São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

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Acertos bilionários ocultam um vasto número de fracassos

DA SUCURSAL DO RIO

Assim como é ilusória eventual veleidade mística do escritor Paulo Coelho no uso de roupas pretas -viajante frequente, evita que a sujeira apareça-, as camisetas da mesma cor habituais em Eike Batista têm propósito pragmático: o médico indicou-as para, sob a camisa, protegê-lo de gripes.
Ele cumpriu a ordem, e a saúde melhorou. Essa disciplina, disseminada na atividade empresarial, contrasta com a imagem de aventureiro que céticos no seu futuro lhe atribuem. Um deles, sob condição de se manter anônimo, provoca: você entregaria o seu FGTS para um negócio de Eike?
A sucessão de acertos que alçou o bilionário ao topo dos ricos brasileiros ofusca vasto inventário de fracassos: empresas de jipes, cosméticos, correio e outras.
Deu-se bem no atacado, as grandes apostas, e mal no varejo. A depender do ângulo, a fotografia do grupo X sai em branco ou preto. Levantamento da Economática mostra que em geral as ações de suas empresas se valorizaram, desde o lançamento, mais que o Ibovespa (veja quadro ao lado).
Na contramão, a consultoria identificou três empresas de Eike entre as dez com maior Ebitda negativo entre 254 da Bolsa. O palavrão Ebitda é a sigla inglesa para lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação.
O resultado decorre do fato de que a receita das empresas é pequena ou nula. A OGX valia R$ 49,8 bilhões no dia 2, mas ainda não produziu uma gota de óleo. As ações se tonificam porque há expectativa de que se encontre petróleo -na bacia de Campos, confirmou-se.
A despeito do glamour da fortuna, trata-se de investimento de risco agudo. Em novembro, a OGX valia apenas o que tinha em caixa. O passe de Eike não representava um centavo. Cada ação chegou a custar R$ 254, mas a empresa manteve os investimentos. Anteontem, fechou a R$ 1.690.
Eis o modelo de negócios: começar do zero, a partir de uma ideia; investir do próprio bolso na largada, recrutando especialistas de empresas vitoriosas; captar dinheiro no mercado, especialmente na Bolsa; desenvolver o projeto até a produção ou vendê-lo antes.
É comum ouvir de concorrentes nos segmentos de mineração, petróleo e gás -seus antagonistas- que ele vende vento ou sonhos.
No ano passado, contudo, a mineradora Anglo American topou pagar US$ 5,5 bilhões pela fração majoritária da MMX, bom negócio para os acionistas, entre os quais Eike é o maior.
Seus negócios se concentram em recursos minerais e infraestrutura. A riqueza se multiplicou em um cenário favorável: alta liquidez mundial (dinheiro sobrando); disparada das cotações dos metais; e mercado de capitais mais forte.
Em caixa, o grupo informa ter US$ 9 bilhões. De 2009 a 2012, o investimento previsto é de US$ 10,2 bilhões.
Para a OGX, Eike buscou um ex-presidente da Petrobras, Francisco Gros, hoje afastado por doença. Da estatal levou 60 técnicos e executivos.
Os bônus por desempenho, pagos em ações do próprio Eike, bateram, para uma pessoa, em mais de US$ 80 milhões na venda de parte da MMX.
Alguns executivos, cansados, têm deixado o grupo. De acordo com Eike, seus resultados corresponderam ao bônus de US$ 40 milhões nos últimos anos -para cada um. "Já engordei muito gato, muito Garfield."
São proverbiais suas exigências. Ele preconiza um "corridor management", a gestão com cobranças até no corredor. Telefona de madrugada. "A fila aqui anda de Porsche."
Antecipa que investirá em tecnologia da informação. Critica o que julga aversão do empresário brasileiro a risco e o encanto por negócios com garantia do Estado.
Para o Ministério Público Federal, Eike Batista está longe de encarnar um empresário exemplar. Há acusações de crime ambiental e corrupção.
No Rio, a Procuradoria da República move processo devido ao que seria devastação da natureza nas obras do porto do Açu, no norte fluminense.
No ano passado, a Polícia Federal fez operação de busca e apreensão na casa do empresário. Motivo: no Amapá, ele foi apontado pela PF como "mentor intelectual" de fraude na licitação de ferrovia de complexo minerador.
Em Mato Grosso do Sul, o Ibama aplicou multa de R$ 29,4 milhões por alegado emprego, em siderúrgica, de carvão vegetal fruto de desmatamento irregular. Logo, Eike doou R$ 11,4 milhões para preservação do Pantanal, Lençóis Maranhenses e Fernando de Noronha.
Ele nega as acusações, que aguardam decisão judicial definitiva. Diplomático, enaltece o papel do Ministério Público.
No Rio, onde depende de licenças do Estado para tocar dois portos em construção, destina R$ 28 milhões para a despoluição da lagoa Rodrigo de Freitas, em torno da qual costuma correr acompanhado por seguranças.
Emprestou avião para o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes viajarem a Copenhague para a escolha de 2016. A concessão da Marina da Glória, aquisição de Eike, é emitida pela Prefeitura do Rio.
Negócios seus como o navio de passeio Pink Fleet estão longe de se pagar. "Adoro o conceito americano de você ter que devolver para a sociedade."
Quando cria um projeto, diz que é um "MPI - Mata Paulista de Inveja". Exemplifica com o Mr. Lam. "Como a cultura dos paulistas é sempre fazer as coisas muito benfeitas, eu quis começar a fazer coisas no Rio com o padrão paulista."
Na semana passada, suas ações se valorizaram na Bolsa de Valores. Do país onde há 40 milhões de trabalhadores vivendo com até um salário mínimo mensal, periga sair o homem mais rico do mundo.


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