São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

O futebol e a escola

BENJAMIN STEINBRUCH

Um dos programas da série "Chico Buarque Especial", recentemente apresentado pela televisão, foi sobre futebol. Em dado momento do programa, o compositor e cantor faz um comentário sobre as razões que explicam a maior habilidade dos brasileiros com a bola. Chico lembra que, na Europa, os garotos freqüentam a escola, desde pequenos, em tempo integral. Aqui, no Brasil, o menino vai à escola, quando muito, por três ou quatro horas. Então, ele tem bastante tempo livre para jogar bola na rua diariamente com os amigos. E quem treina muito aprende.
A observação de Chico Buarque é lúcida e certamente explica boa parte do sucesso do futebol brasileiro. Mas também expõe uma das maiores fragilidades do país, a falta de investimento em educação.
Ampliar a jornada escolar é uma necessidade básica no Brasil. Na Coréia do Sul, país que fez uma revolução educacional nos últimos 40 anos, as crianças ficam na escola até 12 horas por dia, das quais 7 estudando. Quando saiu da guerra, nos anos 1960, a Coréia do Sul era um país tão pobre quanto o Brasil, com mais de 30% de sua população analfabeta. Hoje, o analfabetismo está erradicado, 82% dos jovens estão na universidade (20% no Brasil) e o país já chegou ao Primeiro Mundo.
O milagre econômico sul-coreano, costuma-se dizer, foi fruto de uma revolução educacional, que, de certa maneira, está em curso também na China e na Índia. Juntos, esses dois países colocam no mercado mais de 1,5 milhão de formandos de nível superior ao ano, a maioria em áreas diretamente ligadas à tecnologia, enquanto o Brasil forma menos de 100 mil.
O número mínimo de anos de permanência na escola também é fundamental. Na Europa e nos Estados Unidos, a legislação obriga o setor público a oferecer 12 anos de estudo a todas as crianças e jovens -no Brasil, são oito anos. Em média, a faixa mais pobre da população brasileira freqüenta a escola por 3,5 anos. Mesmo a faixa mais rica, a elite representada por 20% da população, tem escolaridade média de apenas dez anos.
É comum atribuir aos governos a responsabilidade por esse desafio da educação, um argumento correto. Obviamente, sem planejamento governamental e sem investimento do Estado, não há como deslanchar programas que levem à revolução educacional, em quantidade e qualidade. Mas também cabe responsabilidade à sociedade como um todo. A elite brasileira tem sido omissa nessa matéria. Diferentemente do que ocorre em outros países, raramente se vêem exemplos de gerenciamento filantrópico de escolas por pessoas bem-sucedidas do setor privado, aptas a imprimir no ensino público padrões de qualidade hoje largamente aplicados nas empresas.
Essa busca da qualidade exige formação e aprimoramento de educadores, com recursos públicos e privados. Sem uma remuneração adequada, condizente com a importância e a responsabilidade de sua missão, dificilmente o país conseguirá dar o salto que precisa na área da formação profissional dos brasileiros. Na semana passada, quando os professores do ensino básico municipal de São Paulo entraram em greve, ficamos sabendo que o salário dos professores na cidade é de R$ 615 por mês, ou seja, menos de US$ 300. Na Coréia do Sul, um professor ganha cerca de US$ 6.000.
Infelizmente, é caótico o ambiente educacional no ensino básico brasileiro. Há uma semana, o próprio Ministério da Educação revelou que existem cerca de 13 milhões de alunos fantasmas nos cursos básicos. O Censo Escolar de 2005 registrou 56 milhões de crianças matriculadas no ensino público estadual, municipal e federal. Porém os dados preliminares obtidos pelas informações cadastrais enviadas pelas escolas ao MEC indicam que o número de matriculados não passa de 43 milhões. É vergonhoso observar que uma das explicações para essa discrepância é o comportamento das prefeituras, que falsificam (aumentam) o número de matrículas para receber mais recursos federais.
Enquanto prevalecer essa mentalidade, o Brasil continuará a formar e exportar milhares de jogadores de futebol por ano. E nada mais que isso.


Benjamin Steinbruch, 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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