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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A China e o mundo
China está hoje se integrando à economia, educando os trabalhadores e montando melhor ambiente de negócios
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A CHINA medieval tinha a liderança tecnológica no mundo.
Entre a invenções atribuídas
a chineses estão o ferro fundido, o
compasso, a pólvora, o papel e a impressão. No começo do século 15,
navios chineses chegavam à costa
leste da África e há até mesmo uma
lenda de que visitaram a América. A
partir da metade do século 15, políticos seguidores do pensamento de
Confúcio ganharam o poder e decidiram acabar com os contatos com
os "bárbaros", decretando o abandono das expedições marítimas, cerrando os estaleiros navais e finalmente proibindo viagens oceânicas.
A China atrasou-se em relação ao
Ocidente e só entendeu o que havia
perdido por ocasião das guerras do
ópio do século 19, quando a superioridade tecnológica inglesa ficou evidente.
Ouvi mais de uma vez versões dessa história quando dei palestras recentemente em Pequim. Os chineses estão preocupados em aprender
com o resto do mundo e consideram
a integração com a economia mundial primordial para devolver à China o seu status de grande potência.
Por isso, privilegiam o comércio internacional, incentivam o investimento externo e copiam instituições e políticas de outros países.
Um visitante a Pequim nota a presença maciça de multinacionais de
serviços que lhe dão a impressão de
que está em uma cidade mais integrada na economia mundial do que
São Paulo. Essas multinacionais de
serviços remetem lucros para as
suas matrizes e não exportam. Para
o "pensamento econômico-heterodoxo", isso é um mau negócio. Mas
os chineses acreditam que, além de
gerarem serviços de qualidade para
o consumidor, é bem possível que,
no futuro, um gerente local de um
Starbucks, a empresa americana de
lojas de café que tem hoje 50 estabelecimentos em Pequim, crie a
primeira grande cadeia internacional de lanchonetes chinesas.
A China também não hesita em
reformar as suas instituições inspirando-se na experiência dos países
avançados. Enquanto a justificativa do projeto de reforma universitária proposta pelo governo Lula
lamenta o "afastamento da universidade de seu perfil de instituição
social dentro da tradição latino-americana", como se a América Latina fosse uma referência para o
ensino superior, os chineses decidiram copiar as universidades
americanas, que são as melhores
do mundo. Por isso, as universidades públicas chinesas estão cortejando doadores, estabelecendo
convênios com empresas, cobrando anuidades e concedendo bolsas
a alunos carentes, e competindo
pelos pesquisadores mais produtivos com salários maiores e melhores condições de trabalho.
O sucesso atual da indústria chinesa é baseado na mão-de-obra barata e eficiente, mas o governo já se
preocupa em gerar as condições
para que o país se torne competitivo em setores mais sofisticados. Os
governantes chineses entendem
que a proteção à propriedade intelectual é importante, principalmente para as firmas menores, que
geram grande parte das novas tecnologias, e por isso, muito mais do
que por pressão dos países avançados, estão mudando a legislação
para assegurar o direito à propriedade intelectual.
Os países que se desenvolveram
rapidamente experimentaram, em
algum momento, uma desaceleração. Alguns como a Coréia retomaram o crescimento enquanto outros, infelizmente incluindo o Brasil, viveram longos períodos de estagnação.
A China cresce quase 10% ao ano
há duas décadas e, apesar de não
haver dados estatísticos que indiquem uma desaceleração próxima
da economia do país, há algumas
distorções inquietantes. As desigualdades regionais são grandes e o
governo autoritário desencoraja a
discussão dos problemas nacionais. Muitos se preocupam com a
baixa rentabilidade de projetos de
investimentos conduzidos por algumas autoridades locais e financiados por bancos estatais, que,
além de causar problemas fiscais,
fragilizam a rede bancária do país.
É possível que a economia chinesa passe por momentos difíceis e é
bastante arriscado prever o futuro.
Mas uma boa aposta é que a China
vai nesse caso ser capaz de retornar a um crescimento acelerado
porque está hoje se integrando na
economia mundial, educando a
força de trabalho, criando um sistema universitário de qualidade e
estabelecendo um melhor ambiente de negócios.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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