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LUÍS NASSIF
Os desacertos de FHC
Atenção: a leitura desta
coluna é prejudicial à saúde de quem tem pensamento
monofásico.
O título acima não é para me
curvar ao patrulhamento à coluna de ontem, "Os acertos de
FHC". É para uma reflexão sobre os processos de formação de
unanimidade que permeiam a
discussão pública.
Por exemplo, recebo e-mail
agressivo de leitor que me acusa de dizer que o PT não tem
tradição democrática e sugere à
Folha que democraticamente
elimine a minha coluna. A crítica à democracia burguesa foi
sempre uma marca do PT. Na
coluna digo que, apesar disso, o
PT irá praticar uma política de
alianças dentro das tradições
democráticas brasileiras contemporâneas, o que é muito
mais crível do que dizer que o
PT defendia a democracia burguesa desde criancinha. Outro
leitor, o Carlos Tavares, me
alerta que, "se tivéssemos uma
revolução à francesa, o senhor
seria um dos primeiros a caminhar para a guilhotina".
Esse vezo autoritário não é específico de eleitor do PT ou de
qualquer outro partido político, embora alguns agrupamentos tendam a ser mais "patrulheiros" que outros: trata-se de
um vício autoritário da própria
sociedade brasileira. E é um
horror! Sempre que se forma
uma maioria em determinada
direção, a maior parte das pessoas que pensa de forma diferente se cala, para não se expor,
para não correr riscos. E, com
isso, o contraponto, o contraditório vai para o buraco, abrindo espaço para o chamado
"clamor das ruas" e para o total
emburrecimento da discussão.
Ainda no primeiro governo
Fernando Henrique Cardoso,
com os ventos da opinião pública soprando a favor, a política
cambial desenhava claramente
um quadro de desastre próximo. Quem ousasse alertar para
o desastre era taxado de "lobista da Fiesp" para baixo. E provavelmente os "patrulheiros"
eram os mesmos de agora.
Esses movimentos são cíclicos, ora a favor de uma posição
ora de outra, tendo, em comum, apenas o vezo autoritário e o orgasmo ritual de se sentir maioria e avançar sobre os
dissidentes. O próprio Fernando Henrique Cardoso, do alto
de sua sabedoria de sociólogo,
embarcou como um calouro
nessa história, supondo ter conseguido a unanimidade eterna,
ao orquestrar a opinião pública
contra seus opositores, os "neobobos".
Essa busca da unanimidade
simplifica burramente as situações, já que se limita a transformar cada análise em julgamento, em absolvição ou condenação. E o mundo e as pessoas não
são feitos dessas simplificações.
Faço parte de um grupo pequeno de jornalistas e analistas
que, nos últimos anos, se empenhou em remar contra a chamada visão "neoliberal" da
economia, com argumentos,
dados, raciocínios. Poucas semanas atrás desmascarei um
trabalho da STN (Secretaria do
Tesouro Nacional), que pretendia atribuir o aumento descomunal da dívida pública aos
"esqueletos" incorporados pela
União, e não à irresponsável
política de juros da era FHC.
Recebi muitos e-mails de apoio
de leitores bem informados e de
"patrulheiros". O segundo grupo me cumprimentava por ter
procurado trazer a verdade ao
debate? Não, mas por dizer algo
que era do gosto deles.
O governo Fernando Henrique Cardoso tem erros monumentais e acertos fundamentais: ponto! É difícil um julgamento final, sobre o que vai
preponderar na avaliação final
do governo.
No plano econômico, a subordinação ao pensamento financeiro do período, a manutenção
da política cambial, de juros,
inclusive por razões eleitorais
(a partir de 1997 e 1998), o total
desapego à economia real, a
falta de uma visão gerencial, os
erros na política energética e a
falta de clareza sobre o que seria interesse nacional comprometeram profundamente seu
governo.
No plano institucional, a consolidação da estabilização econômica, da democracia, a implantação de novos conceitos
de políticas sociais, o início da
reprofissionalização do serviço
público, o início do trabalho de
avaliação da educação, a privatização de setores como telecomunicações e ferrovia, o retorno da visão de planejamento
são conquistas insofismáveis.
Será facílimo ao perfeito idiota latino-americano considerar
apenas o parágrafo de cima e
condenar o governo; como será
facílimo ao perfeito idiota neoliberal latino-americano usar
apenas o parágrafo de baixo e
consagrar o governo.
De minha parte, não vim para simplificar.
Passando recibo
Que Ciro Gomes fale em desgraça cambial para se promover
ou George Soros afirme, para se
garantir, ainda vá. Mas não tem
cabimento o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, passar recibo. Está-se em um momento de turbulência por conta
das eleições. Nesses momentos
um ou outro passageiro histérico pode perder a cabeça. Jamais
o comandante, nem a aeromoça.
E-mail -
LNassif@uol.com.br
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