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Plano "socialista" britânico pode salvar o capitalismo
Imprensa britânica aplaude pacote do primeiro-ministro Gordon Brown
Jornais dizem que plano é "bem desenhado", "atinge o coração do problema" e que, diante da crise, "faz sentido recapitalizar os bancos"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Como nos velhos tempos em
que os anticomunistas viscerais enxergavam comunistas
até debaixo da cama, Simon
Heffer, o ultraliberal colunista
do jornal britânico "The Daily
Telegraph", disparou ontem todos os sinais de alarme depois
do pacote do primeiro-ministro Gordon Brown de socorro e
semi-estatização dos bancos:
"Todos somos socialistas
agora", começou, em artigo de
página inteira. E fechou: "A intervenção, ou melhor, interferência, do Estado em assuntos
financeiros e econômicos só
pode levar à esclerose, à supressão da livre empresa, ao aumento dos impostos, à inanição
em investimentos, à falta de
inovação, ao atraso tecnológico
e ao aumento do poder do trabalho organizado".
Antigas paranóias à parte,
Heffer tem alguma razão quando diz que "todos somos socialistas agora". Dois professores
norte-americanos -Laurence
Kotlikoff, da Boston University, e Perry Mehrling, da Columbia, em artigo para o "Washington Post"- até ironizam:
"Tio Sam se tornou nosso novo
banco. Ele também se tornou
nossa nova companhia de seguros com a compra, na prática,
da maior seguradora do mundo, a AIG".
Pior, pelo menos para os que,
como Heffer, vêem na ação dos
governos na presente crise a
ante-sala do comunismo e, por
extensão, do fim do mundo: há
um coro de aplausos, da direita
à esquerda, em especial ao pacote de Brown, que, na manchete de ontem do "Guardian",
"arrisca 500 bilhões de libras
[R$ 1,866 trilhão) do dinheiro
público no pacote de resgate
dos bancos".
Até o "The Wall Street Journal", uma das mais potentes vozes pró-livre mercado, diz, em
editorial: "A mexida de Londres vai ao coração do problema, que é a falta de capital no
sistema financeiro -o combustível para o pânico global".
O "Guardian", mais à esquerda, segue o mesmo caminho:
chama o plano Brown de "bem
desenhado" e completa: "Enfrenta os três grandes problemas dos bancos -capital, liquidez e financiamento. Sob esse
aspecto, é melhor que o plano
Paulson [Hank Paulson, secretário do Tesouro americano]".
Concorda a colunista Gillian
Tett, no "Financial Times", outro baluarte do livre mercado:
"Quando uma crise bancária é
séria a esse ponto, faz mais sentido recapitalizar os bancos
comprando ações preferenciais
do que seus ativos sem valor".
Em tese, comprar os ativos
sem valor é o eixo do plano
Paulson, mas Kotlikoff e Mehrling chamam a atenção para
uma distração da mídia, que
não teria notado que "a seção
113 da lei [Paulson] autoriza injeção de capital do governo no
sistema bancário quando necessário -algo que o governo
britânico está fazendo agora e o
governo sueco fez com sucesso
no passado recente".
Os hiperliberais norte-americanos ficariam horrorizados
como ficou o britânico Heffer,
mas Kotlikoff e Mehrling festejam: "Isso significa que [o governo] não deixará falir nenhum banco que seja viável só
porque ele está temporariamente subcapitalizado". Eles
reduzem a intervenção ao que
de fato é: "Pode parecer socialismo ou capitalismo de Estado,
mas é simplesmente o rearranjo do mobiliário financeiro".
Ou é algo bem mais prosaico,
segundo Felipe González, ex-presidente do governo espanhol. Na sua opinião, a economia chegou a funcionar como
um "cassino global", mas com
uma fundamental diferença:
"Nos cassinos, o que arrisca e
perde não reclama que papai-Estado lhe devolva o dinheiro".
Só falta agora que o dinheiro
de papai-Estado ponha fim ao
pânico, o que ainda não estava
demonstrado até o começo da
noite de ontem (na Europa).
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