São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

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LUÍS NASSIF

Os segredos de Suzane

É incompleta a cobertura do caso Suzane von Richthofen -a jovem que tramou a morte dos pais. Um Truman Capote deitaria e rolaria nessa história. O que teria levado uma jovem recém-saída da adolescência a planejar a morte dos próprios pais?
Até agora, ninguém sequer tangenciou as razões objetivas e, principalmente, as subjetivas, as questões emocionais, as relações familiares que estavam no pano de fundo do episódio.
Corrijo: na época do crime, a revista "Época" foi a que chegou mais perto. A partir de relatos de vizinhos e de parentes, começou a desenhar um retrato realista das relações familiares, atropelando o primarismo de reduzir um crime passional, uma tragédia dessa dimensão a mera má influência do namorado ou ao excesso de ambição de uma moça sem antecedentes criminais ou de violência.
A partir dos relatos de vizinhos e parentes, a mãe era apresentada como uma pessoa muito complicada, de relações difíceis com os filhos. Formação árabe tradicional da mãe de um lado, formação germânica tradicional do pai de outro, e, no meio, uma adolescente contemporânea, com todas as complicações que podem passar por uma cabeça adolescente de uma aluna PUC (Pontifícia Universidade Católica) -convivendo com colegas de vida e cabeça mais arejadas e tendo, em casa, uma educação repressora.
No meio do caminho, a reportagem estacou, possivelmente temendo enfrentar a possível ira dos seus leitores, julgando estar a revista acobertando uma criminosa. Mesmo assim, permanece como o relato mais realista, ainda que incompleto, do crime.
Não se trata de buscar pretextos para o crime de Suzane e seu namorado. É crime gravíssimo, pelo qual se tem que pagar. Trata-se de entender as razões objetivas, mas, principalmente, as emocionais e psicológicas que levaram ao crime.
Mas há um medo pânico de ir contra a opinião pública, um medo abissal de, sofisticando a análise, dar margem a incompreensões. Por isso, fica-se no lugar-comum, na simplificação primária da moça ambiciosa que pretendeu matar os pais para usufruir da herança com o namorado semi-marginal. Aí, sim, retratam-se bandidos de novela ou de histórias em quadrinhos, simples, fáceis de serem assimilados, não seres humanos em sua complexidade, não as relações familiares confusas, não os traumas, a pressão permanente pelo sucesso, os sonhos e pesadelos de uma sociedade que pressiona até a medula seus adolescentes, podendo levá-los.
As circunstâncias do crime permanecem nebulosas, à espera da grande reportagem. As entrevistas da "Veja" e do "Fantástico" deste final de semana mostraram uma jovem manipulada por seus advogados, um dos quais membro da Comissão de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo.
Em outra civilização, com outros valores, provavelmente os advogados seriam destituídos pelo juiz, devido à evidência óbvia de que o direito de defesa da moça foi desrespeitado por defensores inescrupulosos -mesmo sendo ela criminosa confessa.
Talvez só depois da condenação, quando o crime estiver esquecido, surja algum Truman Capote para desvendar os segredos de Suzane.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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