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"Heterodoxo" pede controle de capitais
João Sicsú, da UFRJ, diz que só juro menor não basta para evitar alta do real e recomenda reservas internacionais mais altas
Para economista, país vive "situação perigosa", com câmbio estável e muito
valorizado, e real deveria sofrer queda gradual
DO COLUNISTA DA FOLHA
O real está forte por causa
dos juros ou devido ao excesso
de dólares produzido pelo comércio exterior?
Difícil encontrar um economista reputado, mais ou menos
"ortodoxo" que não atribua a
valorização do real a um "mix"
desses motivos. Mas há diferenças de ênfase e discordâncias sobre a relação entre tais
fatores, dissenso que produz
recomendações de política econômica muito diferentes.
Grosso modo, de forma quase simplória, o debate parece
empatado entre duas posições
irredutíveis. Uma atribui mais
à diferença entre juros internos
e externos a causa da enxurrada de dólares, o que desvaloriza
a moeda americana, fortalece o
real, encarece produtos nacionais e prejudica a indústria.
No outro canto do ringue, o
fator essencial é o saldo comercial brasileiro, a diferença do
valor entre exportações e importações, a fonte de dólares.
João Sicsú, professor de economia na UFRJ, assume as posições tidas como mais heterodoxas no debate. Não tem dúvidas de que o diferencial de juros
é uma variável importante para
explicar o fluxo de capitais para
o Brasil. O diferencial de juros
caiu, mas permanece alto.
O real não se valorizou mais
devido à atuação mais intensa,
"mas ainda tímida" do Banco
Central, que comprou parte do
excesso de dólares. "Se não fosse a atuação do BC, já estaríamos comprando dólares nas lojas de "tudo a R$1,99'", diz.
"Há testes estatísticos que
comprovam que o influxo financeiro pode explicar com
mais peso a valorização do real
do que as transações comerciais com o exterior", afirma.
Sicsú ainda lista fatores como a atratividade da Bolsa, que
se valorizou de modo "extraordinário"; a isenção de impostos
para ganhos de estrangeiros
com investimentos em juros da
dívida pública (que compensou
a queda de rentabilidade devida
à redução dos juros).
Mais surpreendente, para
Sicsú, não é só a liqüidez (abundância de dinheiro no mercado
mundial), mas o tempo de permanência do capital financeiro
externo em aplicações brasileiras. A taxa de risco de longo
prazo do Brasil ainda é alta, na
sua avaliação, pois o país não
cresce, o real está muito forte (o
que aumenta o risco de desvalorização).
"Se, de forma repentina,
inexplicável, típica de financistas, as avaliações de curto prazo
se tornam pessimistas, tudo vai
se desmontar, pois as taxas de
câmbio e de crescimento da
economia são muito baixas. Estamos dependentes do humor
das finanças e de movimentos."
Sicsú considera que é preciso
reduzir os juros, sim, mas isso é
apenas parte de seu pacote de
política macroeconômica. O
economista defende controle
de capitais. Isto é, o fluxo de investimentos financeiros deve
estar sujeito a regras que reduzam a instabilidade da moeda,
os ciclos de valorização e desvalorização do real.
A vulnerabilidade externa seria reduzida apenas quando "os
ativos denominados em reais
sofrerem restrições para serem
convertidos em dólares. A própria dívida interna somente estará livre de ser dolarizada novamente se houver restrição à
conversibilidade de ativos denominados em reais para ativos
denominados em dólares e/ou
quando o volume de reservas
atingir "padrões asiáticos'".
Sicsú observa que essa é "a
tendência atual dos países que
estão atraindo capitais em excesso", o que tende a valorizar
suas moedas e a prejudicar suas
exportações, como a Argentina
e a Tailândia.
"Estamos numa situação perigosa, semelhante àquela promovida pelo Plano Real: câmbio estável e muito valorizado.
O BC teria de reduzir a taxa de
juros, para estimular os investimentos, como os previstos pelo
PAC, e iniciar um processo de
desvalorização gradual do
real", recomenda.
"Nossa vulnerabilidade externa será revelada quando o
país crescer a uma taxa de 5% e
continuar a praticar uma taxa
de câmbio valorizada, tal como
essa, de aproximadamente
R$ 2,10", diz. Quer dizer, o economista se preocupa com o risco de um redução abrupta do
saldo comercial e a decorrente
instabilidade de preços.
Mas um programa de desvalorização do real e de redução
de juros, com aumento de investimentos e de gastos públicos, como no PAC, não provocaria inflação?
"Não se pode controlar a inflação apenas com o "samba de
uma nota só" da taxa de juros",
acredita Sicsú. Qual seria a alternativa à política atual de
controle da inflação?
Investimentos em infra-estrutura para aumentar a produtividade. Controle de capitais
para estabilizar a taxa de câmbio. Um programa de administração dos preços administrados, "que são mais livres do que
os preços livres; a maior prova
disso é que os preços administrados crescem a uma velocidade maior do que própria inflação medida pelo IPCA", diz.
(VINICIUS TORRES FREIRE)
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