São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

Os desacertos de FHC

Atenção: a leitura desta coluna é prejudicial à saúde de quem tem pensamento monofásico.
O título acima não é para me curvar ao patrulhamento à coluna de ontem, "Os acertos de FHC". É para uma reflexão sobre os processos de formação de unanimidade que permeiam a discussão pública.
Por exemplo, recebo e-mail agressivo de leitor que me acusa de dizer que o PT não tem tradição democrática e sugere à Folha que democraticamente elimine a minha coluna. A crítica à democracia burguesa foi sempre uma marca do PT. Na coluna digo que, apesar disso, o PT irá praticar uma política de alianças dentro das tradições democráticas brasileiras contemporâneas, o que é muito mais crível do que dizer que o PT defendia a democracia burguesa desde criancinha. Outro leitor, o Carlos Tavares, me alerta que, "se tivéssemos uma revolução à francesa, o senhor seria um dos primeiros a caminhar para a guilhotina".
Esse vezo autoritário não é específico de eleitor do PT ou de qualquer outro partido político, embora alguns agrupamentos tendam a ser mais "patrulheiros" que outros: trata-se de um vício autoritário da própria sociedade brasileira. E é um horror! Sempre que se forma uma maioria em determinada direção, a maior parte das pessoas que pensa de forma diferente se cala, para não se expor, para não correr riscos. E, com isso, o contraponto, o contraditório vai para o buraco, abrindo espaço para o chamado "clamor das ruas" e para o total emburrecimento da discussão.
Ainda no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, com os ventos da opinião pública soprando a favor, a política cambial desenhava claramente um quadro de desastre próximo. Quem ousasse alertar para o desastre era taxado de "lobista da Fiesp" para baixo. E provavelmente os "patrulheiros" eram os mesmos de agora.
Esses movimentos são cíclicos, ora a favor de uma posição ora de outra, tendo, em comum, apenas o vezo autoritário e o orgasmo ritual de se sentir maioria e avançar sobre os dissidentes. O próprio Fernando Henrique Cardoso, do alto de sua sabedoria de sociólogo, embarcou como um calouro nessa história, supondo ter conseguido a unanimidade eterna, ao orquestrar a opinião pública contra seus opositores, os "neobobos".
Essa busca da unanimidade simplifica burramente as situações, já que se limita a transformar cada análise em julgamento, em absolvição ou condenação. E o mundo e as pessoas não são feitos dessas simplificações.
Faço parte de um grupo pequeno de jornalistas e analistas que, nos últimos anos, se empenhou em remar contra a chamada visão "neoliberal" da economia, com argumentos, dados, raciocínios. Poucas semanas atrás desmascarei um trabalho da STN (Secretaria do Tesouro Nacional), que pretendia atribuir o aumento descomunal da dívida pública aos "esqueletos" incorporados pela União, e não à irresponsável política de juros da era FHC. Recebi muitos e-mails de apoio de leitores bem informados e de "patrulheiros". O segundo grupo me cumprimentava por ter procurado trazer a verdade ao debate? Não, mas por dizer algo que era do gosto deles.
O governo Fernando Henrique Cardoso tem erros monumentais e acertos fundamentais: ponto! É difícil um julgamento final, sobre o que vai preponderar na avaliação final do governo.
No plano econômico, a subordinação ao pensamento financeiro do período, a manutenção da política cambial, de juros, inclusive por razões eleitorais (a partir de 1997 e 1998), o total desapego à economia real, a falta de uma visão gerencial, os erros na política energética e a falta de clareza sobre o que seria interesse nacional comprometeram profundamente seu governo.
No plano institucional, a consolidação da estabilização econômica, da democracia, a implantação de novos conceitos de políticas sociais, o início da reprofissionalização do serviço público, o início do trabalho de avaliação da educação, a privatização de setores como telecomunicações e ferrovia, o retorno da visão de planejamento são conquistas insofismáveis.
Será facílimo ao perfeito idiota latino-americano considerar apenas o parágrafo de cima e condenar o governo; como será facílimo ao perfeito idiota neoliberal latino-americano usar apenas o parágrafo de baixo e consagrar o governo.
De minha parte, não vim para simplificar.

Passando recibo
Que Ciro Gomes fale em desgraça cambial para se promover ou George Soros afirme, para se garantir, ainda vá. Mas não tem cabimento o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, passar recibo. Está-se em um momento de turbulência por conta das eleições. Nesses momentos um ou outro passageiro histérico pode perder a cabeça. Jamais o comandante, nem a aeromoça.

E-mail -
LNassif@uol.com.br


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