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ENTREVISTA
NOURIEL ROUBINI
"Poderemos ter uma depressão global"
Economista que previu crise diz que sistema financeiro precisa mudar para evitar "derretimento total"
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Na segunda-feira, Nouriel
Roubini escreveu que o governo norte-americano deveria
organizar um corte coordenado
de juros nas principais economias mundiais e o Federal Reserve, o banco central do país,
tinha de fazer empréstimos de
curto prazo diretamente para
as empresas. Na terça e na
quarta, as duas medidas foram
anunciadas. Você sabe que a
crise é realmente grave quando
um economista conhecido pelo
apelido de "Sr. Apocalipse" começa a ser ouvido pela Casa
Branca.
Profissional do meio que
mais acertos fez em relação à
crise atual, Roubini falou à Folha por telefone na tarde de anteontem. Sotaque de mafioso
de filme B de Hollywood -filho
de judeus iranianos, nasceu na
Turquia, morou na Itália e vive
em Nova York-, disse que toureava 300 pedidos de entrevista que chegaram apenas naquele dia. Ele acha que o mundo
corre o risco de uma depressão,
e o Brasil, de crescer menos de
3% (leia texto nesta página).
Leia trechos da entrevista.
FOLHA - Depois de os 12 passos
que o sr. previu em fevereiro para a
crise atual se cumprirem, o que podemos esperar para o 13º?
NOURIEL ROUBINI - Bem, há duas
opções. Ou promovemos uma
mudança radical no sistema financeiro para evitar o derretimento completo, que é a coisa
certa a fazer, ou esse sistema
sofrerá colapso nos Estados
Unidos, na Europa e em outros
países. E poderemos ter uma
depressão global.
FOLHA - O sr. vê contágio no setor
corporativo?
ROUBINI - Já começa a acontecer aqui nos EUA. Em geral,
com algumas exceções, as companhias americanas não estavam tão expostas ao papéis tóxicos hipotecários. Ainda assim, nas últimas semanas, diminuiu drasticamente o acesso
a crédito das empresas aqui no
país, mesmo companhias avaliadas pelas agências de risco
como AAA.
Com o mercado de papéis comerciais [letras de câmbio não-garantidas] praticamente interrompido e os empréstimos
bancários caríssimos, não há
dinheiro para que elas cumpram as obrigações do dia-a-dia. Se nem essas estão tendo
acesso, imagine as que têm avaliação pior. Se isso se agravar no
setor corporativo, todo o sistema pára, começaremos a ver
quebras de empresas incapazes
de honrar seus compromissos
de curto prazo. Na minha opinião, já estamos no ponto de
crise grave também aqui.
FOLHA - Isso leva à minha próxima
pergunta. O sr. escreveu na última
segunda um artigo em que pedia
um corte coordenado de juros nas
principais economias mundiais e
que o Federal Reserve emprestasse
diretamente para as empresas. Nos
dias seguintes, as duas medidas foram anunciadas. Coincidência, é claro, mas o sr. acha que alguém no governo finalmente começou a ler
suas colunas?
ROUBINI - Eu sei que eles ouvem de fato, porque muitos deles me ligam e dizem isso. As
decisões foram corretas e vão
na direção certa, mas não são
suficientes, muito mais tem de
ser feito. Se você ler o meu artigo, eu pedia duas outras ações,
que o Fed garanta que vai prover liquidez no caso de uma
corrida generalizada aos bancos e que aumente sua ação para prover liquidez de curto prazo a atores não-bancários que
emprestam a corporações. A
primeira eu não sei quando vai
acontecer, a segunda já estamos vendo aos poucos.
Outro aspecto que eu não escrevi mas que acho necessário é
um programa de expansão fiscal do governo nos moldes dos
da Grande Depressão, porque a
demanda privada e o consumo
estão sofrendo colapso, então
serão necessários gastos governamentais em infra-estrutura
nos níveis municipal, estadual
e federal. Precisamos revisar o
Plano Paulson também para
que aja efetivamente nos setores imobiliário e no sistema
bancário. Resumindo, ainda
falta fazer muito.
FOLHA - O sr. pinta um quadro excessivamente grave. A situação é
tão ruim assim?
ROUBINI - Sim, na última semana ou dez dias, o sistema financeiro inteiro parou de funcionar, não há mais empréstimos
interbancários, não há mais
transmissão de liquidez entre
os bancos e do sistema bancário para o sistema financeiro
paralelo, que está em extinção,
e começa a chegar ao setor corporativo. As Bolsas se enfraquecem a cada dia, o mercado
seca e os gastos começam a diminuir. Estamos a um passo do
derretimento total.
FOLHA - O sr. mencionou a possibilidade de depressão global. Quão
perto estaria?
