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VINICIUS TORRES FREIRE
Contra a cultura
Subsídio cultural leva mais dinheiro que programas de educação básica e ciência, mas paga diversão de ricos
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LIVRO DE ARARA e filme brasileiro costumam levar aquela logomarca verde-amarela da Lei Federal de Incentivo à Cultura, a
Lei Rouanet. A bandeirinha auriverde indica que uma empresa pagou
menos imposto por ter "dado o
maior apoio" a uma iniciativa dita
cultural. A empresa ainda faz propaganda grátis de si mesma ao posar de
mecenas com dinheiro público.
Em muita sala de espera de empresa e banco há livro de arara na
mesa de centro. Livro de arara, floresta, Pantanal e de fotografia de pobres, com aquelas fotos de senhoras
pardas, lenço na cabeça, à janela da
casa de taipa num sertão qualquer,
fitando o infinito da sua desgraça.
Mas colegas desta Folha têm revelado que livro de arara já era. As
várias leis pró-cultura e empresas
públicas financiam cada vez mais o
entretenimento de ricos e suas empresas: Cirque du Soleil, "Fantasma da Ópera", show pop, série de TV, festa de livros em Parati, quase
tudo besteira. Ainda que não seja
besteira, por que subsidiar ricos?
Há subsídio para fabricar e comprar TV, "home theater" e celular.
Por que não para filme, festa literária "al mare" e show teatral? Cinema é indústria, assim como as fábricas paulistas e as múltis da Zona
Franca de Manaus, por exemplo,
que levam muito mais subsídio.
Mas a tese da generalização da teta
não vai nos fazer bem, não.
"Neste país" de cinemas e teatros
com nomes de bancos e bancos
com nomes como Kandinsky Dali
Personality Premium, ou uma tigrada dessas qualquer, parte do
mecenato privado é bancada pelo
governo. "Projetos culturais" e
muita "responsabilidade social"
socialite levam "apoio" de empresas, não da pessoa física. É mais fácil reduzir a conta do imposto. Ainda mais fácil é o subsídio na veia.
Sim, trata-se de privatização à
matroca de fundos públicos. O caldo da cultura sugado pelo marketing privado é bancado pelo crioulo, direta ou indiretamente.
Talvez se faça coisa prestante
com o subsídio. Mas a lei da cultura
criou uma nova geração de cracas
nas paredes do Estado, como ocorreu com ONGs, organizações sociais, empresas de publicidade etc.
As cracas sugam dinheiro público
escasso por meio dessas parcerias
público-privadas obscuras.
Em 2005, foram R$ 677 milhões
pelos canos da Lei Rouanet. Foi
menos de 0,2% da receita federal
disponível. Mas foi o orçamento da
Embrapa, a empresa de pesquisa
da tecnologia agropecuária, que
sustenta a maior parte do saldo do
comércio externo do país.
A Capes gastou menos do que isso para bancar metade das bolsas
de pós-graduação do país. O dinheiro federal para complementar
a miséria per capita gasta em educação básica não tem passado de
R$ 400 milhões anuais.
Para quem vai o dinheiro? Cerca
de dois terços fica no eixo Rio-SP.
Um supersucesso do cinema nacional é visto por 3 milhões de pessoas, 1,5% da população. Quase tudo no Brasil acaba na mão do 1,5%
mais rico e bem relacionado.
O pior problema cultural do país
é a imensidão de pessoas que não
sabe ler ou fazer regra de três. Isso
não quer dizer que se deva, sem
mais, passar a faca na lei da "cultura" e destruir empreendimentos.
Ou deixar múltis da diversão livres
para pagar jabá e sufocar o negócio
nacional. Ou largar bibliotecas e
patrimônio histórico às traças.
Mas, francamente, não se trata
aqui das alturas do espírito, mas de
negócios, na maior parte dos casos.
Negócios com verba pública. É preciso saber o quanto rendem para o
interesse público, se rendem.
vinit@uol.com.br
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