São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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Exportador terá até US$ 20 bi das reservas

BC deve anunciar, ainda neste mês, leilões de linhas de financiamento internacional para compensar a falta de crédito

Medida servirá para pressionar os bancos a reduzirem os "spreads", que subiram apesar da manutenção da taxa Selic

Mauricio Lima-22.set.08/France Presse
O presidente do BC, Henrique Meirelles, que quer usar parte das reservas externas do país para financiar empresas exportadoras

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, quer aumentar a pressão sobre os bancos para baixar os "spreads" (diferença entre o custo de captação do dinheiro e o juro cobrado dos clientes).
A maior arma com que ele conta nessa batalha é o lançamento, ainda neste mês, dos leilões de linhas de financiamento internacional com o uso das reservas para compensar a escassez de crédito externo.
Para essas novas linhas, o Banco Central pode oferecer até US$ 20 bilhões das reservas internacionais -de quase US$ 200 bilhões. As projeções do BC indicam que 4.000 empresas serão beneficiadas.
Dentro de 15 dias o Banco Central publicará uma portaria com a regulamentação da medida, e a partir daí começam os leilões. A medida já foi aprovada pelo Conselho Monetário Nacional em meados do mês passado. Com essa iniciativa, as empresas poderão ter acesso ao dinheiro das reservas para financiar suas exportações.
Meirelles acha que, com a adoção dessa medida, os bancos não terão mais justificativa para manter os "spreads" tão elevados. Nos últimos meses, desde setembro, apesar de a Selic (taxa básica de juros) ter se mantido inalterada em 13,75% ao ano, os "spreads" têm subido cerca de dois pontos percentuais, em média, por mês.
O presidente do Banco Central não considera justificáveis esses aumentos nos últimos meses. Os "spreads" sempre acompanharam a curva da taxa de juros no mercado futuro, e, desta vez, isso não aconteceu. Os juros futuros caíram, e os "spreads" subiram.
Na quarta-feira passada, esse descontentamento de Meirel- les com os "spreads" bancários ficou evidente durante reunião promovida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, com cerca de 15 associações empresariais em Brasília.
Nessa reunião, o presidente do Bradesco, Marcio Cypriano, que representava a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), sugeriu ao Banco Central que fizesse uma reunião extraordinária do Copom (Comitê de Política Monetária) nesta semana para baixar a Selic.
Numa reação considerada surpreendente, Meirelles respondeu que mais importante do que a Selic era o "spread" cobrado pelos bancos. Meirelles mostrou um gráfico comparando o comportamento dos "spreads" com a curva dos juros no mercado futuro, quando ficou claro o descolamento entre as duas taxas. Cypriano preferiu não levar o debate adiante.
Há uma suposição por parte de muitos analistas, inclusive de dentro do Banco Central, de que a queda antecipada da Selic iria aumentar significativamente os lucros dos bancos. E por um motivo muito simples: os bancos captam a taxas prefixadas no curto prazo e aplicam no longo prazo. A queda antecipada da Selic iria fazer com que os bancos pagassem taxas menores na captação.

Discussão complexa
A discussão é bastante complexa. Os bancos alegam que há razões técnicas para os "spreads" terem aumentado, apesar da queda dos juros futuros no país.
O economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio, diz, por exemplo, que o Banco Central cometeu um erro quando liberou parte do compulsório sobre os depósitos a prazo para os bancos comprarem carteiras de crédito de bancos de pequeno e de médio porte.
Naquele momento, preocupado em salvar os bancos pequenos, o Banco Central determinou, numa medida extrema, que iria deixar de remunerar a parte do compulsório que não fosse usada para a compra das carteiras dessas instituições. Os bancos não se interessaram em comprar essas carteiras e aumentaram os juros sobre os empréstimos para compensar a decisão do BC. O BC reconheceu o errou e voltou atrás.
Mas, além disso, há outros motivos, de acordo com Freitas, que levaram os bancos a aumentar os "spreads". O principal deles é o receio do aumento da inadimplência diante das perspectivas de piora da crise.
De qualquer forma, o fato é que Meirelles pretende agilizar o máximo possível o início da realização dos leilões das linhas de crédito externo para quebrar esse argumento dos bancos. Para Meirelles, essa injeção de dólares, somada à liberação dos depósitos compulsórios e à intenção dos bancos oficiais em baixar os juros, tende a restabelecer a normalidade dos mercados.
Freitas acha que essas medidas do Banco Central são, sem dúvida, importantes, mas podem não ser suficientes para baixar os "spreads". Ele acha que o Banco Central tem outras cartas na manga.
O economista não vê necessidade, por exemplo, de o Brasil ainda manter uma taxa de compulsório tão elevada. O compulsório já foi abolido no mundo inteiro. Não faz o menor sentido, a seu ver, num momento de crise como este, o BC manter quase R$ 200 bilhões em compulsório. Esse dinheiro ajudaria a irrigar o crédito interno e seria uma ferramenta importante para forçar os bancos a baixar os juros.

Duas taxas
O economista Sérgio Werlang, ex-BC e vice-presidente do Itaú, diz também que o dinheiro do compulsório liberado pelo Banco Central até agora não foi totalmente colocado no mercado, o que faz com que a medida tenha efeito limitado sobre a redução dos "spreads".
Outra medida que Freitas sugere -e que pode ter consequências também bastante favoráveis- é que o BC siga os exemplos de outros bancos centrais e adote duas taxas de juros. Uma seria a Selic, como é hoje, que serve como taxa básica de juros; a outra seria para remunerar os títulos públicos.
Assim como em outros países, a taxa básica de juros poderia ser maior do que a usada para remunerar os títulos públicos. Dessa forma, os bancos seriam obrigados a emprestar mais, já que eles teriam uma remuneração menor paga pelos títulos públicos.
"O nosso Banco Central é muito conservador. Não há necessidade de, em momentos de crise, o BC manter essa liturgia e ser tão bem comportado. Os outros BCs não estão agindo assim", diz o economista.


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