São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nacionalismo de araque

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A crise com a Bolívia desencadeou, em certos meios políticos e jornalísticos brasileiros, uma súbita e veemente onda nacionalista. O clima é de indignação ruidosa e preocupação alarmada com os interesses nacionais. Há muito tempo não se vê tanta ênfase patriótica na imprensa e no Congresso. Até notórios integrantes da famigerada quinta-coluna enrolaram-se na bandeira nacional e exigiram providências duras contra o país vizinho. São os mesmíssimos políticos, jornalistas e economistas que se notabilizam por grande docilidade quando há conflitos de interesses, não com a pobre Bolívia, mas com os Estados Unidos ou outros países desenvolvidos. Um espetáculo edificante.
O Brasil não deve reagir com violência às decisões do governo boliviano. Primeiro porque a Bolívia tem os seus argumentos e razões, que não podem ser desprezados. Segundo porque a exacerbação do conflito não interessa ao Brasil. Apesar das divergências com a Petrobras e outras empresas brasileiras, a Bolívia é nossa aliada natural. Retaliações e medidas drásticas afetariam não só as nossas relações com esse país mas todo o projeto de integração da América do Sul.
A aliança sul-americana enfrenta obstáculos consideráveis, como se sabe. As relações entre Brasil e Argentina têm altos e baixos. Os sócios menores do Mercosul, Paraguai e Uruguai, estão volta e meia tentando atuar em faixa própria. A Venezuela é uma parceira hiperativa e turbulenta.
É bem verdade que o Brasil, país de dimensões continentais, grande população e economia razoavelmente diversificada, não necessita, a rigor, do resto da América do Sul para construir o seu projeto de desenvolvimento econômico e social. Se os nossos vizinhos resolverem tomar o caminho do caos ou da subordinação pura e simples aos Estados Unidos (uma hipótese não exclui a outra), o Brasil não precisará acompanhá-los. De qualquer maneira, não há dúvida de que a integração continental reforçará muito consideravelmente o potencial de desenvolvimento e a posição internacional do Brasil. O verdadeiro nacionalismo brasileiro tenderá, portanto, a ser tolerante e flexível com os nossos vizinhos menores e menos desenvolvidos, como a Bolívia.
O Brasil tem cometido erros. Foi basicamente omisso quando o governo argentino enfrentou o grande desafio da reestruturação de sua dívida externa. Em alguns momentos, integrantes da equipe econômica do então ministro Palocci chegaram a trabalhar contra a Argentina nos bastidores, provocando protestos do presidente Kirchner. O Brasil também não fez o suficiente pelos sócios menores do Mercosul, como admitiu o ministro Celso Amorim. Washington, evidentemente, aproveita-se de brechas desse tipo. Sempre que pode, trabalha ativamente para alargá-las. Os Estados Unidos nunca verão com bons olhos a formação de um bloco na América do Sul.
Mas as condições gerais continuam basicamente favoráveis à integração sul-americana. O chamado "Consenso de Washington" não deu os frutos esperados. As políticas econômicas apoiadas pelo governo dos EUA e pelas entidades multilaterais de financiamento fracassaram em muitos países da nossa região, às vezes de forma espetacular. As forças políticas sul-americanas mais alinhadas com os EUA foram caindo uma a uma, seja por derrotas eleitorais, seja por rebeliões populares. Graças às truculências do "companheiro Bush", o prestígio dos Estados Unidos entrou em declínio no mundo inteiro e na América do Sul em particular.
O essencial, portanto, é não perder de vista os interesses estratégicos do Brasil. O mundo será multipolar, queiram ou não os ideólogos que predominam ou predominaram na administração Bush. Ao Brasil cabe trabalhar com calma e cabeça fria para que, ao longo dos próximos anos, a América do Sul se constitua em um pólo coeso, dinâmico e independente.


Paulo Nogueira Batista Jr., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
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