São Paulo, quinta, 10 de dezembro de 1998

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Aliados para reduzir a crise do Brasil

ALOYSIO BIONDI
² No momento em que o Brasil se joga nos braços do FMI e dos EUA, é essencial uma volta completa pelo mundo para avaliar o que o ano de 1999 reserva aos brasileiros. Desde já pode-se dizer que 1999 será um ano marcante na história do planeta Terra, com verdadeiras "revoluções", como a consolidação da força política e econômica da Europa, capaz de formar um "bloco" que colocará em xeque a hegemonia que os EUA vêm desfrutando há décadas. Essa "revolução" permanente, de mudanças no jogo de poder no mundo, tem sido insuficientemente avaliada nas análises políticas e econômicas. Vale a pena ir direto aos fatos:
- Europa: com a eleição de Schroeder na Alemanha, todos os principais países europeus passaram a ser governados por partidos de "esquerda". Há agora homogeneidade de pontos de vista entre esses países, trazendo consequências pouco apercebidas já nos últimos meses. Primeira: com o fim das divergências, a moeda única da União Européia, o euro, começa a "circular" agora em janeiro. Com ela, o dólar passa a ter um concorrente, isto é, deixa de ter o privilégio de ser a única moeda de aceitação mundial.
- Neoliberalismo: há menos de um mês, os chefes de Estado dos países europeus assinaram documento -pouco divulgado- declarando como prioridade absoluta a retomada do crescimento econômico e a criação de empregos. Isto é, a Europa rejeita exatamente a política defendida por Clinton, FMI e porta-vozes neoliberais, de prioridade à "liberdade de mercados" (semente da intensa especulação que "quebrou" países) e, principalmente, à "estabilidade das moedas" (que tem levado às fantásticas taxas de juros que quebram o Tesouro e a economia dos países).
- FMI, Clinton: a ascensão da Europa no cenário mundial significa, assim, um enfraquecimento para FMI e EUA -e seu receituário recessivo.
- Banco Mundial: entrou em confronto com o FMI. Há dias, novo relatório condenou as políticas do Fundo por agravarem os problemas dos países ao provocarem recessão, quebrarem empresas, derrubarem a arrecadação, aumentarem a inadimplência e, consequentemente, destruírem os bancos.
² A vez dos EUA
Essas são as "revoluções" no campo político que 1999 vai consolidar. E no campo econômico? A Europa tem condições de fazer frente aos EUA?
- EUA: ao contrário do que a opinião pública mundial foi levada a acreditar, os EUA sempre tiveram imensos "rombos", tanto em suas contas de "negócios" com o resto do mundo como no Tesouro. Com importações muito acima das exportações, o "rombo externo" dos EUA chega a níveis assombrosos, com déficits que estão chegando a US$ 20 bilhões por mês (por mês, mesmo). Em 1998, até outubro, esse "rombo" alcançou a fábula de US$ 220 bilhões (em 12 meses).
- Europa (e Japão): opostamente, a Europa tem saldos positivos substanciais em sua balança comercial: Alemanha, US$ 75 bilhões; França, US$ 30 bilhões; Itália, US$ 28 bilhões. E o Japão? Detém saldo recorde, de US$ 120 bilhões até outubro.
- O dólar: por que é que os EUA conseguem importar muito mais do que exportam e ficar com esse "rombo" de US$ 220 bilhões? Como é que os países "vendedores" das mercadorias são pagos? É aqui que entra o "segredo" da hegemonia dos EUA. A chave de tudo é o fato de o dólar ser a "moeda" aceita por todos os países. Assim, os EUA "pagam" seus "rombos" simplesmente emitindo, imprimindo -dólares ou títulos do Tesouro (para cobrir também os gigantescos déficits públicos, que chegam a US$ 100 bilhões, US$ 200 bilhões e até US$ 300 bilhões por ano). Quem compra esses papéis? Banqueiros, fundos de investimentos, investidores de todos os países, em operações do mercado internacional.
- Caloteiro: por simplesmente "imprimirem" dólares, os EUA sempre puderam viver com "rombos". Isto é, não são obrigados a cortar as importações, "esfriar a economia" para reduzi- las, elevar juros e impostos para provocar "desaquecimento". Isto é, os EUA não são forçados a adotar políticas recessivas, exatamente aquelas que Washington e o FMI impõem a países com "rombos" -como é o caso do Brasil.
- A dívida: com a emissão de títulos para pagar seus "rombos", os EUA acumularam uma dívida fantástica de US$ 3 trilhões (ironicamente, o Japão, tão criticado por Clinton/FMI, foi o comprador de 25% desses títulos ao longo dos anos, isto é, ajudou os EUA a cobrir rombos de US$ 750 bilhões).
- A queda: o "rombo" comercial dos EUA está dando novos saltos, por causa principalmente das exportações maciças dos países asiáticos, que já acumulam saldos fantásticos em dólar (exemplo: a Coréia, com US$ 35 bilhões até outubro). Ao mesmo tempo, a produção industrial cai, as fábricas demitem (250 mil até novembro), os lucros das empresas recuam. Todos os indicadores mostram que a economia dos EUA enfrentará problemas crescentes em 1999. Isso vai provocar novas turbulências na Bolsa de Valores e mercado financeiro norte-americano.
- A liderança: nesse cenário, o dólar enfrentará quedas no mercado mundial. Desta vez, o fenômeno não será passageiro, porque os "rombos" são crescentes e o euro estará em cena. Os governos europeus vão questionar os privilégios que os EUA sempre tiveram, graças ao dólar, no mundo. Uma "revolução", para ficar.
O governo FHC está aceitando condições inconcebíveis no acordo com FMI/Clinton. O cenário mundial mostra que é possível resistir e procurar outros aliados -na Europa.
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Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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