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COMÉRCIO EXTERIOR
Posição de emergentes sobre agricultura é deixada de lado por americanos antes da reunião da OMC
EUA rejeitam o texto do G20, Brasil reage
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CANCÚN
Os Estados Unidos deixaram
claro ontem, tanto em público como em reuniões fechadas, que
pretendem trabalhar na 5ª Conferência Ministerial da Organização
Mundial do Comércio com o documento elaborado pelo embaixador uruguaio Carlos Pérez del
Castillo, texto que o Brasil rejeita
por ser excessivamente tímido na
abertura agrícola e desequilibrado em favor dos países ricos.
"Se quisermos avançar, o melhor a fazer é trabalhar com o documento do presidente do Conselho Geral", disse Robert Zoellick,
chefe da delegação norte-americana, aludindo à função de Pérez
del Castillo, que preside o conselho que supervisiona todas as negociações da chamada Agenda
Doha de Desenvolvimento.
A frase de Zoellick representa a
clara rejeição do texto elaborado
pelo G20 (grupo de países em desenvolvimento liderado por Brasil
e Índia), mais ambicioso na liberalização agrícola.
Uma hora e meia depois de o
delegado dos EUA falar aos jornalistas, o mesmo palco foi ocupado
por ministros de seis países do
G20, para o brasileiro Celso Amorim contra-atacar: "É absolutamente essencial que o documento
do G20 seja levado em consideração como base das discussões".
Documentos
A Folha perguntou a Amorim
qual seria a reação do grupo se o
texto fosse desconsiderado, tal como defendem os EUA (e também
a União Européia). Resposta do
chanceler: "Não vou especular sobre nossos movimentos táticos,
mas não se pode ignorar um texto
de países que representam mais
da metade da humanidade" (exatamente 3 bilhões de pessoas, para o que contribui poderosamente o fato de a China fazer parte do
novo conglomerado).
O grupo ganhou ontem dois reforços: o Egito aderiu, elevando
para 21 o número de países-membros. E, em plena entrevista coletiva dos seis ministros, Irungu
Houghton, da poderosa e respeitada ONG britânica Oxfam, tomou o microfone para anunciar o
respaldo da organização às propostas do G21.
As declarações de Zoellick e de
Amorim, em nome do G21, indicam, claramente, que a reunião da
OMC vai começar, hoje, com o
que o brasileiro define como uma
"batalha de procedimentos", em
torno de qual documento terá
precedência nas discussões.
O preferido de europeus e norte-americanos leva vantagem de
saída, porque a OMC não distribui cópias do texto do G21.
Zoellick alega que a única maneira de preservar a governança
em uma entidade de 146 países,
como a OMC, em que as decisões
são tomadas por consenso, e não
por voto, é adotar a posição dos
presidentes de cada grupo negociador (ou do coordenador de todos os grupos negociadores).
"Eu mesmo tenho algumas dificuldades com esse documento,
que contém idéias boas e idéias
ruins. Mas, se cada país quiser
apresentar o seu próprio texto, eu
também apresento o meu", disse
Zoellick, espécie de ministro do
Comércio Exterior dos EUA.
Básico
O G21, de todo modo, obteve a
promessa do presidente da conferência, o ministro mexicano Luís
Derbez, de que o seu texto "será
um ponto de partida junto com
outros textos", conforme Amorim reproduziu aos jornalistas
brasileiros que acompanham o
encontro de Cancún.
A expectativa da delegação brasileira é a de que seja possível tratar da questão agrícola ponto por
ponto, em vez de discutir um único documento básico.
Funcionaria assim: ao discutir,
por exemplo, subsídios à exportação, os delegados veriam quais as
diferentes propostas sobre a mesa
e tentariam chegar a um acordo.
De todo modo, o acordo, se
houver, será apenas sobre a moldura geral da negociação agrícola,
sem conter números que dêem
caráter concreto e objetivo à liberalização do setor, que é a principal meta brasileira. Ou, como prefere Zoellick, a OMC "migrará das
propostas de negociação para
uma moldura negociadora. Só depois virão os números".
O problema é que há pouco
tempo para o "depois". Ao ser
lançada a Rodada Doha, no Qatar,
em novembro de 2001, os países-membros da OMC decidiram encerrá-la no final de 2004. Vinte
meses depois, não há, no entanto,
acordo sobre quase nada, embora
já esteja marcada a 6ª Ministerial
da OMC (outubro ou novembro
de 2004, em Hong Kong).
Ou seja, falta um ano, pouco
mais ou menos, para fechar a negociação, mas o nó agrícola continua presente há 20 meses e emperra a negociação em todas as
demais áreas.
A pressão americana pela adoção do texto de Pérez del Castillo
foi feita também durante a reunião do Grupo de Cairns, conglomerado dos 17 grandes exportadores agrícolas (Brasil inclusive).
O inconveniente de se adotar o
texto de Pérez del Castillo é assim
definido por Amorim: "Cria uma
equação que não pode ser preenchida com bons números".
Para o Brasil, liberalizar o comércio agrícola é fundamental,
porque se trata do setor em que o
país é extremamente competitivo.
O agronegócio já responde por
47% das exportações brasileiras,
mesmo com as atuais restrições.
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