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VINICIUS TORRES FREIRE
Álcool, crescimento e pobreza
Progresso da indústria e da ciência do álcool convive com o mundo do lavrador que corta 8 toneladas de cana por dia
O LAVRADOR de Ribeirão Preto
recebe em média R$ 2,50 por
tonelada de cana cortada.
Menos que o de Piracicaba, onde a
tonelada vale R$ 3. Os canaviais de
Ribeirão Preto pertencem à grande
propriedade. Suas terras mais planas permitem o uso de máquinas. As
empresas, mais capitalizadas, dispõem de dinheiro para comprá-las.
Em Piracicaba, as terras são mais íngremes; as fazendas, menores.
Nos anos 80, o lavrador fazia cinco
toneladas de cana por dia. A mecanização da colheita o obrigou a ser
mais produtivo. O corta-cana derruba agora oito toneladas por dia. Para
abater toda essa cana, precisa dar
8.000 golpes com seu facão.
Uma lei paulista determina que os
canavieiros reduzam a área de cana
queimada, atividade poluente e cada
vez mais perdulária. A palha que não
é queimada tem uso econômico. Em
breve, poderá virar álcool também.
A cana queimada facilita o corte
manual. Cortar a cana "crua" é economicamente inviável e ainda mais
desumano. Mas, em 2021, a queimada estará proibida. A lei e a capitalização da indústria da cana reduzem
rapidamente a queimada e, assim, o
emprego do corta-cana. Quem sobra, deve competir com a máquina.
Mas a mecanização é inevitável.
O trabalhador deve cortar a cana
rente ao chão, encurvado. Usa roupas mal-ajambradas, quentes, que
cobrem o corpo, para que não seja
lanhado pelas folhas da planta. Mas
se acidenta mesmo assim. Se corta
com o facão, tem lesões por esforço
repetitivo. O excesso de trabalho
causa a "birola": tontura, desmaio,
cãibra, convulsão. A fim de agüentar
dores e cansaço, toma drogas e soluções de glicose, quando não farinha
mesmo. Têm havido mais mortes
por exaustão nos canaviais.
Se o corta-cana de produtividade
média trabalha no regime "5x1"
(cinco dias de trabalho por um de
folga), recebe uns R$ 500 por mês.
Cerca de 50% dos trabalhadores do
Brasil ganham menos que isso. Algumas estatísticas, ainda imprecisas, dizem que 70% dos trabalhadores da indústria da cana têm emprego formal. No Brasil, os empregados
protegidos pela lei e pela seguridade
social não passam de 50% do total.
A indústria alcooleira resultou de
um plano estatal de criar um setor
econômico e uma tecnologia nova.
Perdulário, estatista e sem fiscalização (é da ditadura, de 1975), ainda
assim o programa desenvolveu pela
primeira vez no Brasil a integração
sistemática de pesquisa científica,
empresa rural e industrial.
O setor da cana faz hoje uns 3,5%
do PIB. Exporta US$ 8 bilhões. Gera
toda a energia elétrica que consome
e ainda vende excedentes. A indústria de São Paulo contrata cientistas
e engenheiros para desenvolver máquinas e equipamentos mais eficientes para as usinas de álcool. Mas
agora também equipa a indústria de
celulose, papel e mineração, além de
usinas elétricas. A pesquisa privada
e pública na área agrícola (cana, laranja, eucalipto etc.) desenvolve a
bioquímica e a genética no país.
O progresso do setor poderia ser
um modelo nacional para a pesquisa
e a indústria de software, materiais,
remédios, teles e internet ou mesmo
reciclagem de lixo. Mas há vasta
inércia e silêncio sobre tais assuntos. Assim como nada se ouve sobre
a miséria do corta-cana no mundo
maravilhoso do etanol.
vinit@uol.com.br
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