São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 2002

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GUERRA COMERCIAL

Fazendeiros dos EUA e Canadá oferecem US$ 165 por hectare não plantado de soja para elevar preço

Americanos pagam para Brasil não plantar

ÉRICA FRAGA
CÍNTIA CARDOSO

DA REPORTAGEM LOCAL

A guerra comercial que opõe o Brasil aos Estados Unidos e ao Canadá está prestes a ter mais um capítulo. Mas, dessa vez, os desentendimentos são entre o governo brasileiro e um grupo de produtores norte-americanos e canadenses que querem pagar para que os fazendeiros brasileiros reduzam sua produção de soja.
Os fazendeiros de EUA e Canadá estão oferecendo aos brasileiros US$ 165 por hectare não plantado de soja. O argumento do grupo, que formou uma ONG chamada Focus on Sabbatical, é que somente uma redução da produção poderá fazer os preços da soja, que caíram cerca de 20% na última década, se recuperarem.
Mas o governo brasileiro e de outros países como Argentina- que a ONG também quer incluir no projeto- desconfiam de motivos menos nobres por trás da "proposta indecente".
Representantes dos governos brasileiro e argentino acreditam que o projeto da ONG é uma manobra para tirar a atenção da questão dos subsídios agrícolas concedidos pelos Estados Unidos. O governo está analisando se é possível impedir que a ONG avance em seu projeto- considerado "absurdo" por Marcus Vinícius Pratini de Moraes, ministro da Agricultura- no Brasil.
A pedido de Pratini, o Ministério da Justiça está investigando a ONG e verificando a legitimidade deste tipo de atividade no país. O2 governo também quer descobrir de onde viria o dinheiro para pagar os fazendeiros brasileiros.
Segundo Ken Goudy, da Focus on Sabbatical, a ONG pretende se instalar oficialmente no Brasil em junho deste ano.
"Isso para mim é um caso de polícia, é uma intromissão indevida no país que não vamos aceitar", afirmou Pratini à Folha.
Mesmo que não consiga proibir que o grupo atue no país por força da lei, o governo já tem conversado com fazendeiros brasileiros sobre o assunto.
"Essa proposta é absurda. O Brasil tem 90 milhões de hectares para plantar e precisa empregar gente", afirmou Pratini.
Para o ministro da Agricultura, a verdadeira causa da queda nos preços da soja são os subsídios concedidos pelo governo norte-americano aos produtores. O governo vai entrar ainda este ano com uma representação na OMC (Organização Mundial do Comércio) contra os subsídios concedidos pelos EUA à produção de soja, que causam um prejuízo anual entre US$ 1,2 bilhão e US$ 1,5 bilhão ao Brasil.
Representantes do governo argentino também não são nem um pouco simpáticos à idéia da ONG.
"Essa proposta me parece ser uma ilusão, impossível de ser posta em prática. Eles querem é desviar a atenção do tema dos subsídios", disse o economista Roberto Lavagna, embaixador da Argentina em Bruxelas. Segundo Lavagna, o objetivo de Brasil e Argentina é continuar explorando sua enorme capacidade produtiva para ganhar mercado e lutando pela redução dos subsídios.
"Esse é o nosso caminho. Não embarcaríamos em nenhuma aventura como essa proposta", disse o embaixador argentino.

Opep dos grãos
Desde agosto de 2001, a ONG, criada em 2000, vem promovendo eventos em diversos Estados brasileiros a fim de recrutar participantes. A aproximação com os produtores acontece em palestras organizadas pela entidade. O material didático divulgado nos eventos compara a estratégia de mercado da Focus on Sabbatical à da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). A ONG quer promover um corte de 8 bilhões de bushles (um bushel equivale a 27,2 kg) para elevar em até 100% o preço de grãos, notadamente da soja.



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