São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Classe média emergente se acha pobre

Famílias com renda superior a R$ 1.064 não aceitam classificação da FGV, mas confirmam melhora no padrão de vida

Para moradores de bairro da periferia do Rio, qualidade de vida deveria ser levada em conta tanto quanto a renda para definir padrão

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Poucas notícias provocaram mais reação em Vila Kennedy -bairro de 200 mil habitantes, na zona oeste do Rio- do que a pesquisa da Fundação Getulio Vargas que classificou como classe média as famílias com renda mensal a partir de R$ 1.064. Até moradores com rendimento acima desse patamar se vêem como pobres e rejeitam serem chamados de classe média.
"É uma baixaria. Fiquei revoltado quando vi a notícia na TV. A classificação é vazia e mentirosa", reagiu o aposentado João Galdino de Melo, presidente da Associação dos Moradores de Vila Progresso. Pai de três filhos, que estudam e trabalham, Galdino diz não ter dúvida de que sua família é pobre, embora a renda familiar atinja R$ 2.400.
Segundo a FGV, 32% dos trabalhadores das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife que estavam em situação de miséria em janeiro deste ano aumentaram de renda e subiram na escala social. A pesquisa, divulgada na terça-feira, classifica 52% da população dessas regiões como classe média, entendendo-se como tal as famílias com rendimento mensal de R$ 1.064 a R$ 4.591.
Mara Martins, 32, cinco filhos, tem renda familiar mensal de R$ 1.800, somando a pensão de R$ 200 que recebe do pai de um dos filhos; o salário do filho mais velho (vendedor em um shopping na zona oeste) e o que ela fatura com uma barraca de doces, pizza e bebidas e com outra de roupas. A primeira barraca funciona à noite, e a de roupas, durante o dia. Ainda recebe ajuda financeira de uma irmã que mora no Maranhão.
Ela diz que ficou "doente" ao saber da notícia sobre a classe média, da qual, agora, seria parte. "A única roupa que comprei para mim neste ano foi um vestido, de R$ 10. Nunca fui a um cinema. Trabalho todos os dias e não tenho lazer. Classe média, para mim, tem de ter lazer."

O que é classe média?
O grau de indignação com a pesquisa varia segundo a concepção de cada um sobre classe média. Para a aposentada Luiza Oliveira Vieira, 65, a qualidade de vida do bairro deveria pesar tanto quanto a renda. Com aposentadoria de R$ 1.100 por mês, e sem dependentes, ela é parte da classe média, pela pesquisa da FGV. Mas diz que não se sente como tal morando de frente para um valão, numa rua chamada de Etiópia.
As ruas de Vila Kennedy foram batizadas com nomes de países africanos. O ex-funcionário da Petrobras José Camilo Neves, 57, mora na Sudão. Como taifeiro aposentado, tem pensão de R$ 3.400 por mês, mas nem ele se considera classe média, pois cinco pessoas dependem de sua renda, não tem lazer e mora em rua sem calçamento, que há até pouco tempo tinha esgoto a céu aberto.
A posse de bens de consumo não foi considerada pelos entrevistados de Vila Kennedy como indicador de classe média, porque mesmo os que se definem como pobres possuem televisão, geladeira, fogão, DVD, aparelho de som e pelo menos um telefone celular.
"Isso é o básico", diz Valcinéia dos Santos, 28, artesã, que mora com o marido e uma filha. A renda familiar é em torno de R$ 1.200, mas considera "uma piada" dizer que ela é classe média, porque depende da ajuda financeira da mãe, que é gari.
Na avaliação do aposentado João Galdino de Melo, 51, a renda familiar mínima para definir classe média deveria ser de R$ 4.000 por mês. Isso porque ele e os filhos têm rendimento conjunto de R$ 2.400 e a família se considera pobre, morando na periferia da cidade, onde o Estado é ausente.
Os salários dos filhos não são suficientes para pagar as despesas deles, e o pai, cuja pensão é de R$ 1.200, paga parte delas. Os três estudam em faculdade particular.
Galdino leva a reportagem da Folha até sua casa, para mostrar o padrão de vida da família. Na garagem, um Fiat Prêmio de 18 anos. A casa tem TV, geladeira, fogão, aparelho de som, DVD e computador. A TV por assinatura e a internet rápida são oferecidos por operador clandestino.
Como líder comunitário, ele enumera as deficiências de Vila Kennedy: não tem um curso profissionalizante para os jovens; não tem linha de ônibus para o centro com estação final no bairro -os ônibus existentes vêm de outros bairros e passam lotados; faltam professores nas escolas municipais, falta emprego. As opções de trabalho são informais, como o serviço de mototáxi.



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