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COMÉRCIO MUNDIAL
Blocos podem selar acordo para formar uma área com liberdade comercial entre países não-fronteiriços
Europa quer negociação com o Mercosul "sem tabus"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS
A União Européia e o Mercosul
reiniciam amanhã as negociações
para formar, eventualmente, a
primeira Associação Inter-Regional do planeta, com os europeus
dispostos a cobrar que não haja
tabus, de parte a parte.
"A agricultura não é um tabu
para a Europa. Posta a agricultura
sobre a mesa, não seria aceitável
que o Mercosul tivesse uma longa
lista de tabus", diz Arancha González, a porta-voz de Pascal Lamy,
comissário europeu de Comércio
(uma espécie de ministro).
"De parte do Mercosul, não há
tabu nenhum", responde José Alfredo Graça Lima, o embaixador
brasileiro na União Européia e
um dos diplomatas de maior
competência e experiência na
área de negociações comerciais.
Se essa retórica positiva se
transformasse de fato em ofertas
na mesa de negociação, os dois
blocos estariam na iminência de
fechar um acordo de livre comércio que teria duas características
inéditas: seria a primeira área de
livre comércio entre países que
não fazem fronteira e seria igualmente a maior do planeta.
O problema é que há, sim, tabus. Pior: um tabu poderoso, o
protecionismo agrícola europeu,
o mesmo que tem feito encalhar
as negociações comerciais no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
"O Mercosul não pode aceitar
um acordo com a União Européia
que não preveja o acesso de produtos em que é altamente competitivo e que não apareceram na
oferta européia", diz Graça Lima.
A proposta européia parece, nos
números, de fato ambiciosa. Em
um prazo de dez anos, os europeus abrirão totalmente seu mercado para 91,5% daquilo que o
Mercosul exporta para o conglomerado de 15 países da Europa.
Ocorre que essa oferta cobre
apenas aqueles bens que já são exportados, não aqueles que são
protegidos e, por isso mesmo, não
entram no mercado europeu e
nos quais o Mercosul é extremamente competitivo, como lembra
Graça Lima.
Caso do açúcar, para o qual os
europeus fixaram uma cota microscópica (apenas 19 mil toneladas), quando o Brasil poderia exportar até 3 milhões de toneladas.
A oferta do Mercosul, nos números, também parece generosa:
reduzir a zero, no mesmo prazo
de dez anos, as tarifas para 83,5%
daquilo que importa da UE. Mas,
em áreas novas, como serviços e
compras governamentais, a oferta
do Mercosul é tímida ao extremo.
"Nós sempre defendemos que o
acordo não é só para agricultura
mas também para produtos industriais, serviços, compras públicas e investimentos. Queremos
um acordo ambicioso. Esse é o
mandato negociador que temos, a
filosofia que animou nossas negociações e algo que nunca ocultamos do Mercosul", diz González.
A troca de reivindicações e críticas, ainda que veladas, soa familiar? É familiar, de fato: foi mais ou
menos esse o impasse que levou
ao fracasso a Conferência Ministerial da OMC em Cancún (México), realizada em setembro.
De um lado, países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil,
reivindicando a abertura agrícola
dos países ricos (não apenas da
UE). Do outro, os europeus insistindo em pôr na agenda os chamados temas novos do comércio,
exatamente compras governamentais, investimentos, serviços,
ao que se opõe um bom número
de países em desenvolvimento.
Se a reunião ministerial UE-Mercosul de amanhã reproduz o
impasse de Cancún, haverá novo
fracasso? Não, porque os objetivos são diferentes.
Em Bruxelas, trata-se apenas de
redesenhar o que os diplomatas
adoram batizar de "road map"
-o mapa do caminho. Até julho,
havia um caminho na negociação
UE-Mercosul, que foi devidamente percorrido, com a apresentação de ofertas iniciais, a revisão
delas e o lançamento das novas
ofertas, mais ambiciosas.
"Tínhamos um "road map" claro
até julho. Estamos no momento
de decidir o que queremos agora", diz González. Reforça o embaixador Graça Lima: "Trata-se
de estabelecer um novo programa
de trabalho para a parte teoricamente final da negociação, que
vai até outubro de 2004".
O prazo estabelecido pelo embaixador não está no papel ainda,
mas leva em conta um dado da
realidade: no ano que vem, acaba
o mandato da atual Comissão Européia. Logo, ou a negociação
acaba nesse período ou tenderá a
sofrer uma paralisia até que a nova comissão seja designada, assuma e defina suas prioridades.
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