|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Governo é alvo de golpe de terceirizadas
Empresas de fachada quebram ou desaparecem e deixam a conta para a União, que é ré em cerca de 10 mil ações trabalhistas
CGU aponta indícios
de licitação com cartas
marcadas e casos de
empresas concorrentes
com o mesmo endereço
ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O bilionário mercado de terceirização de mão de obra do
governo federal tornou-se alvo
de golpes, que seguem uma mecânica padronizada e têm desfecho quase sempre igual.
Oferecendo serviços a preços
aquém da realidade, empresas
muitas vezes de fachada vencem os pregões, cumprem parte do contrato e depois quebram ou simplesmente desaparecem, deixando para a União a
fatura das dívidas trabalhistas.
A consequência é que o governo é hoje réu em cerca de 10
mil ações de cobrança dessas
dívidas, movidas por trabalhadores, sindicatos e pelo Ministério Público do Trabalho, segundo dados da Procuradoria
Geral da União.
Ou seja, o governo paga a
conta duas vezes: depois de arcar com parte dos contratos,
tem que assumir salários atrasados e outros encargos.
Apenas com os contratos, foram pagos R$ 2,1 bilhões em
2008. Mas não há dados de gastos com indenizações judiciais
desse tipo. O governo batalha
na Justiça caso a caso, mas a
derrota é apenas uma questão
de tempo -o Tribunal Superior
do Trabalho tem posição firmada de que o Estado é responsável pelas dívidas deixadas pelas
empresas que contrata.
O problema é tão grave que
obrigou a CGU (Controladoria
Geral da União) a criar um grupo só para seguir os passos dessas empresas, fornecedoras de
faxineiros, copeiros, garçons,
cozinheiros, ascensoristas, motoristas e jornalistas.
Em poucos meses, a equipe
do chamado Observatório da
Despesa Pública levantou fortes indícios de licitações de cartas marcadas, empresas em nome de laranjas, formação de
cartel e outros crimes com o
objetivo de simular uma concorrência que não existe e dificultar a localização dos responsáveis pelas fraudes. "Identificamos um grupo de empresas
fraudando licitações em conluio. Não é coisa isolada", diz
Jorge Hage, ministro da CGU.
Analisando os pregões eletrônicos, a equipe descobriu,
por exemplo, que 52 licitações
realizadas desde 2007 tiveram
a participação de ao menos
duas empresas com sócios em
comum. Trata-se de um forte
indício de que houve concorrência simulada. Ou seja, uma
das empresas entrou para ganhar, e a outra, para perder.
Mesmo endereço
Os técnicos também encontraram oito casos de empresas
concorrentes que funcionam
num mesmo endereço. São evidências de fraude que passaram despercebidas pelo frouxo
controle dos pregões -embora
não haja nesses casos indícios
de envolvimento do pregoeiro.
A CGU investiga neste momento os casos da ZL Ambiental e da Higiterc, ambas de Belo
Horizonte e pertencentes a um
mesmo grupo. A suspeita é que
a ZL, após sucessivos calotes,
vem sendo deliberadamente
descapitalizada, e suas atividades, aos poucos transferidas
para a Higiterc. As duas empresas tiveram nos últimos anos ao
menos três sócios em comum e
já participaram simultaneamente de 49 licitações.
A ZL já levou R$ 109 milhões
do governo. Teve 37 contratos,
em 2007, e agora, só 15. Foi declarada inidônea pelo Senado,
suspensa pelo BC e hoje é uma
empresa em estágio terminal.
A Higiterc apresenta curva
contrária. Em dezembro de
2007 (auge da ZL), era dona de
dois contratos. Agora, tem nove. Um detalhe chama a atenção e aumenta os laços entre as
duas empresas: um de seus ex-proprietários, Sérgio Lye de
Araújo, ingressou na sociedade
em 22 de agosto de 2006, um
dia depois de se desligar da ZL.
A Folha não localizou representantes das empresas.
Em Brasília, são raros os órgãos que não sofreram calotes
das terceirizadas. Em 2007, a
Eletronorte foi obrigada a rescindir o contrato com a Recris
Empreendimentos e Serviços,
do ramo de limpeza, porque esta deixou de pagar salários,
além de vales-transportes e alimentação a seus funcionários,
previstos nos contratos. Parte
dos R$ 826 mil do contrato já
havia sido paga.
A Procuradoria Geral da República fez o mesmo com a
Kuatro Serviço, também de
limpeza. A Kuatro foi então
substituída pela Ícone, que deu
novo calote. As empresas não
foram encontradas pela Folha.
Um dos maiores especialistas no assunto, o procurador do
Trabalho Adélio Justino Lucas,
diz que o governo precisa melhorar o controle nos pregões,
para evitar as chamadas propostas inexequíveis. "O governo não pode fingir que não é
com ele. Hoje, o leiloeiro só está preocupado com o menor
preço. E o controle?"
Texto Anterior: Mercado Aberto Próximo Texto: Empresa fica em 7º lugar e vence licitação Índice
|