São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Contra a cultura


Subsídio cultural leva mais dinheiro que programas de educação básica e ciência, mas paga diversão de ricos

LIVRO DE ARARA e filme brasileiro costumam levar aquela logomarca verde-amarela da Lei Federal de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet. A bandeirinha auriverde indica que uma empresa pagou menos imposto por ter "dado o maior apoio" a uma iniciativa dita cultural. A empresa ainda faz propaganda grátis de si mesma ao posar de mecenas com dinheiro público.
Em muita sala de espera de empresa e banco há livro de arara na mesa de centro. Livro de arara, floresta, Pantanal e de fotografia de pobres, com aquelas fotos de senhoras pardas, lenço na cabeça, à janela da casa de taipa num sertão qualquer, fitando o infinito da sua desgraça.
Mas colegas desta Folha têm revelado que livro de arara já era. As várias leis pró-cultura e empresas públicas financiam cada vez mais o entretenimento de ricos e suas empresas: Cirque du Soleil, "Fantasma da Ópera", show pop, série de TV, festa de livros em Parati, quase tudo besteira. Ainda que não seja besteira, por que subsidiar ricos?
Há subsídio para fabricar e comprar TV, "home theater" e celular.
Por que não para filme, festa literária "al mare" e show teatral? Cinema é indústria, assim como as fábricas paulistas e as múltis da Zona Franca de Manaus, por exemplo, que levam muito mais subsídio.
Mas a tese da generalização da teta não vai nos fazer bem, não.
"Neste país" de cinemas e teatros com nomes de bancos e bancos com nomes como Kandinsky Dali Personality Premium, ou uma tigrada dessas qualquer, parte do mecenato privado é bancada pelo governo. "Projetos culturais" e muita "responsabilidade social" socialite levam "apoio" de empresas, não da pessoa física. É mais fácil reduzir a conta do imposto. Ainda mais fácil é o subsídio na veia.
Sim, trata-se de privatização à matroca de fundos públicos. O caldo da cultura sugado pelo marketing privado é bancado pelo crioulo, direta ou indiretamente. Talvez se faça coisa prestante com o subsídio. Mas a lei da cultura criou uma nova geração de cracas nas paredes do Estado, como ocorreu com ONGs, organizações sociais, empresas de publicidade etc.
As cracas sugam dinheiro público escasso por meio dessas parcerias público-privadas obscuras.
Em 2005, foram R$ 677 milhões pelos canos da Lei Rouanet. Foi menos de 0,2% da receita federal disponível. Mas foi o orçamento da Embrapa, a empresa de pesquisa da tecnologia agropecuária, que sustenta a maior parte do saldo do comércio externo do país.
A Capes gastou menos do que isso para bancar metade das bolsas de pós-graduação do país. O dinheiro federal para complementar a miséria per capita gasta em educação básica não tem passado de R$ 400 milhões anuais.
Para quem vai o dinheiro? Cerca de dois terços fica no eixo Rio-SP.
Um supersucesso do cinema nacional é visto por 3 milhões de pessoas, 1,5% da população. Quase tudo no Brasil acaba na mão do 1,5% mais rico e bem relacionado.
O pior problema cultural do país é a imensidão de pessoas que não sabe ler ou fazer regra de três. Isso não quer dizer que se deva, sem mais, passar a faca na lei da "cultura" e destruir empreendimentos.
Ou deixar múltis da diversão livres para pagar jabá e sufocar o negócio nacional. Ou largar bibliotecas e patrimônio histórico às traças.
Mas, francamente, não se trata aqui das alturas do espírito, mas de negócios, na maior parte dos casos.
Negócios com verba pública. É preciso saber o quanto rendem para o interesse público, se rendem.

vinit@uol.com.br


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