São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Volatilidade

Um pior cenário externo talvez leve o governo Lula a retomar o processo de reformas do 1º mandato

DESDE O DIA 27 de fevereiro os mercados financeiros parecem ter entrado em um período de maior volatilidade e, com as exceções de praxe, queda de preço de ativos. O início dessa fase de nervosismo coincidiu com uma forte baixa na Bolsa de Xangai, seguida por quedas nas principais Bolsas da Ásia, da Europa e das Américas. As perdas atingiram praticamente todos os ativos mais arriscados, evidenciando um menor apetite para o risco entre os investidores. Na quinta-feira (dia 8), quando escrevo esta coluna, o ambiente está mais calmo, mas há ainda muita incerteza sobre o futuro próximo.
Como sempre, é difícil apontar um evento que teria iniciado essa mudança de humor. A Bolsa chinesa é uma candidata inverossímil para o papel de vilão. Os investidores locais são pouco sofisticados e o resultado são preços descolados da realidade das companhias e um alto volume de transações diário. O ruído na Bolsa de Xangai é praticamente ignorado no exterior.
Candidatos um pouco mais plausíveis são o reconhecimento das dificuldades por que passam algumas das companhias americanas que se especializam no crédito imobiliário para clientes mais arriscados e os sinais de queda de atividade nos Estados Unidos. Mas essas novidades não chegaram aos mercados financeiros de uma só vez, e, finalmente, a única explicação é que mudou a atitude dos investidores, que passaram então a exigir maior recompensa para riscos -o que na verdade não esclarece nada. Ainda não se sabe qual é o tamanho dessa mudança de humor.
O Brasil é hoje menos sensível à instabilidade do mercado financeiro. O país tem superávit em conta corrente, portanto não necessita de novos financiamentos. Para o câmbio, um aumento do prêmio de risco exigido tem um efeito semelhante a um corte na taxa de juros no Brasil -diminuindo o atrativo do "carry trade", uma das forças que têm puxado a valorização do real. Esse movimento vai ser acolhido com satisfação pelos exportadores e pelos fabricantes de produtos que concorrem com importados e, provavelmente, diminuir as pressões para o Banco Central intervir no mercado de moedas, intervenções que têm um custo fiscal elevado. Há também perdedores -os consumidores em geral e as empresas com dívidas em moeda estrangeira, por exemplo-, mas, se o aumento do "risco Brasil" for moderado, não há muito a temer.
O discurso em que Alan Greenspan, o ex-chairman do Federal Reserve Board, aventou a possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos no final deste ano é apontado como um dos possíveis gatilhos das quedas das Bolsas. Os Estados Unidos estão crescendo há mais de cinco anos, um período longo quando comparado à maioria das expansões anteriores. Além disso, a construção civil e alguns setores importantes na indústria americana já experimentam uma substancial queda no ritmo de atividade.
Mas é importante lembrar que Greenspan errou ao prever recessões no passado e, nesse ponto, o seu histórico não é diferente dos de outros profissionais. O notório fracasso dos economistas que tentam prever mudanças no nível de atividade levou Paul Samuelson, prêmio Nobel de economia e professor do MIT, a escrever "Os economistas previram corretamente nove das últimas cinco recessões".
Uma recessão nos Estados Unidos seria uma má notícia para o Brasil, que tem crescido pouco mesmo num ambiente internacional muito favorável. Se a redução do ritmo de crescimento da economia americana causar, como se espera, uma queda na expansão da economia global, o "espetáculo do crescimento" vai ser mais uma vez adiado. O único consolo é que um pior cenário internacional talvez leve o governo do presidente Lula a retomar o processo de reformas que caracterizou o começo do seu primeiro mandato. As boas condições internacionais aparentemente induziram a equipe econômica de "Lula 2" a pensar que não é preciso fazer muito. As atuais propostas de controle das despesas correntes do governo e reforma tributária são extremamente modestas e cortar a carga tributária, exceto para uns poucos setores favorecidos, parece estar totalmente fora de cogitação. E, no longo prazo, o país vai se beneficiar muito mais de reformas corajosas do que de mais um ano de crescimento mundial mal-aproveitado.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

jose.scheinkman@gmail.com


Texto Anterior: Investimentos no biodiesel são superiores
Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: Álcool, crescimento e pobreza
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.