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ENTREVISTA
JEAN-CLAUDE TRICHET
Mundo chega a consenso de mais regulação no mercado
Novas normas e fiscalização mais rígida se aplicariam a todas as instituições
PARA JEAN-CLAUDE TRICHET , 65, presidente do Banco Central Europeu, todos os
países concordam que o funcionamento do
sistema financeiro e da economia mundial
precisa ser bastante melhorado. Novas regras e padrões devem ser aplicados a todo tipo de mercado, incluindo instrumentos complexos e instituições, com o
objetivo de torná-los mais transparentes.
No processo de estabelecimento desses paradigmas,
é inegável que as economias emergentes devem ter
maior participação, defende ele, já que essas nações
sustentarão o crescimento global por algum tempo.
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Embora faça questão de frisar que o BCE não está se desviando da sua função primordial de combater a inflação, o
economista explica que, ao reforçar a credibilidade da instituição nessa tarefa, também está contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento.
Aos que defendem mais gastos públicos como medida adicional na luta para evitar uma
desaceleração pior, Trichet
alerta: o resultado pode ser
contraproducente.
Leia, abaixo, trechos da entrevista concedida pelo presidente do BCE no final da tarde
do último sábado. Ele foi recebido na sede da Folha.
FOLHA - Um dos mandamentos da
política monetária diz que os bancos
centrais devem se ocupar unicamente da inflação. Mas o senhor indicou, recentemente, estar mais
preocupado com a desaceleração da
atividade na Europa do que com os
preços. Em tempos de uma crise severa, como agora, aquele dogma
deixa de ser observado?
JEAN-CLAUDE TRICHET - Eu não
disse isso. Não estamos mudando a maneira como encaramos
a nossa estratégia de política
monetária. Consideramos que
o nosso mandato principal tem
sido -é hoje e será amanhã-
cuidar da estabilidade dos preços no médio prazo. Esse é o
mandato que nos pediram para
cumprir segundo o Tratado de
Maastricht. Nessa perspectiva,
decidimos cortar a taxa de juros
em 100 pontos-base em menos
de um mês porque observamos
uma significativa diminuição
das pressões inflacionárias.
Também levamos em consideração que retomamos o controle das expectativas de inflação
para o médio prazo. Confio profundamente que, tendo credibilidade em cuidar da estabilidade de preços, estamos contribuindo para o crescimento sustentável, para a criação de empregos, e apoiando a estabilidade financeira. Nossos cidadãos
têm que ser reassegurados de
que o seu poder de compra será
preservado. É muito importante que todos os agentes tomem
as decisões apropriadas porque
podem confiar na credibilidade
do cuidado sobre a estabilidade
de preços. Uma sólida ancoragem de expectativas a respeito
da inflação também permite
que tenhamos taxas de juros de
mercado de médio e longo prazos mais favoráveis para o crescimento e menos volatilidade, o
que é essencial em turbulências
financeiras.
FOLHA - Por que o mercado financeiro continua nervoso apesar de todas as medidas tomadas?
TRICHET
- Fomos um dos primeiros bancos centrais no
mundo a reagir imediatamente, em 9 de agosto de 2007,
quando tivemos as primeiras
tensões nos mercados de crédito. Decidimos prover liquidez
para colocar o mercado em
uma situação na qual funcionasse o mais normal possível
dentro das circunstâncias.
Aplicamos o princípio da separação entre a nossa política monetária, que é desenhada para
cuidar da estabilidade de preços no médio prazo, e a implementação dessa política -no
que diz respeito às taxas de juros decididas com esse objetivo-, a qual é administrada com
uma visão de amenizar as tensões no mercado de crédito.
Apesar de os bancos centrais
terem sido bastante pró-ativos
colocando uma linha de defesa
contra a ameaça à liquidez sistêmica e os governos terem colocado uma segunda linha contra o que eu chamaria de ameaça à solvência do sistema, neste
momento em que estou conversando com vocês ainda há
um nível de tensões que não leva totalmente em consideração
todas as decisões tomadas.
FOLHA - Isso significa que os mercados não confiam nos governos?
TRICHET - Não. Acho que é uma
questão de tempo. Pedi aos
bancos comerciais que acelerem o processo de levar totalmente em consideração as decisões que já foram tomadas.
FOLHA - Até que ponto os países
emergentes como China e Brasil podem ajudar a evitar uma crise global
ainda pior?
