São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Analistas questionam a gravidade da crise

DO ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Justin Urquhart Stewart, analista da Seven Investment Management, de Londres, chegou ontem para trabalhar com a sensação de que "se podia cheirar o medo no ar". O que aconteceu ao longo do dia materializou sua sensação e levou-o a um comentário pouco financeiro: "Os investidores deveriam olhar bem o que está acontecendo e determinar se realmente estamos caminhando para o Armagedon".
Armagedon, na mitologia cristã, é o local da batalha final entre Deus e o diabo. A frase de Stewart mostra que pitadas de espiritualidade flutuam nos mercados, usualmente a quintessência do materialismo.
Stewart aposta na derrota do diabo. "A maior probabilidade é a de que estaremos algo melhor dentro de uns cinco anos, e é essa visão de longo prazo de que necessitamos", afirma, sem se dar conta de que o mercado está olhando cinco minutos, e não cinco anos à frente.
Também espiritualizado, Miguel Ángel Fernández Ordóñez, o presidente do Banco de Espanha, o BC espanhol, pede tempo. Diz que os juros nos empréstimos entre bancos só vão cair quando os governos restabelecerem a confiança, "que é algo sutil e espiritual".
Nada como uma crise extraordinária para que alguém considere que o custo do dinheiro envolve espiritualidade.
Espiritualidade à parte, há um coro quase unânime pedindo uma estatização ainda mais ampla do sistema financeiro. Que banqueiros e financistas o façam é parte habitual do jogo.
Mas o pedido vem também de autoridades, caso de Gordon Brown, primeiro-ministro britânico: ele pede que outros países façam o que ele fez, ou seja, anunciar um pacote de 500 bilhões de libras para os bancos.
"Todo mundo depende dos bancos. Nós estamos tentando fazer com que os bancos voltem ao que tradicionalmente fazem, ou seja, fazer fluir o dinheiro para os negócios, ajudar pessoas com suas hipotecas, assegurar que a poupança das pessoas está segura", afirmou.
Na academia, concorda Paul De Grauwe, professor de economia da Universidade belga de Louvain e pesquisador do Centro de Estudos de Política Européia, que desenvolve o seguinte teorema: "O banco A não quer emprestar para o banco B, não necessariamente porque teme a insolvência do banco B, mas porque teme que outros bancos não emprestarão para o banco B, levando-o à insolvência. Assim, os empréstimos se paralisam, porque os bancos esperam que os empréstimos entre bancos se paralisem".
Como sair do impasse?, pergunta e responde De Grauwe: "Só há um caminho. Os governos dos grandes países (EUA, Reino Unido, os da eurozona, possivelmente Japão) têm que tomar seu sistema bancário ou, ao menos, os bancos significativos. Os governos são a única instituição que pode resolver essa falha no coração da crise de liquidez".
"Podem fazê-lo porque, uma vez que os bancos estejam em mãos do Estado, eles podem ordenar que cada um confie no outro e emprestem uns aos outros. Quanto mais rápido os governos derem esse passo, tanto melhor", fecha o teorema, em artigo no "Financial Times".
Mas a confusão de idéias é tamanha que propicia avaliações absolutamente opostas.
Em outro artigo, Casey Mulligan, professor de Economia na Universidade de Chicago, famosa por ser o ninho principal dos liberais mais puros, diz que "salvar os bancos americanos não vai salvar a economia" e ainda acrescenta o que hoje parece heresia: "A economia não precisa realmente de salvação. É mais forte do que pensamos".
Não se trata de ser do contra. Mulligan acrescenta uma porção de números para tentar demonstrar que "o setor não-financeiro da economia não sofrerá muito, mesmo com uma prolongada crise bancária, porque a importância econômica geral dos bancos tem sido muito exagerada".
Quanto à saúde da economia não-financeira, seus números impressionam: ele diz que, desde a Segunda Guerra (1939-1945), cada dólar de capital investido na economia gera, na média, ganhos de 7 a 8 centavos anualmente. Em 2007 e na primeira metade de 2008 -portanto, em plena crise-, cada dólar estava gerando 10 centavos, "muito acima da média histórica". Completa: "Os balanços do terceiro trimestre de algumas empresas já sugerem que as companhias não-financeiras da América estão fazendo muito dinheiro".
Pelo menos há uma pessoa para quem o Armagedon não está à vista.
(CLÓVIS ROSSI)



Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Lula veta uso do FGTS para quitar imóvel em consórcio
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.