São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2005

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EFEITO COLATERAL

Burocracia, alta do dólar e demora na aprovação da "MP do Bem" podem inviabilizar pólo siderúrgico de US$ 10 bi

China suspende usina de US$ 2,4 bi no MA

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O Pólo Siderúrgico do Maranhão, que atrairia investimentos de US$ 10 bilhões, corre o risco de não sair do papel. A valorização do real, o atraso na aprovação da "MP do Bem", conflitos no licenciamento ambiental das usinas, a disputa política em torno da regularização do terreno e a super-oferta de aço no mundo conspiram contra o projeto.
A chinesa Baosteel anunciou anteontem o adiamento do investimento de US$ 2,4 bilhões que faria em conjunto com a brasileira Vale do Rio Doce e a européia Arcelor no pólo do Maranhão. "Tivemos algumas dificuldades em termos de aquisição de terrenos, certificações ambientais e impostos", afirmou o presidente mundial da Baosteel, Xu Lejiang, de acordo com a agência Reuters, sem definir novos prazos.
O governador do Maranhão, José Reinaldo Tavares (PTB), disse que os investimentos não começarão neste ano e, talvez, nem em 2006, o último de seu mandato.
"O Brasil perdeu a época de grande euforia mundial com o mercado do aço", declarou Tavares à Folha. Segundo o governador, o atraso decorre de questões "conjunturais", que podem ser superadas em 2006 ou perdurar por mais três a cinco anos. A mais grave, em sua opinião, é a excessiva valorização do real em relação ao dólar, que aumenta o valor dos investimentos externos e reduz a rentabilidade dos exportadores.
O investimento de US$ 2,4 bilhões é um dos mais ambiciosos itens do relacionamento entre Brasil e China e foi a estrela dos projetos sacramentados pelos presidentes Hu Jintao e Luiz Inácio Lula da Silva durante visita do chinês ao Brasil, em 2004.
Outra empresa que entraria no pólo siderúrgico em conjunto com a Vale, a sul-coreana Posco, já havia suspendido a decisão há alguns meses. A siderúrgica preferiu colocar suas fichas na construção de uma usina na Índia, com capacidade para produzir 3 milhões de toneladas/ano.
O adiamento dos investimentos ocorre em um momento de queda do preço do aço no mercado internacional, provocada pelo aumento da produção na China.
O país asiático importava aço até o ano passado, mas deve fechar 2005 como exportador do produto. A China aumentou sua capacidade de produção para cerca de 350 milhões de toneladas/ano, o que pode levar a uma super-oferta mundial. É por isso que o governador do Maranhão diz que o Brasil perdeu o melhor momento para investir no setor.
O projeto do pólo do Maranhão prevê uma terceira usina, com investidores ainda não definidos. A capacidade total seria de 22,5 milhões de toneladas/ano. O Brasil produz hoje cerca de 34 milhões.
As usinas do Maranhão fazem parte da estratégica da Vale de trazer investimentos em siderurgia ao Brasil. Maior produtora e exportadora de minério de ferro do mundo, a empresa tem interesse em fornecer a matéria-prima a empresas instaladas no território nacional, nas quais teria participação minoritária.
Apesar de a opção pelo Maranhão só ter sido definida no ano passado, o investimento conjunto com a Baosteel vem sendo discutido há três anos, afirma o diretor de Novos Negócios e Energia da Vale, Murilo Ferreira.
Nesse período, dois outros projetos trazidos ao Brasil pela mineradora tiveram evolução mais rápida: a usina da alemã Thyssen-Krupp no Rio e a que será construída no Ceará pela sul-coreana Dongkuk e a italiana Danieli.
"Estamos preocupados com o projeto de São Luís", disse Ferreira à Folha. O diretor da Vale disse que não recebeu nenhuma comunicação oficial da Baosteel sobre o adiamento dos investimentos. "Continuamos com a mesma disposição de tocar o projeto." A usina do Maranhão usaria o minério de ferro produzido pela Vale em Carajás, no Pará.
Segundo Ferreira, a excessiva valorização do real é um problema para todos os projetos de investimentos voltados à exportação que estão vindo para o Brasil, não apenas o da Baosteel.
Ferreira atribui o atraso no Maranhão à demora na regularização do terreno e na aprovação da "MP do Bem", que desonera impostos em atividades voltadas para exportação. No caso da siderúrgica da Baosteel, a economia é de US$ 160 milhões em tributos.
A "MP do Bem" perdeu a validade no início de outubro e teve de ser incluída em outra medida provisória, que terminou aprovada no fim do mês.
A transformação do terreno em área industrial está encontrando dificuldades na Câmara de Vereadores de São Luís, atribuída pelo governador a disputas políticas com a família Sarney, da qual é adversário.
Sem a regularização do terreno, a Vale diz que não pode iniciar o processo de licenciamento ambiental das obras, outro problema no caminho dos investimentos.
Fernando César Mesquita, porta-voz do senador José Sarney (PMDB-AP), disse à Folha que o grupo político do ex-presidente não tem nenhum interesse em adiar o pólo siderúrgico e não tem maioria na Câmara de Vereadores para impedir a regularização do terreno.


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