São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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LUCIANO COUTINHO

Faltam estratégia e confiança


O grande desafio é reabilitar o Estado, financeiramente fragilizado, inchado, inepto e vulnerável à corrupção

FALTA À ELITE econômica e política brasileira uma estratégia de desenvolvimento e, ainda, a compreensão das condições de governança necessárias para tal. Isso é desanimador ante a realização, em poucos meses, de eleições que renovarão a Presidência da República, o Congresso, os governadores e as assembléias legislativas. O debate político é ralo e banal; as grandes questões nacionais não são objeto de debate e propostas consistentes.
Cabe à intelectualidade provocar a superação dessa pasmaceira, porque os partidos políticos não se mostram à altura. Depois de duas décadas e meia de semi-estagnação, de bloqueio dos canais de ascensão social e de entorpecimento da geração de empregos, a sociedade brasileira não pode afundar num desespero paradoxal: as instituições democráticas funcionam e se consolidam, mas não existe um sistema político-republicano capaz de levar a nação adiante com esperança e com perspectiva construtiva do futuro.
Nos últimos três anos, condições mundiais superbenignas (comércio com preços favoráveis e liquidez global) viabilizaram a superação da vulnerabilidade das contas externas e devolveram, parcialmente, à economia brasileira um mínimo de autonomia para crescer sustentavelmente. Mas isso, embora fundamental, não é suficiente. Desde logo é essencial impedir que a apreciação prolongada da taxa de câmbio desfaça a recém-conquistada (e ainda não consolidada) robustez cambial. De outro lado se põe o grande desafio de reabilitar o Estado, financeiramente fragilizado, inchado, inepto e vulnerável à corrupção.
A combinação maligna de carga tributária beirando 38% do PIB, encargos de juros da dívida pública consumindo 8% do PIB, expansão descontrolada dos gastos correntes e investimentos públicos reprimidos imobilizou a capacidade de organizar o desenvolvimento. Diante disso, a prioridade é regenerar a saúde das finanças públicas para reduzir substancialmente a taxa de juros, criar uma estrutura longa de financiamento (que pressupõe inflação controlada), desengessar a gestão orçamentária e aumentar o potencial de investimento.
Essa restauração da capacidade do Estado (inclui o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, com ênfase especial no sistema previdenciário) transita por uma reengenharia profunda dos processos de gestão, visando eficiência, produtividade e celeridade. Os programas e políticas públicas deveriam passar por avaliações de custo e benefício e pelo monitoramento de resultados, prevenindo desvios. A informatização precisa se aprofundar com processos transparentes e menos vulneráveis a fraudes.
A complexidade dos novos modelos de concessão e de parceria com o setor privado e a boa gestão empresarial pública exigem regulação qualificada e competente, bem como segurança e previsibilidade jurídica. Em suma, o desenvolvimento institucional é tão relevante quanto a adoção de uma estratégia.
O avanço da governança pública tornou-se um fator crítico para um projeto nacional de desenvolvimento que infunda à sociedade esperança, confiança no poder público e respeito às leis.


LUCIANO COUTINHO , 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-1988).


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