São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A China e o mundo


China está hoje se integrando à economia, educando os trabalhadores e montando melhor ambiente de negócios

A CHINA medieval tinha a liderança tecnológica no mundo. Entre a invenções atribuídas a chineses estão o ferro fundido, o compasso, a pólvora, o papel e a impressão. No começo do século 15, navios chineses chegavam à costa leste da África e há até mesmo uma lenda de que visitaram a América. A partir da metade do século 15, políticos seguidores do pensamento de Confúcio ganharam o poder e decidiram acabar com os contatos com os "bárbaros", decretando o abandono das expedições marítimas, cerrando os estaleiros navais e finalmente proibindo viagens oceânicas. A China atrasou-se em relação ao Ocidente e só entendeu o que havia perdido por ocasião das guerras do ópio do século 19, quando a superioridade tecnológica inglesa ficou evidente.
Ouvi mais de uma vez versões dessa história quando dei palestras recentemente em Pequim. Os chineses estão preocupados em aprender com o resto do mundo e consideram a integração com a economia mundial primordial para devolver à China o seu status de grande potência. Por isso, privilegiam o comércio internacional, incentivam o investimento externo e copiam instituições e políticas de outros países.
Um visitante a Pequim nota a presença maciça de multinacionais de serviços que lhe dão a impressão de que está em uma cidade mais integrada na economia mundial do que São Paulo. Essas multinacionais de serviços remetem lucros para as suas matrizes e não exportam. Para o "pensamento econômico-heterodoxo", isso é um mau negócio. Mas os chineses acreditam que, além de gerarem serviços de qualidade para o consumidor, é bem possível que, no futuro, um gerente local de um Starbucks, a empresa americana de lojas de café que tem hoje 50 estabelecimentos em Pequim, crie a primeira grande cadeia internacional de lanchonetes chinesas.
A China também não hesita em reformar as suas instituições inspirando-se na experiência dos países avançados. Enquanto a justificativa do projeto de reforma universitária proposta pelo governo Lula lamenta o "afastamento da universidade de seu perfil de instituição social dentro da tradição latino-americana", como se a América Latina fosse uma referência para o ensino superior, os chineses decidiram copiar as universidades americanas, que são as melhores do mundo. Por isso, as universidades públicas chinesas estão cortejando doadores, estabelecendo convênios com empresas, cobrando anuidades e concedendo bolsas a alunos carentes, e competindo pelos pesquisadores mais produtivos com salários maiores e melhores condições de trabalho.
O sucesso atual da indústria chinesa é baseado na mão-de-obra barata e eficiente, mas o governo já se preocupa em gerar as condições para que o país se torne competitivo em setores mais sofisticados. Os governantes chineses entendem que a proteção à propriedade intelectual é importante, principalmente para as firmas menores, que geram grande parte das novas tecnologias, e por isso, muito mais do que por pressão dos países avançados, estão mudando a legislação para assegurar o direito à propriedade intelectual.
Os países que se desenvolveram rapidamente experimentaram, em algum momento, uma desaceleração. Alguns como a Coréia retomaram o crescimento enquanto outros, infelizmente incluindo o Brasil, viveram longos períodos de estagnação.
A China cresce quase 10% ao ano há duas décadas e, apesar de não haver dados estatísticos que indiquem uma desaceleração próxima da economia do país, há algumas distorções inquietantes. As desigualdades regionais são grandes e o governo autoritário desencoraja a discussão dos problemas nacionais. Muitos se preocupam com a baixa rentabilidade de projetos de investimentos conduzidos por algumas autoridades locais e financiados por bancos estatais, que, além de causar problemas fiscais, fragilizam a rede bancária do país.
É possível que a economia chinesa passe por momentos difíceis e é bastante arriscado prever o futuro. Mas uma boa aposta é que a China vai nesse caso ser capaz de retornar a um crescimento acelerado porque está hoje se integrando na economia mundial, educando a força de trabalho, criando um sistema universitário de qualidade e estabelecendo um melhor ambiente de negócios.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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