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OPINIÃO ECONÔMICA
Surpresas positivas e seus possíveis usos
ANTONIO BARROS DE CASTRO
No início deste ano a previsão média do mercado para
o saldo comercial a ser alcançado
em 2003 era de US$ 15,3 bilhões.
Neste momento (nos últimos 12
meses), o saldo das transações comerciais encontra-se em US$ 23
bilhões. Poderá cair um pouco, digamos, para US$ 21 bilhões -o
que certamente não anula a surpresa.
É bem verdade que a economia
como um todo se mostrou mais
inerte do que o previsto: a estimativa de crescimento do PIB baixou de 2% para 1% (ou mesmo
0,5%). Mas isso não é suficiente
para explicar o grande avanço alcançado no resultado das transações comerciais. Sobretudo se tivermos em conta que a substancial valorização do real (o câmbio
poderá fechar o ano no entorno
de R$ 3, contra uma previsão inicial de R$ 3,65) atuou contra a
ampliação do saldo. Registrada a
surpresa, cabe acrescentar que, já
em 2002, o modesto resultado
previsto para o saldo, de US$ 5 bilhões, havia sido de longe ultrapassado pelos US$ 13 bilhões efetivamente alcançados (nesse caso,
porém, a desvalorização seguramente deu uma boa contribuição).
Fica-se, em suma, com a impressão de que algo importante
não está sendo compreendido. Os
preços têm, sem dúvida, dado um
reforço ao aumento das exportações de básicos. Mas a realidade é
que as vendas de manufaturados
também têm evoluído muito
bem: em quantidades, diversificação de produtos, abertura de novos mercados e até mesmo conteúdo tecnológico dos produtos
remetidos para o exterior. A rigor,
tudo menos expansão do mercado mundial -que continua a
dar-se a níveis muito inferiores
aos atingidos no passado.
Parte dos resultados alcançados
deve ser atribuída às políticas de
exportação, tornadas mais
atuantes e efetivas nos últimos
anos. É muito possível, contudo,
que uma parte não desprezível se
deva a um motivo jamais referido
-que poderá adquirir importância se, como tudo indica, estivermos saindo da recessão e inaugurando uma retomada do crescimento. Refiro-me à reestruturação das empresas e plantas industriais, para a qual tantas vezes
chamamos a atenção nesta coluna.
A profunda reestruturação levada a efeito na década passada
teve como referências básicas as
ameaças trazidas pela abertura
da economia e as dimensões do
mercado doméstico, reveladas pela explosão de demanda que se seguiu ao lançamento do Plano
Real. Em numerosos setores
aquele mercado mostrou ser, contudo, uma miragem. Mas, para os
projetos de reestruturação (e as
novas fábricas), insisto, ele era a
referência.
Postas diante de uma realidade
bem menos alentadora do que o
previsto, as empresas buscaram,
de alguma maneira, adaptar-se.
Entre as soluções possíveis se encontravam: o mero redirecionamento das vendas para o exterior,
sem alteração de produtos e sem
investimentos voltados para a
conquista de novos espaços no exterior; mudanças de produtos e
abertura de novos mercados; e a
substituição improvisada (originalmente não prevista) de importações. Teriam contribuído para
a alteração dos portfólios de produtos os novos equipamentos, incomparavelmente mais flexíveis
que no passado, e as novas formas
de organização do trabalho e de
gerenciamento, muito mais abertas à mudança. Na medida em
que as duas últimas soluções (diferenciação de produtos e criação
de novos mercados) tenham contribuído para a surpreendente
evolução do saldo comercial, somos colocados ante uma inédita
questão: o que ocorrerá com os
novos produtos e novos mercados,
recentemente conquistados, diante da retomada provável (ainda
que moderada) do mercado doméstico?
A resposta a ser dada a essa nova questão deve ter em consideração o fato de que o saldo comercial que rápida e inesperadamente conseguimos obter (sem retração do nível de atividades) não é
muito inferior à soma total de juros, lucros e dividendos anualmente remetidos para o exterior.
Isso significa que, inicialmente
iludidas e, a seguir, premidas pelas circunstâncias, as empresas
vieram a explorar possibilidades
latentes na reestruturação e nos
investimentos levados a efeito por
ocasião das mudanças dos anos
1990. À medida que perenizadas e
desenvolvidas, essas possibilidades poderiam dar a sua contribuição para a blindagem do nosso
balanço de pagamentos.
Em tempo: a questão que acaba
de ser levantada também nos
obriga a indagar sobre a efetiva
capacidade produtiva de uma estrutura muito mais flexível, como
a que emerge da reestruturação.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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