São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Heterodoxo" pede controle de capitais

João Sicsú, da UFRJ, diz que só juro menor não basta para evitar alta do real e recomenda reservas internacionais mais altas

Para economista, país vive "situação perigosa", com câmbio estável e muito valorizado, e real deveria sofrer queda gradual


DO COLUNISTA DA FOLHA

O real está forte por causa dos juros ou devido ao excesso de dólares produzido pelo comércio exterior?
Difícil encontrar um economista reputado, mais ou menos "ortodoxo" que não atribua a valorização do real a um "mix" desses motivos. Mas há diferenças de ênfase e discordâncias sobre a relação entre tais fatores, dissenso que produz recomendações de política econômica muito diferentes.
Grosso modo, de forma quase simplória, o debate parece empatado entre duas posições irredutíveis. Uma atribui mais à diferença entre juros internos e externos a causa da enxurrada de dólares, o que desvaloriza a moeda americana, fortalece o real, encarece produtos nacionais e prejudica a indústria.
No outro canto do ringue, o fator essencial é o saldo comercial brasileiro, a diferença do valor entre exportações e importações, a fonte de dólares.
João Sicsú, professor de economia na UFRJ, assume as posições tidas como mais heterodoxas no debate. Não tem dúvidas de que o diferencial de juros é uma variável importante para explicar o fluxo de capitais para o Brasil. O diferencial de juros caiu, mas permanece alto.
O real não se valorizou mais devido à atuação mais intensa, "mas ainda tímida" do Banco Central, que comprou parte do excesso de dólares. "Se não fosse a atuação do BC, já estaríamos comprando dólares nas lojas de "tudo a R$1,99'", diz.
"Há testes estatísticos que comprovam que o influxo financeiro pode explicar com mais peso a valorização do real do que as transações comerciais com o exterior", afirma.
Sicsú ainda lista fatores como a atratividade da Bolsa, que se valorizou de modo "extraordinário"; a isenção de impostos para ganhos de estrangeiros com investimentos em juros da dívida pública (que compensou a queda de rentabilidade devida à redução dos juros).
Mais surpreendente, para Sicsú, não é só a liqüidez (abundância de dinheiro no mercado mundial), mas o tempo de permanência do capital financeiro externo em aplicações brasileiras. A taxa de risco de longo prazo do Brasil ainda é alta, na sua avaliação, pois o país não cresce, o real está muito forte (o que aumenta o risco de desvalorização).
"Se, de forma repentina, inexplicável, típica de financistas, as avaliações de curto prazo se tornam pessimistas, tudo vai se desmontar, pois as taxas de câmbio e de crescimento da economia são muito baixas. Estamos dependentes do humor das finanças e de movimentos."
Sicsú considera que é preciso reduzir os juros, sim, mas isso é apenas parte de seu pacote de política macroeconômica. O economista defende controle de capitais. Isto é, o fluxo de investimentos financeiros deve estar sujeito a regras que reduzam a instabilidade da moeda, os ciclos de valorização e desvalorização do real.
A vulnerabilidade externa seria reduzida apenas quando "os ativos denominados em reais sofrerem restrições para serem convertidos em dólares. A própria dívida interna somente estará livre de ser dolarizada novamente se houver restrição à conversibilidade de ativos denominados em reais para ativos denominados em dólares e/ou quando o volume de reservas atingir "padrões asiáticos'".
Sicsú observa que essa é "a tendência atual dos países que estão atraindo capitais em excesso", o que tende a valorizar suas moedas e a prejudicar suas exportações, como a Argentina e a Tailândia.
"Estamos numa situação perigosa, semelhante àquela promovida pelo Plano Real: câmbio estável e muito valorizado. O BC teria de reduzir a taxa de juros, para estimular os investimentos, como os previstos pelo PAC, e iniciar um processo de desvalorização gradual do real", recomenda.
"Nossa vulnerabilidade externa será revelada quando o país crescer a uma taxa de 5% e continuar a praticar uma taxa de câmbio valorizada, tal como essa, de aproximadamente R$ 2,10", diz. Quer dizer, o economista se preocupa com o risco de um redução abrupta do saldo comercial e a decorrente instabilidade de preços.
Mas um programa de desvalorização do real e de redução de juros, com aumento de investimentos e de gastos públicos, como no PAC, não provocaria inflação?
"Não se pode controlar a inflação apenas com o "samba de uma nota só" da taxa de juros", acredita Sicsú. Qual seria a alternativa à política atual de controle da inflação?
Investimentos em infra-estrutura para aumentar a produtividade. Controle de capitais para estabilizar a taxa de câmbio. Um programa de administração dos preços administrados, "que são mais livres do que os preços livres; a maior prova disso é que os preços administrados crescem a uma velocidade maior do que própria inflação medida pelo IPCA", diz.
(VINICIUS TORRES FREIRE)


Texto Anterior: Outro lado: Telecom Italia nega acusação de irregularidades
Próximo Texto: Para "ortodoxos", contexto global valoriza a moeda
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.