São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2005

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LUÍS NASSIF

Os meios e os fins

Há alguma coisa de visceralmente errado na cobertura da CPI do Mensalão. Nem se discuta o mérito do episódio. A cada dia fica mais claro um esquema inédito de controle dos negócios do Estado. Os depoimentos revelaram uma estrutura com cabeça, tronco e membros. E dificilmente o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu escapará da condenação política pela montagem do esquema.
Há muito a apurar no crescimento expressivo das aplicações de fundos de pensão do esquema, desde bancos suspeitos, como o Santos, o Rural e o BMG, até bancos até agora insuspeitos, como o Pactual. Há inúmeros episódios ainda nebulosos e que talvez jamais sejam desvendados.
Mas a sede por novidades, a guerra santa, está reproduzindo o mesmo mal cheiro exalado pela campanha do impeachment de Fernando Collor, na qual, em determinado momento, não se sabia onde a falta de escrúpulos era maior: se nos investigados ou nos investigadores. Se Luiz Inácio Lula da Silva resolveu declarar guerra às elites e à mídia, a melhor resposta é o trabalho sistemático e profissional de apuração dos fatos. Contra a onipotência, as leis; contra a falta de escrúpulos, os limites da ética.
Em nome da guerra santa, não se pode transformar o deputado Roberto Jefferson em figura reverencial. As honrarias que recebeu -convite para palestras sobre reforma política pela Associação Comercial de São Paulo e pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, do largo São Francisco- são episódios vergonhosos. Felizmente o espírito das Arcadas baixou nos alunos que afogaram em uma vaia monumental o homenageado e os insensatos que ousaram convidá-lo.
Jefferson é desertor de um esquema do qual era beneficiário, réu confesso, operador nos Correios e do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Pode se habilitar, quanto muito, à delação premiada. Mas virar referência é o fim! Sua alegação para se defender das vaias -de que, pelo menos, não era hipócrita- mostra o estado a que se chegou. Como não era hipócrita se sua admissão de culpa só ocorreu quando foi fritado pelos antigos aliados?
O governo Lula acabou porque os fins justificavam os meios, porque houve abuso no uso do poder de Estado, porque grupos atropelaram normas tácitas e explícitas de governança, de civilidade política. Os meios viraram um propósito tão relevante que, ao final do processo, ninguém seria capaz de dizer claramente a que fins eles serviam.
Para combater a falta de escrúpulos do governo, agora, chega-se a atropelar até valores sagrados da imprensa, como o instituto do "off the record". Em uma coluna, em revista de larga circulação, o autor se vangloria de ter passado a perna em um deputado, prometendo-lhe manter uma declaração em "off" e não cumprindo a promessa.
Os fins justificam os meios. Assim como na campanha do impeachment, está de volta a brigada dos soldados incumbidos de executar os moribundos no campo de batalha, a absolvição de todos os pecadores, desde que estejam alinhados com a causa.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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