São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Câmbio, câmbio, câmbio

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Pressionado pela opinião pública, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), voltou atrás e resolveu encaminhar ao Conselho de Ética representação contra o ex-ministro José Dirceu. Explicou o recuo da seguinte forma: "Não tenho idéia fixa. Quem tem idéia fixa é doido".
Não gostei. O que seria de um colunista de economia sem três ou quatro idéias fixas? Uma das minhas, já antiga, é o câmbio. Tenho sido fiel a essa fixação ao longo dos anos. Trato do assunto recorrentemente nesta coluna. E, no livro que acabo de publicar, "O Brasil e a Economia Internacional", o câmbio aparece com destaque em quatro dos seis capítulos.
Dólar abaixo de R$ 2,30! Não vamos nos iludir: a valorização acentuada do real terá efeitos importantes sobre as contas externas e a atividade econômica. Como o balanço de pagamentos está bastante forte, não há emergência à vista. Mas os problemas estão se tornando mais visíveis a cada dia que passa.
Alguns exemplos:
1) A taxa de crescimento das exportações, que ficou acima de 30% em 2004, caiu para 24% no acumulado do ano até a primeira semana de agosto. A queda só não é maior porque o cenário comercial externo continua favorável.
2) O "quantum" exportado de manufaturados mostra uma tendência de rápida desaceleração, com a taxa de expansão diminuindo de quase 30% até fevereiro para cerca de 20%. No caso dos semimanufaturados, a tendência é a manutenção de um crescimento em torno de 8%. Nos produtos básicos, o ritmo de expansão caiu para cerca de 10% (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, "Boletim de Comércio Exterior", julho de 2005).
3) Outros itens do balanço de pagamentos estão acusando os efeitos do real forte. No primeiro semestre, as remessas de lucros e dividendos aumentaram 58% em comparação com igual período de 2004. Na mesma comparação, os gastos com viagens internacionais aumentaram 66%. O déficit na conta de serviços (viagens, transportes, aluguel de equipamentos, computação e outros) praticamente dobrou, ao passar de US$ 1,8 bilhão no primeiro semestre de 2004 para US$ 3,5 bilhões no primeiro semestre deste ano (Banco Central do Brasil, "Nota para a Imprensa - Setor Externo", julho de 2005).
4) Em relação a uma cesta das principais moedas, a divisa brasileira acumulou valorização real de 25% entre junho de 2004 e junho de 2005. O índice de rentabilidade das exportações registrou perda de 20% no mesmo período (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, op. cit.). Note-se que esses cálculos foram feitos com o dólar a R$ 2,40.
O governo fica de braços cruzados e deixa o câmbio à mercê do "mercado". Leia-se: à mercê do enorme diferencial de juros entre o Brasil e o resto mundo. O ministro Palocci, num daqueles momentos de rara inspiração, declarou: "Um problema do câmbio flutuante é que ele, às vezes, flutua".
Maravilha! Só que a flutuação cambial pura e desimpedida é rara no mundo real, especialmente nas economias menos desenvolvidas. Procurei explicar esse ponto num dos capítulos do livro acima citado. Em poucas palavras, as conclusões são as seguintes: em países como o Brasil, a flutuação precisa ser acompanhada de intervenções do governo no mercado cambial e de controles seletivos sobre os fluxos de capital. Um dos objetivos permanentes deve ser garantir uma taxa de câmbio competitiva e razoavelmente estável. É o que têm feito os países mais bem-sucedidos.
Mesmo nas economias desenvolvidas, o que predomina na prática não é a flutuação pura de livro-texto -essa que o ministro Palocci aprendeu com os ortodoxos de galinheiro instalados no comando do Ministério da Fazenda e do Banco Central. O modelo cambial adotado pelos desenvolvidos caracteriza-se, em geral, por intervenções seletivas e, às vezes, coordenadas dos bancos centrais. Essas intervenções procuram atenuar a volatilidade das taxas cambiais e moderar "desalinhamentos" persistentes, isto é, períodos prolongados de sobrevalorização ou subvalorização cambial.
Praticar juros estratosféricos e deixar a moeda nacional se valorizar sem limites é a receita ideal para obstruir o desenvolvimento e prolongar a estagnação que já dura um quarto de século.


Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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