São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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RUBENS RICUPERO

Prevaricação ou incompetência?


A Lei de Informática está a caminho de completar 18 meses sem o necessário decreto para sua aplicação

A NÃO ser por um improvável milagre, quando for publicado este artigo, a Lei de Informática estará a caminho de completar 18 meses sem o necessário decreto para sua aplicação. Será que isso configura o crime de prevaricação, do artigo 319 do Código Penal: "Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício..."? Ou trata-se de mais uma mostra da incompetência do Executivo em fazer jus a seu nome, isto é, em executar seus propósitos?
Provavelmente é o segundo caso, exemplo adicional de lista interminável: o fracasso em fazer sair do papel as Parcerias Público-Privadas, em completar o quadro regulatório, em aprovar a Lei do Gás, a de Saneamento Básico, a inépcia em deslanchar a construção de novas hidrelétricas que afastem o fantasma de apagões anunciados, a desfiguração esterelizante dos fundos de pesquisa e inovação deixados prontos pelo ministro Sardemberg etc.
Quanto custa a incompetência em termos de investimentos e crescimento perdidos? Há quem estime que, mesmo com juros absurdos, a economia teria, no ano passado, crescido um ou dois pontos a mais somente com melhor agilidade e firmeza de sinalização de parte do governo. Eis aí tema completamente ausente do debate público: o do preço que o país tem de pagar pela ignorância e indecisão dos quadros de um Executivo incapaz de executar.
San Tiago Dantas, com quem trabalhei em minha juventude, distinguia entre dois tipos de inteligência, a positiva e a negativa. Ele, que detinha como ninguém autoridade indiscutível na matéria, só apreciava a primeira, que definia como a capacidade de tomar decisões acertadas e de pô-las em execução. Seu ideal era estreitar quanto possível a distância entre intenção e gesto.
Tinha pressa. Entraram para os anais do Itamaraty episódios como o da reunião preparatória de uma viagem sua à Europa. Alguém sugeriu a inclusão de visita ao papa, precedida de carta sobre problemas do desenvolvimento. O chanceler aprovou e, sem esperar por esboços ou minutas, surpreendeu a todos, ditando na hora o texto integral: "Santidade, tenho a honra...".
A respeito da Lei de Informática, a divergência não é ideológica. Afinal, este é o governo que tomou posse prometendo definir melhores políticas industriais e criou a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, sem resultados tangíveis até agora. O problema tem a ver com a atitude da Receita Federal diante das mudanças tributárias oriundas da lei.
Quando há divergência entre ministros, compete ao presidente arbitrar. O que ele não pode é sentar-se em cima de assunto resolvido pelo Congresso, anulando a vontade soberana do Legislativo por 18 meses quase! Um ano e meio é uma eternidade numa tecnologia que muda em alguns meses.
Da lista dos 40 produtos mais dinâmicos do comércio mundial da Unctad, os postos principais são quase todos ocupados pelos eletroeletrônicos. As importações brasileiras no setor em 2005 chegaram a US$ 15,1 bilhões, e o déficit setorial foi de US$ 7,4 bilhões. É o maior déficit do país, juntamente com o da química.
Em 30 de maio passado, a manchete do caderno Dinheiro, da Folha, foi: "China passa a ter superávit com o Brasil". A reportagem de Cláudia Trevisan informava que a China havia saltado de déficit de US$ 192 milhões, de janeiro a abril de 2005, a superávit de US$ 90 milhões agora, e esclarecia: "O setor eletroeletrônico é o principal responsável". As compras da China explodiram 59% em 2005 e mais 57% neste ano.
O campeão da lista da Unctad são os microcircuitos eletrônicos, com expansão de 18% anuais de 1985 a 2002. Fazem parte dos componentes, que respondem por 64% das importações da área. Cifras para os incrédulos da desindustrialização lerem na cama: em 1990, o setor tinha 200 empresas de componentes, das quais 20 de semicondutores; hoje, são 60 de componentes e 3 de semicondutores.
No início do governo, um dos quatro setores definidos como prioritários foi o de semicondutores. São eles, os chips, o miolo cinzento da "máquina do mundo", a tecnologia que concentra o valor agregado próximo do preço final. O governo está prestes a acabar. Alguém sabe o que aconteceu com essa prioridade?


RUBENS RICUPERO , 69, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.


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