|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Sem reforma financeira, crise atual será só início de dias piores
Progresso econômico alcançado após a Grande Depressão, quando os bancos eram conservadores e pouco lucrativos, deve inspirar regulamentação do setor
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
HÁ 35 anos, quando eu
estava fazendo minha
pós-graduação em
economia, apenas os menos
ambiciosos dos meus colegas
procuravam carreiras no mundo das finanças. Já então os
bancos de investimento pagavam mais do que as universidades ou o serviço público -mas
não muito mais, e de qualquer
maneira todo mundo sabia que
trabalhar em bancos era, para
ser franco, tedioso.
Nos anos que se seguiram, os
bancos se tornaram qualquer
coisa menos tediosos, como
bem sabemos. As transações
ousadas floresceram, e as escalas salariais das finanças dispararam, o que levou o setor a
atrair alguns dos melhores e
mais brilhantes jovens do país.
(Está bem: não estou certo
quanto à parte do "melhores").
E todos nos asseguravam de
que nosso setor financeiro superdimensionado seria a chave
para a prosperidade.
Em lugar disso, porém, as finanças se transformaram no
monstro que devorou o mundo.
Recentemente, os economistas Thomas Philippon e Ariell
Reshef publicaram um estudo
que poderia levar o título "Ascensão e Queda dos Bancos Tediosos" (mas na verdade se chama "Salários e Capital Humano
no Setor Financeiro dos EUA,
1909-2006"), no qual demonstram que as atividades bancárias passaram por três eras nos
Estados Unidos ao longo dos
últimos cem anos.
Antes de 1930, os bancos
eram um setor excitante, povoado por diversas figuras monumentais, responsáveis pela
construção de gigantescos impérios financeiros (alguns dos
quais, como se descobriu posteriormente, baseados em fraudes). Esse setor financeiro ativo e ambicioso presidiu uma
rápida expansão do nível nacional de dívidas. A dívida domiciliar, como proporção do PIB
(Produto Interno Bruto), quase
dobrou entre a Primeira Guerra Mundial e 1929.
Durante essa primeira era de
predomínio das finanças, os
executivos dos bancos recebiam salários médios muito superiores ao de suas contrapartes em outros setores.
Mas o setor perdeu o glamour quando o sistema financeiro entrou em colapso durante a Grande Depressão.
Bancos conservadores
O setor bancário que emergiu daquele colapso era estreitamente regulamentado e bem
menos audacioso do que antes
da Depressão e também muito
menos lucrativo para aqueles
que o geriam. Os bancos se tornaram tediosos, em parte porque os banqueiros se tornaram
muito conservadores quanto
aos empréstimos. A dívida domiciliar, que havia caído acentuadamente como proporção
do PIB durante a Depressão e a
Segunda Guerra Mundial, estabilizou-se em níveis bastante
inferiores aos dos anos 30.
É estranho dizer, mas a era
de bancos tediosos foi também
uma era de espetacular progresso econômico para a maioria dos norte-americanos.
Depois de 1980, porém, os
ventos políticos mudaram,
muitas das regulamentações
que pendiam sobre os bancos
foram suspensas, e os bancos
voltaram a ser excitantes.
A dívida começou a subir rapidamente, e terminou por atingir
proporção do PIB semelhante à
que existia em 1929. E o setor
financeiro explodiu em tamanho. Pela metade da década,
respondia por um terço dos lucros empresariais.
Enquanto essas mudanças
aconteciam, as finanças uma
vez mais se transformaram em
carreira de alta remuneração.
De fato, a disparada nas rendas
do setor financeiro teve papel
importante na criação de uma
segunda era dourada nos Estados Unidos.
É desnecessário dizer que os
novos superastros acreditavam
ter direito à fortuna conquistada. "Acredito que os resultados
que nossa companhia obteve,
que são a origem da grande
maioria de minha fortuna, justificam o que recebi", disse Sanford Weill em 2007, um ano depois de se aposentar no Citigroup. E muitos economistas
concordavam.
Colapso
Apenas algumas pessoas afirmavam que esse sistema financeiro superdimensionado poderia chegar a um fim destrutivo. Talvez o mais notável desses profetas de dificuldades seja Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago e ex-economista chefe do FMI (Fundo
Monetário Internacional).
Ele argumentou, em uma
conferência de 2005, que o rápido crescimento do setor financeiro havia ampliado o risco de "um colapso catastrófico".
Mas outros participantes
da conferência, entre os quais
Lawrence Summers, hoje presidente do conselho de assessoria econômica da Casa Branca,
ridicularizaram as preocupações de Rajan.
E o colapso aconteceu.
Boa parte do aparente sucesso do setor financeiro era ilusório, como agora sabemos. (As
ações do Citigroup perderam
mais de 90% de seu valor desde
o discurso autocongratulatório
de Weill.)
Ainda pior, o colapso do castelo de cartas das finanças causou devastação no restante da
economia; o comércio mundial
e a produção industrial estão
caindo mais rápido do que
aconteceu na Grande Depressão. E a catástrofe resultou em
apelos por maior regulamentação do sistema financeiro.
Mas minha sensação é de que
as autoridades estão pensando
simplesmente em termos de
reordenar as posições nos organogramas de fiscalização dos
bancos. Não estão preparadas
para fazer o que precisa ser
feito: tornar os bancos tediosos
novamente.
Parte do problema é que bancos tediosos significam banqueiros e executivos mais pobres, e o setor financeiro continua a ter muitos amigos em posições de poder. Mas é também
questão de ideologia. A despeito de tudo que aconteceu, muita gente que ocupa cargos importantes ainda associa um
mundo financeiro sofisticado a
progresso econômico.
Será possível persuadi-los do
contrário? Teremos a força de
vontade necessária a impor reformas financeiras sérias? Se
não, a crise atual não será um
evento único, mas sim um prenúncio do que está por vir.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
PAUL KRUGMAN, economista, é colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).
Texto Anterior: Exportações chinesas caem pelo quinto mês seguido Próximo Texto: Crise: Déficit orçamentário dos EUA atinge nível recorde em março Índice
|