São Paulo, quarta, 11 de novembro de 1998

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ARTIGO

Só para o FMI ver

LUIZ LEMOS LEITE

A reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, com 53% da preferência dos eleitores, foi inferior aos 58% da eufórica expectativa criada pelas pesquisas de opinião e pela própria equipe do governo. Para muitos, esse resultado significou uma advertência de que a sociedade não mais tolera atrasos nas reformas estruturais. A sua postergação expõe a economia brasileira aos caprichos e devaneios do capital especulativo internacional.
De qualquer maneira, a vitória do presidente nas urnas foi expressiva, imputando-lhe responsabilidades redobradas em seu segundo mandato, no qual ele não pode repetir o erro cometido em sua primeira administração, quando perdeu a oportunidade histórica de realizar a modernização do arcabouço legal que rege a economia, imprescindível à sobrevivência do Real e à consolidação da estabilidade.
Tivesse Fernando Henrique conseguido concluir as reformas há cerca de dois anos, não teria agora de baixar mais um pacote fiscal de emergência, com efeitos recessivos e que desagradou praticamente a todos os setores, incluindo empresários e trabalhadores. Os aumentos de CPMF e Cofins, somados à estratosférica taxa de juros, caem como uma bomba sobre os setores produtivos, permitindo, sem grande esforço de raciocínio, vaticinar um Ano Novo com velhos problemas, agravados pela crise mundial.
O fato de não ter feito a principal lição de casa, representada pelas reformas e pela redução drástica do déficit público, tem levado o governo a adotar medidas duras. Ajuste fiscal, no Brasil, tem sido sinônimo de aumento de impostos. O curioso é que se multiplica, a cada pacote, a carga tributária imposta à sociedade, enquanto o governo produz um déficit público interno de 7% do PIB e um déficit externo (balança de pagamentos) de 4,5% do PIB, consumindo as poupanças que deveriam ser direcionadas a investimentos do setor privado, para estimular o crescimento econômico e gerar empregos.
As novas medidas fiscais anunciadas pelo governo - é importante frisar - superpõem-se a outros frustrantes ajustes que vêm sendo realizados periodicamente. Merece destaque o famoso "pacote 51", decretado pela lei 9.532, de 10 de dezembro de 1997 -arrogante, inconstitucional e arbitrário, como muitas medidas do democrático governo FHC. Como sempre, dentre as medidas previstas só vigorou, mesmo, a elevação da carga tributária.
Porém o que a sociedade deseja é uma verdadeira e eficiente reforma fiscal-tributária, para equilibrar as receitas e despesas do setor público, de preferência cortando gastos e reduzindo o tamanho do Estado. Esse é o maior desafio da economia brasileira a ser enfrentado com determinação e coragem, independentemente de acordos com o FMI e os governos dos países ricos, o chamado G-7.
Não é justo para os setores produtivos e tampouco saudável para a economia nacional que a sociedade continue pagando a conta de um Estado jurássico e deficiente. A lista de tributos no país já é ampla e sufocante. A CPMF, agora aumentada pelo novo pacote, é um imposto perverso e altamente regressivo, pois atinge a poupança e o processo de produção e comercialização de bens e serviços, onerando o custo dos produtos brasileiros e aumentando suas desvantagens competitivas em relação aos estrangeiros.
Efetivamente, não são pacotes equivocados que irão oferecer ao Brasil o necessário poder de recuperação diante da sistêmica crise global. O potencial econômico do país permanece forte: enorme mercado competitivo para bens de capital e consumo e a promessa de uma safra de 85 milhões de toneladas de grãos.
No entanto, para que esse potencial se materializasse em crescimento, geração de empregos e desenvolvimento, o governo teria de, corajosamente, equilibrar suas contas sem aumentar impostos, baixar os juros e reduzir os altos índices de esterilização dos recursos captados pelo sistema financeiro, compulsoriamente recolhidos ao Banco Central.
Essas providências, ousadas e pouco ortodoxas, mas verdadeiramente democráticas, pois afinadas com os anseios da sociedade, injetariam na economia recursos expressivos, recuperando a confiança dos investidores internos e externos. Contudo o novo pacote econômico está na contramão dessas medidas. E, justamente por isso, conforme se pode aquilatar na mídia, parece ter agradado apenas ao FMI.


Luiz Lemos Leite, 69, advogado, ex-diretor do Banco Central, é presidente do Sistema Febrafac (Federação Brasileira de Factoring)/Anfac (Associação Brasileira de Factoring).



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