. Trata-se, acima de tudo, de garantir o oxigênio necessário em um momento de estresse.
Ações coordenadas dessa natureza impedem um comportamento irracional da manada. Algum irresponsável grita que o circo está pegando fogo e, na dúvida, todo mundo sai correndo. O resultado pode ser trágico. Na economia, pode representar milhões de trabalhadores desempregados. Daí a necessidade de salvaguardas para crises desnecessárias de liquidez. O FMI, do qual o Brasil é um dos cotistas, tem mil defeitos, mas pode evitar tais tragédias.
As reações contrárias dos candidatos Ciro Gomes e Anthony Garotinho carecem, portanto, de qualquer fundamento. A não ser que queiram ver o circo pegar fogo.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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