São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Vive la difference

ALOIZIO MERCADANTE

Ainda embalado pela nostalgia do Real e sentindo as mesmas dores do isolamento por que fez passar seu antecessor, já que não foi acionado por seus antigos correligionários para contribuir na atual campanha, Fernando Henrique Cardoso reaparece no cenário eleitoral de 2004 declarando seu voto no dia da eleição e também lançando um desafio ao atual governo, veiculado pela mídia. Quer o ex-presidente uma comparação entre o período inicial de seu governo e o do governo Lula. Não há por que não fazê-la, apesar do tom rancoroso e agressivo adotado por FHC contra o PT e o nosso governo.
FHC foi eleito presidente em 1994 na esteira do sucesso do Plano Real. Menos lembrado -ingratidão histórica- é que o responsável político por esse divisor de águas foi o presidente Itamar Franco. Mas não se pode retirar dos seus ministros da Fazenda, antes e depois do lançamento da nova moeda, o mérito de terem preparado a economia para a reforma monetária e a implementado com diligência e favorecidos pela desinflação em escala planetária que, de uma média de 30% em 1994, cai para 4% em 2003, conforme estudos realizados por Kenneth Rogoff com base em dados de 134 países.
Os primeiros 18 meses de FHC foram marcados por uma guinada na trajetória inicial do Plano Real. Itamar Franco entrega a administração com um PIB crescendo 10,7% no último trimestre de 1994 (IBGE), taxa de desemprego em queda e forte geração de empregos no comércio e nos serviços. Em março de 1995, o governo FHC, já sofrendo os primeiros sinais da vulnerabilidade externa provocada pela âncora cambial, reage à crise do México corrigindo levemente o câmbio, cortando o crédito e iniciando uma escalada nas taxas de juros reais. Já no final de 1995, o PIB trimestral caía 1,7% e assim permaneceu por dois períodos. No mês seguinte tem início o mais longo processo de queima de postos de trabalho industriais da história do país. O emprego industrial caiu 10,5% até junho de 1996 e 30,67% até dezembro de 2002 (Fiesp). As taxas de desemprego na Grande São Paulo subiram 28,6% nos primeiros 18 meses e 46,8% em oito anos (Dieese/Seade). O ponto positivo no período foi a recuperação dos rendimentos reais e do salário mínimo propiciada pelo crescimento inicial da economia e pela desinflação. No entanto, após 1996, inicia-se uma queda contínua dos rendimentos que cancelaram os ganhos iniciais do Plano Real.
Houve um ajuste brutal de preços relativos na economia do Real, impulsionado pela intensa desnacionalização dos serviços públicos. Enquanto o IPCA/IBGE subia 30,4% (janeiro de 95 a junho de 96), as tarifas de telefone subiam 114,74%, e os aluguéis, 177,33%. Naquele momento, as tarifas de luz e gás ainda não haviam disparado, o que ocorreu posteriormente. O IPCA subiu 100,72%, e o salário mínimo, 85,70%; a conta de luz básica subiu 173,2%, o gás de botijão, 522,02%, e as contas de telefone, 603,9% em oito anos (Dieese).
O governo Lula não assumiu com um quadro de expansão econômica, de empregos e de rendimentos. Pelo contrário, o crescimento do PIB em 2002 foi de 1,9% e, no último trimestre, estava em 0,2%. O desemprego continuava crescendo e o emprego industrial e os rendimentos reais caindo desde o final de 1996.
Enquanto FHC gerou um déficit em transações correntes de US$ 26 bilhões nos 18 meses iniciais (US$ 186 bilhões em oito anos), o governo Lula gerou um superávit de US$ 8,5 bilhões. Enquanto FHC aumentou as exportações em 10% no período em questão (38,6% em 96 meses, ou oito anos), Lula aumentou 38,15% em 18 meses. Enquanto FHC aumentou a dívida líquida/ PIB em 7,8% (85% em oito anos), Lula praticamente estabilizou esse indicador -crescimento de 0,58% em 18 meses.
Com Lula, o mercado de trabalho começa a mostrar recuperação após anos de regressão. Foi gerado 1,466 milhão de postos formais de trabalho (Caged/ MTE). Mais de 79% das categorias profissionais, segundo o Dieese, conseguiram reajustes iguais ou superiores ao INPC no primeiro semestre de 2004 e os rendimentos reais cresceram 5% na região metropolitana de São Paulo após anos em queda (Dieese/Seade).
Esses são alguns elementos de comparação que atendem ao desafio proposto por FHC. Este espaço é insuficiente para avaliações mais amplas, no entanto estamos dispostos a realizá-las, neste ou em qualquer outro fórum, pois nossa postura não é a de interditar a reflexão pública sobre as grandes questões nacionais nem a de difundir um pensamento único, como foi a atitude constante nos mandatos de FHC.


Aloizio Mercadante, 50, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do governo no Senado Federal.
E-mail - mercadante@mercadante.com.br

Internet: www.mercadante.com.br


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