São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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ARTIGO/ECONOMIA AMERICANA

Greenspan, novo cavaleiro britânico, enfrenta hora da verdade

GERARD BAKER
DO ""FINANCIAL TIMES"

A última vez em que Alan Greenspan teve seu mérito reconhecido, recebendo um prêmio pelo trabalho excepcional na direção do Federal Reserve (banco central dos EUA), foi há dois anos, quando foi agraciado com o Prêmio Enron de Serviço Público. Na semana passada, surgiu a notícia de que ele se tornará cavaleiro honorário do Império Britânico, mais uma instituição que já deixou de existir, mas que durou um pouco mais do que a empresa de energia e, pode-se afirmar, causou mais danos a vidas e bens americanos do que esta.
Deixando as brincadeiras de lado, o título não poderia ter sido anunciado em momento mais oportuno. De acordo com a justificativa apresentada, Greenspan foi reconhecido por sua ""notável contribuição à estabilidade econômica global". Poucos disputariam essa afirmativa.
Em seus 15 anos à frente do Fed, Greenspan vem travando e vencendo batalhas contra inflação, recessão e colapsos financeiros nacionais e internacionais. Mas o trabalho de um criador de políticas monetárias nunca se conclui. No momento em que Sua Majestade se prepara para conceder o título ao maior banqueiro central do mundo, este enfrenta mais um desafio tremendo, que pode macular sua brilhante reputação.
Recorrendo a dois clichês muito usados por jornalistas esportivos, os EUA se vêem ao mesmo tempo diante de uma ""grande crise" e de uma ""hora da verdade".
A parte da crise é o ponto de virada em que a recuperação frágil se encontra neste momento. A hora da verdade é a prova pela pressão que esta crise vai impor à confiança que o presidente do Fed e muitos outros sentem na transformação econômica norte-americana no final dos anos 1990.

Contra-ataque
Até mais ou menos 8h30 da última quarta-feira, era plausível argumentar, como fez Greenspan, que os EUA estavam a caminho de uma recuperação sólida da recessão do ano passado. As cifras mostravam crescimento anual de mais ou menos 4%. O Fed previa que esse crescimento fosse cair um pouco no segundo semestre, mas ainda pensava, e tinha boas razões para isso, que o mais provável seria um crescimento de 3,5% neste ano.
Isso era notável por si só, uma vez que a recessão do ano passado parecia ser tão branda que alguns especialistas chegavam a indagar se ela de fato existira. Os dados disponíveis até a quarta-feira passada diziam que a economia tinha crescido mais de 1% no ano passado, com apenas um trimestre de contração. Uma retomada sólida em 2002 teria sido uma confirmação impressionante da capacidade de recuperação da economia americana e de sua força.
O Fed e os otimistas podiam argumentar que o pessimismo estava sendo exagerado e que, cedo ou tarde, os fundamentos econômicos tirariam as empresas e as Bolsas do baixo astral. Mas então saiu o relatório do Departamento de Comércio sobre o PIB (Produto Interno Bruto), e, em 15 minutos, a paisagem econômica dos EUA se modificou por completo.
Já não havia dúvida alguma de que houve uma recessão no ano passado: três trimestres de crescimento negativo e quase nenhuma expansão durante o ano como um todo. Muito pior, porém, foi a notícia de que o primeiro semestre deste ano não foi tão impressionante quanto aparentava ter sido. Em lugar de 4%, o crescimento, segundo as novas cifras, foi de 3%.
Pode não parecer uma mudança tão grande a ponto de justificar a alegação de que os EUA agora se vêem diante de uma ""grande crise". Mas a maioria dos economistas, incluindo os do Fed, já esperava um crescimento mais fraco no segundo trimestre, já que a grande contribuição para o crescimento no primeiro trimestre veio de uma correção de estoques que não vai continuar. Quando o crescimento do primeiro semestre parecia ter sido de 4%, uma queda para 3% não se configurava como tão preocupante. Criticamente, ela significaria que o ritmo ficaria apenas um pouco abaixo da estimativa feita pelo Fed quanto ao crescimento. Mas, se o crescimento está caindo de 3% para 2%, a distância entre a produção real e potencial torna-se muito maior.
O desemprego vai subir, reduzindo as rendas pessoais e refreando os gastos dos consumidores, que já devem ter sido prejudicados pela queda do mercado acionário, e a utilização em capacidade máxima vai cair, o que indica que qualquer perspectiva de uma retomada dos investimentos, que já não estava sendo prevista antes do início do ano que vem, será adiada ainda mais.

Milagre ameaçado
Pior ainda: esse abalo provocado na perspectiva otimista do Fed vem sendo exacerbado pelos primeiros dados econômicos que estão chegando, relativos ao segundo semestre. As cifras referentes à atividade industrial em julho são bem mais fracas do que estava implícito até mesmo nas expectativas do próprio Fed de um crescimento ligeiramente menor no segundo semestre. Some-se a isso o fato de que a queda das Bolsas vem sendo tão mais marcante do que se previa e percebe-se que temos o potencial para que seja desferido um golpe realmente forte contra a demanda e a produção neste segundo semestre.
Como se tudo isso não bastasse para Greenspan, os dados também sugerem que seu otimismo de longo prazo com relação ao desempenho econômico enfrenta uma ""hora da verdade".
As revisões do PIB tiraram um pouco mais do chamado ""milagre de produtividade" do final dos anos 1990. Mas, o que talvez seja ainda mais importante, o risco, agora maior, de uma recessão de duplo mergulho pode prejudicar as estimativas de uma tendência de crescimento de longo prazo, se a baixa nos investimentos continuar e a prolongação da fraqueza na demanda deprimir ainda mais a produtividade.
Ainda é possível evitar essa desenlace desanimador, é claro. Os EUA poderiam passar bem por este ponto de virada, mantendo a demanda dos consumidores, possivelmente por meio de mais cortes nos juros, para gerar a aguardada retomada nos investimentos. E a ""verdade" revelada naquela ""hora" pode acabar justificando todo o otimismo do Fed. Mas não há como negar que os riscos são altos.


Tradução de Clara Allain


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