São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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Na Bolsa de Xangai, vermelho é positivo

Cor preferida dos chineses indica ações em alta no mercado que foi estopim de turbulência internacional e é pouco desenvolvido

Cotação de empresas na principal Bolsa do país tem pouca relação com os seus fundamentos; estatais são maioria no mercado


CLÁUDIA TREVISAN
EM XANGAI

Cor preferida dos chineses, o vermelho indica as ações que estão em alta nos painéis eletrônicos da Bolsa de Xangai, enquanto o verde marca os papéis que perdem valor.
Além da peculiar escolha das cores, a principal Bolsa da China possui traços que a diferenciam de instituições de outros países. Altamente especulativa, ela é dominada por empresas estatais, que fornecem ao mercado informações financeiras consideradas pouco confiáveis e nada transparentes.
A quase totalidade dos investidores é de pessoas físicas que preferem aplicar seu dinheiro diretamente, em vez de recorrer a fundos de ações, como é comum no Brasil.
Seus movimentos não são pautados pela performance das companhias nas quais investem, mas pela busca de sinais que possam indicar se os painéis da Bolsa ficarão vermelhos ou verdes -como o rumor de que o governo adotaria um imposto de 20% sobre ganhos de capital, que deu origem à desvalorização de 9% no dia 27 de fevereiro, batizado de "terça-feira negra" na China.
A queda catapultou a Bolsa de Xangai ao centro do tabuleiro financeiro internacional e, desde então, analistas se perguntam se o mercado chinês está imerso em uma bolha (leia texto nesta página).
"A Bolsa chinesa é puramente especulativa. É impossível investir com base nos fundamentos das companhias, porque não há acesso à informação", afirma o norte-americano Michael Pettis, professor de Finanças Internacionais da Universidade de Pequim.
Mais do que maximizar os ganhos dos acionistas, os administradores das empresas estão preocupados em atender às expectativas de seu controlador -o Estado. Pelo menos 80% das 847 companhias que têm ações na Bolsa de Xangai são controlados por alguma instância governamental.

Interesses distintos
Os objetivos que orientam as decisões dos administradores nem sempre coincidem com o interesse dos acionistas minoritários e podem incluir preocupações como manter o nível de emprego em determinada região ou realizar investimentos por razões políticas.
A falta de profissionais especializados em contabilidade também conspira contra a qualidade das informações divulgadas pelas empresas abertas chinesas. Pettis diz que o país necessita de 250 mil auditores para analisar os balanços das companhias, mas conta somente com cerca de 70 mil.
O brasileiro Sit Sei Wei, da consultoria Oping Group, de Xangai, concorda que não é a análise dos dados das empresas que faz o mercado subir ou cair, até porque os balanços não são confiáveis. "É um mercado especulativo. A característica do investidor chinês é a busca de ganhos no curto prazo."
Nada menos que 38 milhões de investidores individuais possuem contas nas corretoras que operam na Bolsa de Xangai. Em 2006, quando o índice local subiu inéditos 130%, muitos chineses tiraram dinheiro dos bancos para aplicar em ações.
Os depósitos bancários são o principal destino do alto volume de poupança da China, que ronda os 50% do PIB. Mas a remuneração que os correntistas recebem é de 2,5% ao ano. Descontada a inflação, o ganho pode ser negativo, observa Pettis.
Na véspera da "terça-feira negra", o índice da Bolsa de Xangai atingiu o recorde de 3.193 pontos. Depois da queda, a Bolsa se recuperou e voltou a rondar os 3.100 pontos -na sexta-feira, fechou em 3.087 pontos. A valorização registrada desde o início de 2006 elevou o valor de mercado das companhias com ações na Bolsa a US$ 1,1 trilhão, o equivalente a 46% do PIB do país asiático.
Outra característica do mercado de capitais chinês é a restrição aos investimentos estrangeiros. A Bolsa de Xangai possui dois tipos de ações: as de classe "A" -que representam a maior fatia- são denominadas em moeda local e, a princípio, só podem ser adquiridas por chineses; as de classe "B" são denominadas em dólar e destinam-se aos estrangeiros. Existem ainda as de classe "H", ações de empresas chinesas que abriram capital na Bolsa de Hong Kong.
Na Bolsa de Xangai, as operações mais líquidas e mais cobiçadas são as denominadas em moeda local, de classe "A".
Em 2003, o governo chinês abriu a possibilidade de estrangeiros investirem nesse tipo de ação por meio de QFIIs, sigla em inglês para investidores internacionais institucionais qualificados. Mas a parcela que eles possuem do mercado ainda é muito pequena. No fim do ano passado havia 52 investidores desse tipo, com aplicações totais de US$ 8,6 bilhões.
O mercado chinês também possui a divisão entre ações negociáveis -que podem ser vendidas- e as não-negociáveis, que estão nas mãos do Estado e não são comercializadas.
A expectativa de que a Bolsa seria inundada pela conversão de ações não-negociáveis em negociáveis foi um dos fatores que levaram à queda da Bolsa de Xangai entre 2001 e 2005, quando o índice local perdeu mais da metade de seu valor.


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