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OPINIÃO ECONÔMICA
Nacionalismo de araque
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A crise com a Bolívia desencadeou, em certos meios políticos e jornalísticos brasileiros,
uma súbita e veemente onda nacionalista. O clima é de indignação ruidosa e preocupação alarmada com os interesses nacionais. Há muito tempo não se vê
tanta ênfase patriótica na imprensa e no Congresso. Até notórios integrantes da famigerada
quinta-coluna enrolaram-se na
bandeira nacional e exigiram
providências duras contra o país
vizinho. São os mesmíssimos políticos, jornalistas e economistas
que se notabilizam por grande
docilidade quando há conflitos
de interesses, não com a pobre
Bolívia, mas com os Estados Unidos ou outros países desenvolvidos. Um espetáculo edificante.
O Brasil não deve reagir com
violência às decisões do governo
boliviano. Primeiro porque a Bolívia tem os seus argumentos e razões, que não podem ser desprezados. Segundo porque a exacerbação do conflito não interessa
ao Brasil. Apesar das divergências com a Petrobras e outras empresas brasileiras, a Bolívia é nossa aliada natural. Retaliações e
medidas drásticas afetariam não
só as nossas relações com esse
país mas todo o projeto de integração da América do Sul.
A aliança sul-americana enfrenta obstáculos consideráveis,
como se sabe. As relações entre
Brasil e Argentina têm altos e
baixos. Os sócios menores do
Mercosul, Paraguai e Uruguai,
estão volta e meia tentando
atuar em faixa própria. A Venezuela é uma parceira hiperativa e
turbulenta.
É bem verdade que o Brasil,
país de dimensões continentais,
grande população e economia razoavelmente diversificada, não
necessita, a rigor, do resto da
América do Sul para construir o
seu projeto de desenvolvimento
econômico e social. Se os nossos
vizinhos resolverem tomar o caminho do caos ou da subordinação pura e simples aos Estados
Unidos (uma hipótese não exclui
a outra), o Brasil não precisará
acompanhá-los. De qualquer
maneira, não há dúvida de que a
integração continental reforçará
muito consideravelmente o potencial de desenvolvimento e a
posição internacional do Brasil.
O verdadeiro nacionalismo brasileiro tenderá, portanto, a ser tolerante e flexível com os nossos vizinhos menores e menos desenvolvidos, como a Bolívia.
O Brasil tem cometido erros.
Foi basicamente omisso quando
o governo argentino enfrentou o
grande desafio da reestruturação
de sua dívida externa. Em alguns
momentos, integrantes da equipe
econômica do então ministro Palocci chegaram a trabalhar contra a Argentina nos bastidores,
provocando protestos do presidente Kirchner. O Brasil também
não fez o suficiente pelos sócios
menores do Mercosul, como admitiu o ministro Celso Amorim.
Washington, evidentemente,
aproveita-se de brechas desse tipo. Sempre que pode, trabalha
ativamente para alargá-las. Os
Estados Unidos nunca verão com
bons olhos a formação de um bloco na América do Sul.
Mas as condições gerais continuam basicamente favoráveis à
integração sul-americana. O chamado "Consenso de Washington" não deu os frutos esperados.
As políticas econômicas apoiadas
pelo governo dos EUA e pelas entidades multilaterais de financiamento fracassaram em muitos
países da nossa região, às vezes
de forma espetacular. As forças
políticas sul-americanas mais
alinhadas com os EUA foram
caindo uma a uma, seja por derrotas eleitorais, seja por rebeliões
populares. Graças às truculências
do "companheiro Bush", o prestígio dos Estados Unidos entrou
em declínio no mundo inteiro e
na América do Sul em particular.
O essencial, portanto, é não
perder de vista os interesses estratégicos do Brasil. O mundo será
multipolar, queiram ou não os
ideólogos que predominam ou
predominaram na administração Bush. Ao Brasil cabe trabalhar com calma e cabeça fria para que, ao longo dos próximos
anos, a América do Sul se constitua em um pólo coeso, dinâmico
e independente.
Paulo Nogueira Batista Jr., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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