São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Tempestades na bonança

Os administradores da riqueza, na ânsia de bater os concorrentes, prometem mundos e fundos aos clientes

COM A HABITUAL competência, Luiz Carlos Mendonça de Barros e Luciano Coutinho trataram dos achaques que acometeram os mercados nos últimos dias.
Mendonça escreveu na Folha de sexta-feira; Coutinho, no "Valor" do mesmo dia. Ambos chamaram a atenção para as armadilhas da baixa volatilidade prolongada que estimula os investidores a alavancar posições em ativos de maior risco.
Os modelos de Value-at-Risk ou assemelhados são hoje muito usados por bancos e demais instituições para proteger o valor de seus portfólios, em condições de volatilidade consideradas "normais". Isso significa que recomendam a redução de posições mais arriscadas quando um ativo apresenta, durante determinado período, flutuação mais acentuada do que aquela admitida no modelo adotado.
Sendo assim, nos momentos de maior turbulência, os modelos de avaliação e controle do risco podem disparar ordens de venda que, entre outras coisas, revelam o caráter problemático das relações entre a racionalidade individual e a estabilidade dos mercados. Esse fenômeno é particularmente agudo nos mercados financeiros.
A teoria dos "mercados eficientes" pretende ensinar que todas as informações relevantes sobre os "fundamentais" da economia estão disponíveis em cada momento para todos os participantes dos mercados. E que a ação racional dos agentes, diante das informações existentes, seria capaz de orientar a melhor distribuição possível dos recursos entre os diferentes ativos.
Essa teoria, quase em desuso, procura afirmar, na verdade, que, em condições competitivas, não podem existir estratégias "ganhadoras" capazes de propiciar resultados acima da média. Hoje, poucos concordam que os mercados financeiros atendam aos requisitos de eficiência, no sentido proposto.
Na dinâmica dos ciclos financeiros recentes prevaleceu a concorrência entre os possuidores de riqueza associada ao crédito elástico. O que estimulou o surgimento da valorização puramente fictícia: os preços dos ativos "descolam" dos valores fundamentais, produzindo distorções nas relações preço/rendimentos ou preço/lucro.
Os administradores da riqueza líquida -fundos de pensão, fundos mútuos, hedge-funds-, no afã de carrear mais dinheiro para seus fundos e na ânsia de bater os concorrentes, prometem mundos e fundos aos clientes. É ingenuidade supor que esses mercados atendam aos requisitos de "eficiência", no sentido de que não podem existir estratégias "ganhadoras" acima da média, derivadas de assimetrias de informação e de poder. Os protagonistas relevantes nesses mercados são, na verdade, os grandes bancos de investimento, os fundos mútuos e a tesouraria de empresas que decidiram ampliar a participação da riqueza financeira em seu portfólio. Dotados de forte influência sobre a "opinião dos mercados", eles podem manter, exacerbar ou inverter tendências. Só não podem defender seus portfólios depois de um período de forte alavancagem e má precificação do risco.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 64, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Texto Anterior: Prática contra concorrência tem raízes históricas no Brasil, dizem especialistas
Próximo Texto: Grandes redes de varejo caçam ponto comercial em SP
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.