|
Texto Anterior | Índice
Acertos bilionários ocultam um vasto número de fracassos
DA SUCURSAL DO RIO
Assim como é ilusória eventual veleidade mística do escritor Paulo Coelho no uso de roupas pretas -viajante frequente,
evita que a sujeira apareça-, as
camisetas da mesma cor habituais em Eike Batista têm propósito pragmático: o médico indicou-as para, sob a camisa,
protegê-lo de gripes.
Ele cumpriu a ordem, e a saúde melhorou. Essa disciplina,
disseminada na atividade empresarial, contrasta com a imagem de aventureiro que céticos
no seu futuro lhe atribuem. Um
deles, sob condição de se manter anônimo, provoca: você entregaria o seu FGTS para um
negócio de Eike?
A sucessão de acertos que alçou o bilionário ao topo dos ricos brasileiros ofusca vasto inventário de fracassos: empresas de jipes, cosméticos, correio
e outras.
Deu-se bem no atacado, as
grandes apostas, e mal no varejo. A depender do ângulo, a fotografia do grupo X sai em
branco ou preto. Levantamento da Economática mostra que
em geral as ações de suas empresas se valorizaram, desde o
lançamento, mais que o Ibovespa (veja quadro ao lado).
Na contramão, a consultoria
identificou três empresas de
Eike entre as dez com maior
Ebitda negativo entre 254 da
Bolsa. O palavrão Ebitda é a sigla inglesa para lucro antes de
juros, impostos, amortização e
depreciação.
O resultado decorre do fato
de que a receita das empresas é
pequena ou nula. A OGX valia
R$ 49,8 bilhões no dia 2, mas
ainda não produziu uma gota
de óleo. As ações se tonificam
porque há expectativa de que se
encontre petróleo -na bacia de
Campos, confirmou-se.
A despeito do glamour da fortuna, trata-se de investimento
de risco agudo. Em novembro,
a OGX valia apenas o que tinha
em caixa. O passe de Eike não
representava um centavo. Cada
ação chegou a custar R$ 254,
mas a empresa manteve os investimentos. Anteontem, fechou a R$ 1.690.
Eis o modelo de negócios: começar do zero, a partir de uma
ideia; investir do próprio bolso
na largada, recrutando especialistas de empresas vitoriosas;
captar dinheiro no mercado,
especialmente na Bolsa; desenvolver o projeto até a produção
ou vendê-lo antes.
É comum ouvir de concorrentes nos segmentos de mineração, petróleo e gás -seus antagonistas- que ele vende vento ou sonhos.
No ano passado, contudo, a
mineradora Anglo American
topou pagar US$ 5,5 bilhões pela fração majoritária da MMX,
bom negócio para os acionistas,
entre os quais Eike é o maior.
Seus negócios se concentram
em recursos minerais e infraestrutura. A riqueza se multiplicou em um cenário favorável:
alta liquidez mundial (dinheiro
sobrando); disparada das cotações dos metais; e mercado de
capitais mais forte.
Em caixa, o grupo informa
ter US$ 9 bilhões. De 2009 a
2012, o investimento previsto é
de US$ 10,2 bilhões.
Para a OGX, Eike buscou um
ex-presidente da Petrobras,
Francisco Gros, hoje afastado
por doença. Da estatal levou 60
técnicos e executivos.
Os bônus por desempenho,
pagos em ações do próprio Eike, bateram, para uma pessoa,
em mais de US$ 80 milhões na
venda de parte da MMX.
Alguns executivos, cansados,
têm deixado o grupo. De acordo
com Eike, seus resultados corresponderam ao bônus de US$
40 milhões nos últimos anos
-para cada um. "Já engordei
muito gato, muito Garfield."
São proverbiais suas exigências. Ele preconiza um "corridor management", a gestão
com cobranças até no corredor.
Telefona de madrugada. "A fila
aqui anda de Porsche."
Antecipa que investirá em
tecnologia da informação. Critica o que julga aversão do empresário brasileiro a risco e o
encanto por negócios com garantia do Estado.
Para o Ministério Público
Federal, Eike Batista está longe
de encarnar um empresário
exemplar. Há acusações de crime ambiental e corrupção.
No Rio, a Procuradoria da
República move processo devido ao que seria devastação da
natureza nas obras do porto do
Açu, no norte fluminense.
No ano passado, a Polícia Federal fez operação de busca e
apreensão na casa do empresário. Motivo: no Amapá, ele foi
apontado pela PF como "mentor intelectual" de fraude na licitação de ferrovia de complexo
minerador.
Em Mato Grosso do Sul, o
Ibama aplicou multa de R$ 29,4
milhões por alegado emprego,
em siderúrgica, de carvão vegetal fruto de desmatamento irregular. Logo, Eike doou R$ 11,4
milhões para preservação do
Pantanal, Lençóis Maranhenses e Fernando de Noronha.
Ele nega as acusações, que
aguardam decisão judicial definitiva. Diplomático, enaltece o
papel do Ministério Público.
No Rio, onde depende de licenças do Estado para tocar
dois portos em construção,
destina R$ 28 milhões para a
despoluição da lagoa Rodrigo
de Freitas, em torno da qual
costuma correr acompanhado
por seguranças.
Emprestou avião para o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes viajarem a
Copenhague para a escolha de
2016. A concessão da Marina da
Glória, aquisição de Eike, é
emitida pela Prefeitura do Rio.
Negócios seus como o navio
de passeio Pink Fleet estão longe de se pagar. "Adoro o conceito americano de você ter que
devolver para a sociedade."
Quando cria um projeto, diz
que é um "MPI - Mata Paulista
de Inveja". Exemplifica com o
Mr. Lam. "Como a cultura dos
paulistas é sempre fazer as coisas muito benfeitas, eu quis começar a fazer coisas no Rio com
o padrão paulista."
Na semana passada, suas
ações se valorizaram na Bolsa
de Valores. Do país onde há 40
milhões de trabalhadores vivendo com até um salário mínimo mensal, periga sair o homem mais rico do mundo.
Texto Anterior: Investimento em cinema atinge 6 filmes Índice
|