ROUBINI - Já estamos em recessão nos Estados Unidos, na Europa, no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão. Ou seja, cerca de
50% das economias globais já
estão em recessão. Depois que
essa se estabelecer, começaremos a ver desaceleração maciça
de crescimento nas economias
emergentes.
O que quer dizer isso? Que
teremos algum crescimento
nos mercados emergentes, entre 2% e 3%, o que será uma
aterrissagem dura para esses
países, que necessitam de muito mais do que isso. Essa diminuição contribuirá para a queda do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) global, que
pode ficar negativo.
FOLHA - E quanto durará?
ROUBINI - Se fizermos tudo certo, o que não está garantido, deve durar entre 12 e 24 meses.
Há também o risco de os EUA
entrarem numa estagnação como a que atingiu o Japão.
FOLHA - E quem é o culpado , em
sua opinião?
ROUBINI - São muitos e diferentes fatores. É uma tempestade
perfeita composta de dinheiro
fácil, crédito fácil, baixas taxas
de juros, instituições financeiras se expondo a risco excessivo, instrumentos financeiros
novos e modernos, mas também exóticos e sem liquidez,
cumplicidade das agências
classificadora de riscos, falta de
regulação e supervisão adequada por parte dos governos. Não
há um só culpado, mas vários:
agentes financeiros, reguladores, governantes, bancos centrais...
FOLHA - O sr. foi um dos primeiros
a preverem essa crise, já em 2006.
Foi chamado de catastrófico, apocalíptico e alarmista então. O sr. se
sente vingado, de alguma maneira?
ROUBINI - Vingado não é a palavra, pela quantidade de desastres que essa crise trouxe, mas
eu estava seguro de que minhas
análises eram plausíveis e que
meus dados eram corretos, que
eu tive a honestidade intelectual de manter meus pontos de
vista porque sabia que estava
certo. E, infelizmente, eu estava certo.
FOLHA - Por que o sr. foi quase uma
exceção?
ROUBINI - Os que fazem a política econômica tinham receio de
dizer que temiam pelo futuro
da economia, muitos analistas
econômicos fazem previsões
que procuram agradar a seus
clientes, havia ainda um clima
de euforia, muita gente dizendo
que era um novo mundo, que
seria diferente dessa vez. Muita
gente dizendo que não se tratava de uma bolha imobiliária,
mas de uma série de pequenos
avanços...
FOLHA - O que o sr. não previu? O
que o surpreendeu?
ROUBINI - A velocidade com
que os 12 passos que eu previ
aconteceram. Na minha análise, o que aconteceu desde a
quebra do Lehman Brothers levaria talvez dois anos.
FOLHA - O sr. trabalha numa nova
série de passos?
ROUBINI - Não, em vez de ficar
prevendo desgraças novas, estou me dedicando a sugerir soluções para a catástrofe.
FOLHA - O Plano Paulson vai funcionar?
ROUBINI - Não, falta muita coisa. Recapitalizar o sistema bancário, lidar diretamente com os
mutuários inadimplentes, fazer uma triagem entre os bancos que merecem ser salvos e os
que devem quebrar, muito
mais tem de ser feito para que o
plano funcione, e eu não vejo isso acontecendo.
FOLHA - O secretário do Tesouro,
Henry Paulson, e o presidente do
Fed, Ben Bernanke, parecem estar
sempre um passo atrás dos acontecimentos.
ROUBINI - Sim, atrás da curva, e
isso prejudica até as ações positivas que eles tomam. Muitas
vezes os mercados têm reagido
mal a boas iniciativas, porque
chegam tarde.
FOLHA - O próximo presidente vai
encarar o pior da crise. Qual a diferença fundamental entre a política
econômica do democrata Barack
Obama e a do republicano John
McCain?
ROUBINI - A principal diferença
é que Obama, a quem apóio, tomará ações mais decisivas para
lidar com a crise, não deixará o
mercado cuidar de si mesmo.
Precisaremos de uma intervenção mais formal, e isso estava
faltando na última gestão e
continuará faltando na de
McCain. Essa será a principal
diferença entre os dois.
FOLHA - O sr. se incomoda de ter sido apelidado "Sr. Apocalipse"?
ROUBINI - Não ligo. Não é que
eu seja uma pessoa permanentemente pessimista em relação
ao mercado, eu serei o primeiro
a gritar "a crise acabou!" quando ela acabar e me tornarei um
otimista. Creio, na verdade, que
ainda há muitas oportunidades
na economia global para que
mercados emergentes cresçam
num ritmo sustentável, mesmo
agora. Não é uma questão de
otimismo versus pessimismo.
É que os eventos das últimas
semanas surpreenderam até
mesmo o meu pessimismo.
FOLHA - Quando o sr. se sentirá otimista?
ROUBINI - Quando eu sentir que
chegamos ao fundo do poço, o
que não aconteceu. Eu vejo
uma luz no fim do túnel, mas é
uma locomotiva vindo em nossa direção...
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