São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

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Margem para exportar álcool é pequena

Apesar de Brasil ter alta produtividade, fatores como demanda interna forte e ausência de regulação atrapalham planos de exportação

Falta de políticas públicas para o desenvolvimento do setor e concorrência de outros países também são apontados como empecilhos


CLÁUDIA DIANNI
HUMBERTO MEDINA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo proclama a liderança do Brasil na área de etanol, mas o país ainda não está totalmente preparado para aproveitar as oportunidades.
Apesar da alta produtividade, o país é limitado pela forte demanda interna e pela falta de políticas públicas para orientar o desenvolvimento do setor.
As preocupações mundiais com o aquecimento global levam a uma corrida para assegurar fontes de energia que não emitam monóxido de carbono. Isso aumenta a demanda, mas o Brasil ainda não tem um marco regulatório que garanta o abastecimento doméstico e regule os estoques de etanol, por exemplo.
O país também não criou políticas públicas para incentivar exportações, não só de etanol mas de equipamentos para montagem de usinas, motores "flex" ou modelos de gestão.
Segundo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), não falta crédito para financiar o setor. Os gastos do banco com projetos relacionados ao etanol aumentaram de R$ 730 milhões em 2002 para R$ 2,1 bilhões no ano passado e já há projetos para a construção de 100 novas usinas até 2012, além das 23 que estão em construção hoje.
O problema é de velocidade no desenvolvimento de políticas públicas para o setor. Com mais de 30 anos de experiência no uso do etanol como combustível e a produção mais competitiva do mundo, o Brasil foi ultrapassado em 2006 pelos EUA, que, mesmo com custo de produção 30% maior, produziram quase 20 bilhões de litros de etanol, enquanto o Brasil produziu 14,3 bilhões de litros.

Limitações
Na avaliação do governo, três fatores limitam a ampliação da participação do Brasil no mercado mundial de etanol: a demanda do mercado interno, a concorrência com a produção de outros mercados, como África e América Central, e a questão da dependência.
"A folga para exportar é pequena", avalia Roberto Ardenghy, superintendente de Abastecimento da ANP (Agência Nacional do Petróleo). "Os outros países não vão querer ficar dependentes do álcool brasileiro. A exportação vai ocupar um nicho de mercado", avalia.
Ele afirmou que, além da procura por veículos "flex", há uma "demanda cativa", de aproximadamente 6 bilhões de litros por ano, para o álcool que é misturado à gasolina.
De acordo com o monitoramento feito pela ANP, 89 novas usinas devem entrar no mercado nos próximos cinco anos, com capacidade para produzir 6 bilhões de litros. Cerca de 40% do aumento da oferta deve ir para o mercado externo.
Para Ardenghy, o mercado europeu tende a ser suprido por países africanos. "Nossa opção é vender a tecnologia brasileira", disse.
Ricardo Dornelles, diretor do Ministério de Minas e Energia, afirma que a liderança do Brasil não tem que ser necessariamente na produção, e sim na tecnologia. "Temos que manter a capacidade de produzir grandes volumes com preços competitivos."
A ANP e o Ministério de Minas e Energia defendem que o álcool seja uma "commodity energética" e tenha tratamento semelhante ao dado à gasolina para exportação.
Hoje, um decreto estabelece que, para haver exportação de gasolina, o mercado interno precisa estar atendido. Não há essa restrição para o álcool. Acompanhando os contratos de exportação, a ANP tem como ver, com antecedência de seis meses, se haverá problema de abastecimento do mercado interno e informar o governo.

Estratégia
A Petrobras tem analisado oportunidades para aproveitar a crescente demanda por etanol. Ela se associou à trading japonesa Mitsui e pretende construir entre 30 e 40 usinas no país, com produção voltada só para exportação. A expectativa da estatal é que o mercado japonês demande 3,5 bilhões de litros por ano em 2011.
"A posição do Brasil é muito confortável, a nossa produtividade é muito boa. A tendência é o Brasil ser um grande supridor de etanol", avalia Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento da Petrobras.
Outra iniciativa da estatal vai começar nos próximos meses em Pernambuco. O projeto prevê o financiamento do Banco do Nordeste para a construção de destilarias gerenciadas por cooperativas de produtores de cana. A estatal assumiria em contrato a exclusividade na compra do etanol produzido.
O ritmo de implementação do projeto demonstra a velocidade com que o governo lida com a questão. "Talvez consigamos montar uma destilaria-piloto em 2007, mas isso é coisa para começar no ano que vem ou no outro", disse Geraldo Carneiro Leão, presidente do sindicato dos produtores de cana-de-açúcar de Pernambuco.

Público e privado
Para o professor Weber Amaral, da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da Universidade de São Paulo, ainda há tempo de alcançar a dianteira no desenvolvimento de tecnologias para produção de etanol, como a hidrólise da cana-de-açúcar.
Mas seria necessário maior empenho do governo ou da iniciativa privada em aglutinar esforços e planos hoje dispersos em uma única rede em um projeto nacional. E isso a Alemanha, os Estados Unidos e a França já vêm fazendo com mais eficiência do que o Brasil.
Segundo Amaral, se não houver uma liderança nacional capaz de "olhar para a tecnologia do futuro" e investir pesadamente nisso, o Brasil corre o risco de continuar sendo um grande exportador de produtos agrícolas, e não de tecnologia.


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