TRICHET - Precisamos reconhecer que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial,
estamos vendo uma resiliência
muito impressionante das economias emergentes, enquanto
as economias industriais foram
bastante afetadas. Isso era verdade desde o início das turbulências, em agosto do ano passado. A partir do meio de setembro de 2008, ficou bastante
claro que mesmo o mundo
emergente está sentindo o que
aconteceu nas nações industrializadas. Eu nunca falei de
descolamento. É claro que estamos em um mundo no qual somos todos interdependentes e,
assim, atingidos pelos fenômenos que acontecem aqui ou ali.
Para que a economia mundial
saia desse período difícil que
temos à nossa frente, temos
que contar muito muito com
Brasil, com México, com China,
com Índia e com as principais
economias emergentes. O potencial para o crescimento global está aí. O que não significa
que o mundo industrializado
não tenha que se colocar em ordem e contribuir também para
um crescimento firme e sustentável.
FOLHA - A Europa também precisa
de um pacote para estimular o crescimento, como o Brasil possui o seu
PAC?
TRICHET - Os países da zona do
euro estão em situações muito
diferentes. Alguns felizmente
têm políticas fiscais exemplares e eu diria que possuem margem para manobra. Mas esse
não é o caso de todos. Infelizmente, há países que não têm
margem de manobra. Nesses
casos em particular, uma atitude fiscal pró-ativa, ao invés de
causar um impacto positivo na
economia, pode prejudicar a
confiança, com todos os agentes econômicos esperando que
o governo resolva esses desequilíbrios aumentando impostos depois. Para todos, temos
um sistema que é o Pacto de Estabilidade e Crescimento.
FOLHA - Qual a sua opinião sobre a
idéia de um governo econômico europeu, como proposto pela França?
TRICHET - Há algumas sugestões de que a zona do euro precisa de um governo econômico.
E devo dizer que um grande número de vozes aceitaria uma
"governança econômica", porém não a expressão "governo
econômico", porque temem
que isso significaria uma exortação de pressões sobre o banco
central independente. Como
presidente do BCE, sempre digo que o banco central é totalmente independente. Nossa
credibilidade se apóia totalmente na independência, garantida pelas democracias européias. Os governos e a Comissão Européia têm a sua governança a aplicar. Em particular,
o Pacto de Estabilidade e Crescimento, na área de política fiscal, é um elemento chave. Também é preciso certamente aprimorar a implementação da
agenda de Lisboa, as reformas
estruturais. O pacto, essas reformas e a fiscalização rígida
sobre a evolução do custo do
trabalho em cada economia
são os três pilares que estão
claramente sob a responsabilidade dos governos. Iniciativas para apoiar a efetiva implementação desses elementos
são positivas.
FOLHA - O senhor sentiu, nos últimos meses, ou talvez especialmente nos últimos 60 dias, algum tipo de
pressão por parte dos governos para
um maior foco no crescimento e não
na inflação, por causa da perspectiva de recessão?
TRICHET - Todos os governos
entendem muito bem que devem respeitar as regras do tratado e sabem que nossa credibilidade é essencial para que consigamos cuidar da estabilidade
de preços e conseqüentemente
permitir o crescimento sustentável e a criação de empregos.
FOLHA - O senhor é a favor de reformar o FMI (Fundo Monetário Internacional), que é uma instituição
dominada pelos países ricos? O Brasil defende que os países emergentes tenham mais voz do que hoje em
dia. Como a instituição poderia ser
transformada?
TRICHET - Creio que há um consenso que considera normal
que as economias emergentes
-levando em consideração a
sua crescente influência, o tamanho do seu PIB [Produto Interno Bruto] e a rapidez do seu
crescimento- deveriam se tornar mais influentes no FMI e
no nível de instituições econômicas globais em geral. Acho
que ninguém esta discutindo o
fato de que o G20 está ganhando mais e mais influência. A
próxima questão é como acelerar o processo para que as entidades sejam inclusivas.
FOLHA - O senhor acha que é realmente possível controlar todos os
instrumentos financeiros complexos, os hedge funds e agências de
classificação de risco?
TRICHET - Precisamos deixar
bem claro que nas economias
de mercado há riscos, senão
não seriam economias de mercado. Se há riscos, de tempos
em tempos acontece a materialização dos riscos. Precisamos
aprimorar muito significativamente o atual funcionamento
do sistema econômico global e
a economia global. Temos um
grande consenso sobre mais
transparência nos instrumentos financeiros, nos mercados e
nas instituições. Precisamos de
regras apropriadas, padrões e
códigos. Isso é válido para todas
as instituições, incluindo as altamente alavancadas. E, finalmente mas não por último, temos que introduzir mais disciplina nas políticas macroeconômicas no que diz respeito às
políticas fiscais mas também à
devida disciplina para prevenir
desequilíbrios excessivos internos e externos.
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