São Paulo, segunda-feira, 11 de junho de 2007

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Juro baixo tira crédito educativo do papel

Tabu entre bancos, financiamento começa a sair para classe média, que não tem cobertura dos programas do governo

Financiar educação envolve alto risco no Brasil, já que a inadimplência está na casa de 23% e a evasão escolar chega a 18% em São Paulo

André Porto/Folha Imagem
Marcia Carvalho, que fez crédito para cursar enfermagem

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Última das modalidades clássicas de crédito que ainda não pegou no Brasil, o crédito educativo começa a ser visto como viável comercialmente pelos bancos para a classe média. Os programas atuais do governo, que têm juros subsidiados, só atendem alunos de baixa renda.
Financiar educação envolve risco altíssimo no Brasil, onde fazer um curso superior não é garantia de arrumar um bom trabalho no futuro. A inadimplência das instituições particulares está na casa de 23%. Em São Paulo, a evasão escolar chega a 18%, segundo o Semesp (sindicato das universidades privadas). De cada 100 ingressantes no ensino superior, só 42 terminam o curso no prazo.
O assunto é tabu entre os bancos. Por que assumir um risco tão alto para ganhar tão pouco se podem emprestar dinheiro a 12% para o governo? A história pode mudar com os juros próximos de "patamares civilizados", de menos de 10%.
Um grupo de investidores se reuniu para montar a Ideal Invest, correspondente bancário do Banco ABC Brasil, apostando em um boom do setor nos próximos anos a partir da queda nos juros -como aconteceu com o crédito imobiliário.
O mercado de crédito soma hoje R$ 760 bilhões, mas o financiamento educacional não passa de R$ 5 bilhões, sendo R$ 4,8 bilhões do governo -ou seja, 0,65% do total. A expectativa é que chegue a algo próximo de R$ 15 bilhões até 2010, quando o governo federal pretende elevar de 10,3% para 30% o total de jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior.
O grupo recebeu em abril um aporte de capital da Gávea Investimentos, do ex-BC Armínio Fraga, e da Janos, empresa de participações dos donos da Natura. Tem ainda outros 11 sócios individuais, entre eles os executivos Claudio Haddad (ex-Garantia), Álvaro de Souza (ex-Citibank) e Evaristo Amaral (ex-Credicard).
Segundo Oliver Mizne, sócio da Ideal Invest, a empresa consegue financiar estudantes com juros entre 0,5% e 1,5% ao mês por meio de uma equação em que recebe tanto o pagamento do aluno financiado quanto uma comissão da universidade. Isso porque assume parte do risco da escola ao garantir o pagamento das mensalidades.
"A comissão da universidade cobre os custos administrativos, de pessoal e de marketing do negócio. Já o estudante paga a operação financeira: juros e inadimplência", diz Mizne.

Risco da inadimplência
Administrar a inadimplência é um dos segredos do negócio. A partir da análise de crédito e do contato com o estudante, Mizne afirma que a Ideal Invest consegue reduzir a inadimplência de 23% das escolas privadas para um nível abaixo dos 5% aceitos pela indústria de crédito brasileira.
O Banco do Brasil tem uma linha de CDC (Crédito Direto ao Consumidor) que, entre outros produtos, pode financiar um curso superior com juros em torno de 2,33% ao mês, taxa próxima do crédito consignado. O banco ABN Real financia MBA e cursos de pós-graduação, apesar de estudar a viabilidade de crédito também para a graduação.
"O estudante de graduação não tem renda. Como medir o risco dele? Já MBA e pós-graduação são feitos por profissionais que trabalham e têm um salário. Geralmente são pessoas que já se destacam e querem investir na carreira", diz Linda Murasawa, superintendente de produtos socioambientais do ABN Real.

Governo federal
Maior financiador do crédito educativo, o governo federal mantém o ProUni, que concede bolsas parciais e integrais, e o Fies (Financiamento Estudantil), que cobre até 50% da mensalidade, com juros de 6,5%.
Para o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, o crédito disponível para a classe média só vai ser suficiente quando tiver uma fonte de financiamento de longo prazo, como acontece com a casa própria. Ele sugere o uso do FGTS.
"Nem que fosse para o próprio filho do poupador. Se o FGTS financia o PAC, por que não o estudo de um jovem que vai aumentar sua renda?", questiona.


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