São Paulo, domingo, 11 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Aguardando o maestro

O desenvolvimentismo morreu, o neoliberalismo morreu. O que vem por aí? Esse é o enigma a ser decifrado pelos pensadores, para a próxima etapa do desenvolvimento brasileiro, que virá após as próximas eleições. E as lições estão em um passado não tão distante.
Quando o desenvolvimentista Rômulo de Almeida imaginou a Petrobras, não ousou conferir-lhe o monopólio -que acabou chegando pelas mãos do liberal Bilac Pinto, depois que o engenheiro Fernando Luiz Lobo Carneiro percebeu que, sem estar integrada e protegida, poderia ser varrida do mapa pelas grandes petrolíferas.
Quando se tratou de pensar a capitalização da empresa, mantendo-a estatal, foram grandes liberais como Wolf Klabin e Glycon de Paiva que imaginaram prefeituras adquirindo ações, porque sabiam que o capital privado era insuficiente.
Quando Roberto Campos imaginou o desenvolvimento, no governo JK, a diferença poderia estar em um câmbio desvalorizado, caminho que a Coréia do Sul começou a trilhar naquela época. Ou poderia estar na inovação, que os japoneses já perseguiam, modelo que a criação da Finep (Financiadora de Estudos e Pesquisas) visava reproduzir.
No final dos anos 60, os liberais Roberto Campos, Mauro Thibau -morto da semana passada- e John Cotrim imaginaram a estatização dos serviços de energia, pois sabiam que a iniciativa privada não poderia bancar. No fim dos anos 70, o desenvolvimentista Ignácio Rangel imaginou a privatização dos serviços públicos, pois constatara o estrangulamento fiscal do Estado.
O desenvolvimentismo morreu, na forma como foi imaginado até os anos 80, de reserva de mercado, orientação autárquica na economia, xenofobia, favorecimento a grupos e despreocupação fiscal. O neoliberalismo morreu como foi imaginado nos anos 90, de enfraquecimento do Estado, desatenção para com interesses de país, despreocupação social e ênfase única no equilíbrio fiscal.
Os novos tempos exigirão pragmatismo e o exorcismo das ideologias, agora não só do esquerdismo anacrônico que morreu com a eleição de Lula mas do direitismo raivoso e igualmente primário que está renascendo com o ocaso do governo.
Há enigmas de toda ordem a serem decifrados. Como se colocar em uma mundo em que as oscilações cambiais chegam a 50%, em que as novas formas de produção fazem com que multinacionais transformem países em bases de produção, cujas unidades podem ser remanejadas a qualquer momento?
Mais do que nunca, os ensinamentos do alemão Friedrich List, de 160 anos atrás, servirão para iluminar os novos tempos. List não trazia uma receita única. De um lado, defendia a liberdade aduaneira intrafronteira, para permitir a competição e o fortalecimento do mercado interno. Na outra frente, advogava a proteção da indústria nacional, não a ponto de tirar-lhe o vigor e a competitividade pelo excesso de proteção. Advogava a atração de imigrantes e capitais estrangeiros, por meio da criação de um clima democrático, saudável, estimulador da inovação. Defendia estratégias comerciais maduras, visão diplomática aguda, mas mostrava que, sem um mercado interno forte, sem população educada e incluída, o grande capital jamais permaneceria no país. Poderia até permitir a acumulação durante certo tempo, mas, na primeira oportunidade, o capital mudaria para outras plagas.
Será difícil nesse país sebastianista substituir o pensamento monofásico dominante por formas mais complexas de sonhar o futuro. Mas já se conseguiu em outros tempos. Quando João Paulo dos Reis Velloso junta desenvolvimentistas e monetaristas em seus fóruns, quando Antonio Dias Leite imagina fórmulas de crescimento, quando Hélio Jaguaribe abre o baú do Iseb e quando Eliezer Baptista abre os sonhos da logística, quando Delfim Netto e José Serra articulam pensamentos macroeconômicos racionais, constata-se que idéias existem.
O novo desenvolvimentismo não poderá mais ser erigido em cima de clichês, como fizeram os dinossauros dos anos 80 e os cabeças de planilha dos anos 90. Há um país diversificado, com muitos cérebros pensando de forma desarticulada. Mas pronto a tocar qualquer partitura, quando entrar em cena um maestro estadista.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br

Texto Anterior: Lições contemporâneas - Aloizio Mercadante: Aumento do emprego formal
Próximo Texto: Legislação: Código do Consumidor, 15, já necessita de mudanças
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.