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São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003

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COMÉRCIO EXTERIOR

Posição de emergentes sobre agricultura é deixada de lado por americanos antes da reunião da OMC

EUA rejeitam o texto do G20, Brasil reage

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CANCÚN

Os Estados Unidos deixaram claro ontem, tanto em público como em reuniões fechadas, que pretendem trabalhar na 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio com o documento elaborado pelo embaixador uruguaio Carlos Pérez del Castillo, texto que o Brasil rejeita por ser excessivamente tímido na abertura agrícola e desequilibrado em favor dos países ricos.
"Se quisermos avançar, o melhor a fazer é trabalhar com o documento do presidente do Conselho Geral", disse Robert Zoellick, chefe da delegação norte-americana, aludindo à função de Pérez del Castillo, que preside o conselho que supervisiona todas as negociações da chamada Agenda Doha de Desenvolvimento.
A frase de Zoellick representa a clara rejeição do texto elaborado pelo G20 (grupo de países em desenvolvimento liderado por Brasil e Índia), mais ambicioso na liberalização agrícola.
Uma hora e meia depois de o delegado dos EUA falar aos jornalistas, o mesmo palco foi ocupado por ministros de seis países do G20, para o brasileiro Celso Amorim contra-atacar: "É absolutamente essencial que o documento do G20 seja levado em consideração como base das discussões".

Documentos
A Folha perguntou a Amorim qual seria a reação do grupo se o texto fosse desconsiderado, tal como defendem os EUA (e também a União Européia). Resposta do chanceler: "Não vou especular sobre nossos movimentos táticos, mas não se pode ignorar um texto de países que representam mais da metade da humanidade" (exatamente 3 bilhões de pessoas, para o que contribui poderosamente o fato de a China fazer parte do novo conglomerado).
O grupo ganhou ontem dois reforços: o Egito aderiu, elevando para 21 o número de países-membros. E, em plena entrevista coletiva dos seis ministros, Irungu Houghton, da poderosa e respeitada ONG britânica Oxfam, tomou o microfone para anunciar o respaldo da organização às propostas do G21.
As declarações de Zoellick e de Amorim, em nome do G21, indicam, claramente, que a reunião da OMC vai começar, hoje, com o que o brasileiro define como uma "batalha de procedimentos", em torno de qual documento terá precedência nas discussões.
O preferido de europeus e norte-americanos leva vantagem de saída, porque a OMC não distribui cópias do texto do G21.
Zoellick alega que a única maneira de preservar a governança em uma entidade de 146 países, como a OMC, em que as decisões são tomadas por consenso, e não por voto, é adotar a posição dos presidentes de cada grupo negociador (ou do coordenador de todos os grupos negociadores).
"Eu mesmo tenho algumas dificuldades com esse documento, que contém idéias boas e idéias ruins. Mas, se cada país quiser apresentar o seu próprio texto, eu também apresento o meu", disse Zoellick, espécie de ministro do Comércio Exterior dos EUA.

Básico
O G21, de todo modo, obteve a promessa do presidente da conferência, o ministro mexicano Luís Derbez, de que o seu texto "será um ponto de partida junto com outros textos", conforme Amorim reproduziu aos jornalistas brasileiros que acompanham o encontro de Cancún.
A expectativa da delegação brasileira é a de que seja possível tratar da questão agrícola ponto por ponto, em vez de discutir um único documento básico.
Funcionaria assim: ao discutir, por exemplo, subsídios à exportação, os delegados veriam quais as diferentes propostas sobre a mesa e tentariam chegar a um acordo.
De todo modo, o acordo, se houver, será apenas sobre a moldura geral da negociação agrícola, sem conter números que dêem caráter concreto e objetivo à liberalização do setor, que é a principal meta brasileira. Ou, como prefere Zoellick, a OMC "migrará das propostas de negociação para uma moldura negociadora. Só depois virão os números".
O problema é que há pouco tempo para o "depois". Ao ser lançada a Rodada Doha, no Qatar, em novembro de 2001, os países-membros da OMC decidiram encerrá-la no final de 2004. Vinte meses depois, não há, no entanto, acordo sobre quase nada, embora já esteja marcada a 6ª Ministerial da OMC (outubro ou novembro de 2004, em Hong Kong).
Ou seja, falta um ano, pouco mais ou menos, para fechar a negociação, mas o nó agrícola continua presente há 20 meses e emperra a negociação em todas as demais áreas.
A pressão americana pela adoção do texto de Pérez del Castillo foi feita também durante a reunião do Grupo de Cairns, conglomerado dos 17 grandes exportadores agrícolas (Brasil inclusive).
O inconveniente de se adotar o texto de Pérez del Castillo é assim definido por Amorim: "Cria uma equação que não pode ser preenchida com bons números".
Para o Brasil, liberalizar o comércio agrícola é fundamental, porque se trata do setor em que o país é extremamente competitivo. O agronegócio já responde por 47% das exportações brasileiras, mesmo com as atuais restrições.


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