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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Volatilidade
Um pior cenário externo talvez leve o governo Lula
a retomar o processo de reformas do 1º mandato
DESDE O DIA 27 de fevereiro os
mercados financeiros parecem ter entrado em um período de maior volatilidade e, com as
exceções de praxe, queda de preço
de ativos. O início dessa fase de nervosismo coincidiu com uma forte
baixa na Bolsa de Xangai, seguida
por quedas nas principais Bolsas da
Ásia, da Europa e das Américas. As
perdas atingiram praticamente todos os ativos mais arriscados, evidenciando um menor apetite para o
risco entre os investidores. Na quinta-feira (dia 8), quando escrevo esta
coluna, o ambiente está mais calmo,
mas há ainda muita incerteza sobre
o futuro próximo.
Como sempre, é difícil apontar
um evento que teria iniciado essa
mudança de humor. A Bolsa chinesa
é uma candidata inverossímil para o
papel de vilão. Os investidores locais
são pouco sofisticados e o resultado
são preços descolados da realidade
das companhias e um alto volume
de transações diário. O ruído na Bolsa de Xangai é praticamente ignorado no exterior.
Candidatos um pouco mais plausíveis são o reconhecimento das dificuldades por que passam algumas
das companhias americanas que se
especializam no crédito imobiliário
para clientes mais arriscados e os sinais de queda de atividade nos Estados Unidos. Mas essas novidades
não chegaram aos mercados financeiros de uma só vez, e, finalmente, a
única explicação é que mudou a atitude dos investidores, que passaram
então a exigir maior recompensa para riscos -o que na verdade não esclarece nada. Ainda não se sabe
qual é o tamanho dessa mudança de
humor.
O Brasil é hoje menos sensível à
instabilidade do mercado financeiro. O país tem superávit em conta
corrente, portanto não necessita de
novos financiamentos. Para o câmbio, um aumento do prêmio de risco
exigido tem um efeito semelhante a
um corte na taxa de juros no Brasil
-diminuindo o atrativo do "carry
trade", uma das forças que têm puxado a valorização do real. Esse movimento vai ser acolhido com satisfação pelos exportadores e pelos fabricantes de produtos que concorrem com importados e, provavelmente, diminuir as pressões para o
Banco Central intervir no mercado
de moedas, intervenções que têm
um custo fiscal elevado. Há também
perdedores -os consumidores em
geral e as empresas com dívidas em
moeda estrangeira, por exemplo-,
mas, se o aumento do "risco Brasil"
for moderado, não há muito a temer.
O discurso em que Alan Greenspan, o ex-chairman do Federal Reserve Board, aventou a possibilidade
de uma recessão nos Estados Unidos no final deste ano é apontado como um dos possíveis gatilhos das
quedas das Bolsas. Os Estados Unidos estão crescendo há mais de cinco anos, um período longo quando
comparado à maioria das expansões
anteriores. Além disso, a construção
civil e alguns setores importantes na
indústria americana já experimentam uma substancial queda no ritmo de atividade.
Mas é importante lembrar que
Greenspan errou ao prever recessões no passado e, nesse ponto, o seu
histórico não é diferente dos de outros profissionais. O notório fracasso dos economistas que tentam prever mudanças no nível de atividade
levou Paul Samuelson, prêmio Nobel de economia e professor do MIT,
a escrever "Os economistas previram corretamente nove das últimas
cinco recessões".
Uma recessão nos Estados Unidos
seria uma má notícia para o Brasil,
que tem crescido pouco mesmo
num ambiente internacional muito
favorável. Se a redução do ritmo de
crescimento da economia americana causar, como se espera, uma queda na expansão da economia global,
o "espetáculo do crescimento" vai
ser mais uma vez adiado. O único
consolo é que um pior cenário internacional talvez leve o governo do
presidente Lula a retomar o processo de reformas que caracterizou o
começo do seu primeiro mandato.
As boas condições internacionais
aparentemente induziram a equipe
econômica de "Lula 2" a pensar que
não é preciso fazer muito. As atuais
propostas de controle das despesas
correntes do governo e reforma tributária são extremamente modestas e cortar a carga tributária, exceto
para uns poucos setores favorecidos, parece estar totalmente fora de
cogitação. E, no longo prazo, o país
vai se beneficiar muito mais de reformas corajosas do que de mais um
ano de crescimento mundial mal-aproveitado.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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